Atuação de ONG na Amazônia é questionada por senadores em CPI
Da Agência Senado | 03/10/2023, 16h18
A CPI das ONGs recebeu nesta terça-feira (3) o diretor do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPE), Eduardo Ditt. A reunião foi marcada por fortes divergências sobre os rumos que a região amazônica deve tomar visando a melhoria de seus indicadores socioeconômicos. Também houve discordâncias quanto ao papel cumprido pelo IPE na localidade e aos seus posicionamentos em relação a financiadores externos.
O presidente da CPI, Plínio Valério (PSDB-AM), questionou a atuação do IPE no estabelecimento de corredores ecológicos em regiões do Rio Negro (AM). O senador apontou que unidades de conservação semelhantes não são estabelecidas em outras regiões amazônicas marcadas por baixíssimos índices de desenvolvimento humano.
— Não há estudos sobre projetos no Madeira, Juruá, Purus, Tapajós... só tem no Rio Negro. Porque é lá que estão os minérios, as riquezas naturais. Eles precisam isolar isso. Nessas outras regiões não tem nióbio, ouro, diamantes. O Rio Negro é a região mais rica do planeta! 96% das reservas mundiais de nióbio. Também não tem a atuação dessas ONGs no Ceará, Paraíba ou mesmo regiões amazônicas sem riquezas naturais — apontou Plínio.
Defendendo a ONG, Ditt disse que a atuação da entidade favorece diretamente 44 negócios comunitários sustentáveis, cujo faturamento anual superaria R$ 1,5 milhão. Segundo ele, atuam em cadeias como o ecoturismo, artesanato, pesca, açaí, cacau e etc., perfazendo 2,6 mil beneficiários diretos. Informou ainda que a ONG recebeu R$ 110 milhões desde 2018, sendo 49% vindo de órgãos estrangeiros. Nos números apresentados da ONG, também consta um financiamento específico de R$ 45 milhões do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Plínio citou relatórios da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que questionam o fato de ONGs como o IPE receberem, todos os anos, dezenas de milhões de reais de órgãos de governos estrangeiros, como o Usaid (United States Agency for International Development), vinculado ao governo dos Estados Unidos. Ditt confirmou que o IPE já recebeu recursos dessa agência e de outros governos estrangeiros, mas que as auditorias dessas contas são "muito criteriosas" e, no seu entender, comprovam que os recursos foram aplicados em ações mitigadoras do aquecimento global.
Obras e estradas
Um dos momentos de dissenso entre Ditt e membros da CPI se deu quando o dirigente da ONG defendeu que regiões do Rio Negro "não precisam da construção de estradas" na exploração do ecoturismo. Plínio Valério reagiu e exibiu um vídeo de indígenas koripako que passam dias navegando em embarcações precárias, que frequentemente ficam atracadas e dormem ao relento para que possam ter acesso a cidades próximas.
— É uma saga onde os kuripako descem nove cachoeiras, depois são obrigados a subir as nove cachoeiras para receberem o Bolsa-Família. Uma estrada de 16 Km acabaria com essas cenas dantescas, humilhantes! Fica difícil um turista se submeter ao que os índios são obrigados a se submeterem. Alguém defender turismo sem estradas nessa região ou é contraditório, ou é falta de conhecimento — criticou.
O relator da CPI, Márcio Bittar (União-AC), também questionou a visão de Ditt sobre ecoturismo. Ele lembrou que diversas regiões da Amazônia com potencial ecológico "têm tamanhos próximos a de países europeus". No entanto, ele lamenta não haver nenhuma infraestrutura, inclusive estradas, o que faz, conforme o senador com que os poucos turistas que vão a essas regiões voltem. Fenômeno totalmente diverso ao que ocorre na Europa, EUA ou regiões brasileiras onde há infraestrutura, o que torna muito comum o retorno de turistas a essas regiões, argumenta Bittar.
