CDH: superação da fome passa por crescimento e salário mínimo

Da Agência Senado | 27/03/2023, 19h12

A Comissão de Direitos Humanos do Senado (CDH) iniciou nesta segunda-feira (27) um ciclo de audiências públicas sobre a fome no país. O presidente do colegiado, senador Paulo Paim (PT-RS), destacou que o objetivo é subsidiar o Senado com dados técnicos e atuar em parceria com o governo. Na primeira reunião, crescimento econômico e valorização do salário mínimo foram citados como soluções para o problema.

Participaram do debate desta segunda-feira representantes do governo, pesquisadores e ativistas. Eles destacaram a estimativa de que há no Brasil cerca de 33 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar. E que o Brasil voltou ao Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU).

A retomada do crescimento econômico foi defendida como uma das soluções, já que a estagnação vivida pelo país nos últimos anos impulsionou os índices de pobreza e miséria. Henrique Salles Pinto, consultor legislativo do Senado, ressaltou que a saída do Brasil do Mapa da Fome em 2014 ocorreu após pelo menos uma década de crescimento econômico sustentável, associado a políticas sociais e de redistribuição de renda.

— De 2003 a 2014 houve um aumento progressivo do salário mínimo real: de R$ 400 em 2004 a mais de R$ 700 no início de 2014. Isso combinado com a redução do desemprego. Esse foi o grande salto que tivemos naquele período em que conseguimos superar a fome. Não se tratou apenas de um aumento do salário mínimo real, que também foi muito importante, mas, sobretudo, da geração de emprego, emprego formal, sustentável no médio e longo prazo – disse o consultor.

Ao argumentar que tais mudanças permitiram quedas significativas dos índices de pobreza no período, Henrique Salles Pinto ressaltou que a pobreza caiu de 35% da população em 2003 para 15% em 2012, enquanto os índices de miséria passaram de 15% da população em 2003 para 5% em 2012.

O consultor elogiou o Bolsa Família, mas lembrou que, além desse programa, houve várias políticas sociais que também contribuíram para as melhorias sociais registradas no período. Ele citou o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa de Cisternas Comunitárias, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).

Salário mínimo

O presidente da CDH, senador Paulo Paim, reiterou que a política de valorização do salário mínimo é fundamental para a melhoria do quadro social.

Chegamos a um índice de desemprego de 4%, 5% no governo Lula. O mínimo chegou a ser o equivalente a US$ 350, e com a força do Bolsa Família. Digo isso porque, antes de criarmos essa política, muitos economistas diziam que ela iria gerar desemprego — declarou o senador.

Paim lamentou que o Brasil, um dos recordistas mundiais na produção de alimentos, tenha mais de 30 milhões de pessoas passando fome ou em situação constante de insegurança alimentar.

Restaurante popular

Representante do Ministério da Saúde no debate desta segunda-feira, Maria del Carmen Molina defendeu os restaurantes populares.

— O restaurante popular é uma das iniciativas mais interessantes que temos para combater a fome de moradores de rua e desempregados. É uma alimentação de boa qualidade do ponto de vista do valor subsidiado. Temos ali uma alimentação muito barata e de qualidade para quem está passando fome naquele momento, ou para as crianças que não têm outra refeição na escola. A merenda escolar fornece refeições de boa qualidade, mas o restaurante popular é realmente uma das ações mais exitosas, e que a gente precisa fomentar em todos os municípios — afirmou ela.

Mas a representante do Ministério da Saúde também reconheceu que, "logicamente, a oferta de emprego é uma política estruturante da maior necessidade".

Representante da World Food Programme, organização vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU), Osiyallê Akanni Silva Rodrigues também defendeu os restaurantes populares.

— É importante pensar em como se pode aumentar o número de restaurantes populares para a população em situação de rua — frisou ele.

Impacto da fome na saúde mental

Maria del Carmen Molina citou pesquisas recentes produzidas nos EUA, no Reino Unido e no Canadá que tratam do impacto da fome e da insegurança alimentar crônica sobre a saúde mental. Ela disse que, segundo esses estudos, o risco de sofrer de depressão aumenta 40% sob tais condições, enquanto o risco de aumento de estresse cresce 34%. E que há aumento de 32% na ideação suicida quando as pessoas se encontram em  estado de insegurança alimentar grave.

Além disso, a fome contribui para o surgimento de doenças como hipertensão, asma, diabetes, artrite, doenças pulmonares e cardíacas, hepatite, acidente
vascular cerebral, câncer e doença renal. Molina destacou ainda que, de acordo com pesquisas do Ministério da Saúde, entre jovens na idade escolar, é maior o número de alunos negros advindos de famílias que convivem com insegurança alimentar crônica.

Já Leonardo Santos de Oliveira, que representou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apresentou dados que comprovam a alta acentuada nos índices de miséria e fome dos últimos anos. Segundo ele, em 2013 cerca de 77,3% da famílias brasileiras viviam em estado de segurança alimentar, mas esse índice caiu para aproximadamente 33,3% em 2018.

Articulação de políticas

Eduardo Augusto Fernandes Nilson, pesquisador e docente da Fundação Oswaldo Cruz em Brasília, abordou, entre outros aspectos, a necessidade da integração de políticas para se ter um resultado mais efetivo quanto ao combate à insegurança alimentar de uma maneira geral e à insegurança alimentar nutricional (fome). No entender dele, há que se trabalhar não só com políticas relacionadas à distribuição de alimentos, mas também programas de renda e emprego e de saúde, de modo que, no conjunto, se obtenha a inserção dos cidadãos dentro de sistemas de segurança a fome seja atacada por diversos ângulos e possibilidades. Um exemplo é quando se tem a ocorrência de desnutrição ao lado (muitas vezes na mesma família) da obesidade, em razão do consumo de alimentos impróprios ou de maneira imprópria. 

Fernandes observou ainda que para se obter diagnósticos mais confiáveis da situação alimentar e nutricional é fundamental a manutenção e a integração de programas de pesquisa que analisem o acesso a alimentos de uma maneira universal, mas também por segmentos mais específicos da sociedade, como quilombolas e ribeirinhos. Só assim, se podem corrigir distorções que impliquem em acesso precário à alimentos decorrentes de condições particulares de renda, desenvolvimento e situação geográfica.

O pesquisador reforçou ainda a percepção geral de que o país passou a viver, a partir de 2017 e 2018, um retrocesso em suas políticas de combate à fome, com a desativação de programas e conselhos, o que foi agravado posteriormente gerado pela pandemia. Isso, avaliou, está levando a riscos que haviam sido superado por vários anos de esforço sistemático. O que ele recomenda é que o país volte a adotar com firmeza e persistência políticas estruturantes, universais e baseadas em direitos para que se possa impulsionar as ações de redução significativa da insegurança alimentar.

—  A fome não é natural, a fome é causada, e por isso mesmo deve ser combatida, reforçando a questão dos direitos. O que nós podemos pensar em termos dos nossos desafios, olhando para a frente? Primeiro, é claro, reduzir a insegurança alimentar nutricional (fome) é prioridade agora e, dentro disso, olhar para as desigualdades, retomar o crescimento econômico e políticas orientadas pela equidade, porque o momento que nós temos de reconstrução de programas é muito oportuno, e aumentar a sinergia e a articulação das políticas intersetoriais — defendeu o pesquisador.

Ele saudou a reconstituição do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), a reativação da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) e as ações coordenadas com estados e municípios.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)