O senador acriano também questionou os números apresentados pelo IPE e por outras organizações não-governamentais no decorrer da CPI, quanto à exploração do ecoturismo e de cadeias produtivas. Para ele, os resultados apresentados pelas ONGs "não passam de nichos", incapazes de suprirem as necessidades "de uma região enorme, habitada por 28 milhões de pessoas".
Financiamento externo
Bittar também questionou fortemente o fato do IPE receber, todos os anos, vultosos recursos de governos estrangeiros. Lembrou, por exemplo, que o instituto já recebeu R$ 45 milhões do governo da Noruega, país que vive, de acordo com o relator, da exploração de petróleo e da consequente emissão de gás carbônico (CO2) em grande volume na atmosfera.
— Não é imoral receber esse dinheiro de um país que vive da queima de combustíveis fósseis? E a Noruega não dá nenhum sinal de que vai diminuir suas emissões, muito pelo contrário, continuam concedendo novas licenças de exploração. A Noruega sozinha polui muito mais que a Amazônia inteira, e as ONGs não falam nada! Claro, quem paga manda — criticou.
Bittar ainda afirmou que o valor doado por países como Noruega e Alemanha para ONGs brasileiras é "ridículo", perto do dano que causam à natureza, fruto da exploração de combustíveis fosséis. Bittar acrescentou que a Alemanha aumentou recentemente, e em grande dimensão, a exploração de carvão. O mesmo teria feito a Inglaterra, com recentes concessões de exploração de 100 poços petrolíferos.
— O Reino Unido, reunindo os países todos, é um imenso poluidor, e aumenta a exploração de petróleo sem consultar ninguém, descumprindo acordos que eles mesmos assinaram. Mas são hipócritas... Na coroação do Rei Charles III, ele cobrou que o Brasil proteja a Amazônia — disse.
Em resposta, Ditt argumentou que cabe à comunidade internacional, nas múltiplas negociações multilaterais em torno do aquecimento global, cobrarem que os grandes poluidores diminuam suas emissões.
Plínio e Bittar também criticaram o fato de as ONGs, muitas vezes, entrarem na Justiça embargando obras de infraestrutura na Amazônia, como a construção de hidrelétricas, estradas, pontes, entre outros. Para eles, o modelo do chamado "desenvolvimento sustentável" só tem aumentado a pobreza. Bittar lembrou que hoje só Rondônia, entre os estados na região amazônica, tem menos famílias dependentes do Bolsa-Família do que de outras fontes de renda. O relator ainda alegou que muitas etnias indígenas na Amazônia estão frustradas.
— Essas ONGs são sustentadas pelos maiores poluidores do planeta. E em nome da sustentação ambiental, criamos reservas e abrimos mão de explorarmos petróleo, ouro, minérios, nióbio, e damos em troca bolsas de R$ 200 pra população. Isso é uma vergonha! A Amazônia está engessada, e os indígenas se sentem enganados pelo Estado brasileiro. Eles hoje se sentem vigias, não donos das reservas, pois não podem explorar nada.
Para Ditt, o IPE defende que os amazônidas tenham "a maior renda possível no desenvolvimento de atividades preservacionistas". Entre essas alternativas, ele defendeu o robustecimento do sistema de pagamento por serviços ambientais (PSA).
O senador Confúcio Moura (MDB-RO) também defendeu as ONGs. Ele disse que essas organizações cumprem um papel social "muito relevante" em seu estado, tanto na preservação ambiental quanto na assistência a povos originários.
— Defendo a necessidade das ONGs, assim como o fato de elas captarem recursos. É muito difícil captar recursos de entidades como o BNDES, ou as doações via Fundo Amazônia que vêm de governos estrangeiros. Além disso, o uso desses recursos sofre auditorias constantemente. Em Rondônia, abnegados nessas ONGs não raro correm risco de vida, ameaçados ao atuarem na preservação ambiental ou em áreas indígenas.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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