Senadores homenageiam os 60 anos da UnB e apontam desafios

Da Agência Senado | 25/04/2022, 19h18

Senadores destacaram nesta segunda-feira (25) a qualidade do ensino e o caráter democrático da Universidade de Brasília (UnB) durante sessão especial que homenageou os 60 anos da instituição. Os convidados da sessão, porém, criticaram os cortes orçamentários na educação e a desvalorização dos profissionais do setor. Eles avaliaram ainda que a manutenção do regime democrático está hoje sob risco no Brasil.

A homenagem foi requerida pela senadora Leila Barros (PDT-DF), que presidiu a sessão, ao lado do senador Izalci Lucas (PSDB-DF); da reitora da UnB, Márcia Abrahão; do presidente da associação dos docentes (ADUnb), Jacques de Novion; da coordenadora geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE), Mona Rodrigues; e do representante do Sindicato dos Trabalhadores da instituição, Edmilson Rodrigues.

Inaugurada exatamente dois anos após a capital federal, em 21 de abril de 1962, a UnB foi concebida com a promessa de reinventar a educação superior, entrelaçar as diversas formas de saber e formar profissionais engajados na transformação do país. A ideia de estabelecer uma universidade na nova capital surgiu ainda durante a construção de Brasília. Atendendo a determinação do então presidente da República, Juscelino Kubitschek, o antropólogo, educador e romancista Darcy Ribeiro — que posteriormente foi eleito senador pelo Rio de Janeiro e integrou a Academia Brasileira de Letras — reuniu cientistas, artistas e filósofos para debater o formato da instituição.

Educação para o futuro

Após execução do Hino Nacional, Leila Barros destacou que a UnB foi criada para conduzir a educação superior brasileira ao futuro, tendo como um de suas ambições formar uma geração de profissionais que transformaria o país.

— A criação da UnB contou com a moderna arquitetura de Oscar Niemeyer, responsável pela parte física, e a dupla Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, que definiram as bases e traçaram o plano educacional da instituição. Conceitos como escola em tempo integral e educação de qualidade para todos, independentemente de raça, credo ou classe social, ganharam força com a implantação da Universidade de Brasília. 

Em seu primeiro ano, destacou Leila, a universidade foi criada por lei sancionada pelo então presidente João Goulart e recebeu 413 alunos. 

— A proposta do processo seletivo da universidade era muito mais inclusiva e incluía até entrevista com os candidatos. A ideia era selecionar os alunos que mostravam vocação, e não só aqueles alunos que tinham tido, até por razões econômicas e de classe social, uma educação anterior melhor. Tradicionalmente, o projeto da elite brasileira era o de transformar uma elite econômica numa elite cultural. É mais ou menos como se a gente quisesse formar uma seleção de futebol só com as crianças cujos pais podem pagar uma escolinha de futebol, nos privando de um Garrincha, de um Pelé, de um Romário ou de um Ronaldinho. Não podemos selecionar os melhores apenas entre os que podem pagar. A UnB vinha romper com isso com um projeto de dar chance a todos e todas também — afirmou.

Após exibição de vídeo sobre a história da instituição, Izalci Lucas destacou que a UnB é um exemplo de universidade aberta, moderna e inclusiva que conta hoje com três campi no Distrito Federal (Gama, Ceilandia e Planaltina). O senador destacou ainda o caráter inclusivo da universidade, ao receber um número recorde de alunos formados em escolas públicas. Izalci dispôs-se a aperfeiçoar, no Senado, projeto já aprovado na Câmara dos Deputados que cria a legislação de doações privadas para as universidades brasileiras, a exemplo do que ocorre em países desenvolvidos, por meio da criação de fundos federais para recebimento de contribuições. O senador destacou ainda projeto de sua autoria que proibiu o contingenciamento de recursos da União destinado à ciência e tecnologia, o qual teve veto presidencial derrubado pelo Congresso. Ele também assinalou que a elaboração do marco legal da ciência, tecnologia e inovação contou com o apoio de professores da UnB.

O senador Reguffe (União-DF), além de destacar que a história da UnB confunde-se com a história de Brasília, ressaltou que a universidade fez parte de sua vida.

— Defender a UnB é defender Brasília. A UnB é muito importante para a cidade, é a vanguarda da cidade, é a vanguarda do pensamento e nela está muito a criação do futuro desta cidade. Ali temos a efervescência intelectual extrema e ali já produzimos saídas para um país melhor, uma cidade melhor, e podemos produzir muito mais — afirmou.

Reguffe destacou ainda o papel desempenhado por Darcy Ribeiro, “para que a UnB fosse o que é hoje, se institucionalizasse e virasse uma cidade”, e do ex-senador e ex-reitor da universidade, Cristovam Buarque, em favor da instituição.

— A UnB faz parte da história da minha vida, estudei na UnB e aprendi muito na universidade, os meus primeiros passos de formação política, mas também de formação intelectual. Ela foi muito importante, ali fiz amigos que levei para a vida inteira e fazem parte de meu convívio social. Fui presidente do Centro Acadêmico de Economia e depois fui vice presidente do DCE. Tenho muito orgulho da UnB. Eu não estaria aqui hoje se não fosse a minha passagem pela UnB — disse Reguffe.

Projeto pedagógico ousado

Márcia Abrahão agradeceu ao Senado a realização da sessão e disse que o apoio dos deputados e senadores do Distrito Federal tem sido fundamental para a UnB, em especial no período atual de severa restrição orçamentária. Ela destacou que a instituição conta hoje com 3.233 técnicos, sendo mais de 50% com pós-graduação; 2.958 docentes, dos quais mais de 95% com doutorado; e 51.089 estudantes de graduação e pós graduação, que representam a comunidade acadêmica. De acordo com a reitora, Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira sonharam com uma universidade com um projeto político pedagógico ousado, diferente de tudo o que existia no Brasil, capaz de dominar todo o saber humano e de colocá-lo a serviço do desenvolvimento nacional, no qual a UnB deveria “pensar o Brasil como um problema”.

— Houve muita resistência para a criação da UnB. Os assessores do próprio presidente Juscelino Kubitschek, na época, queriam que a nova capital estivesse livre de badernas estudantis, assim como de greves de operários fabris. Olhando para a história, podemos dizer que a comunidade tem conseguido manter firmes os ideais vanguardistas de sua origem, mesmo tendo, em alguns momentos, de resistir aos avançou autoritários — ressaltou.

Márcia Abrahão também destacou a evolução da UnB ao longo de 60 anos.

— Fomos pioneiros e inovamos na educação do país, fomos a primeira universidade a criar as cotas raciais, fizemos o primeiro vestibular exclusivo para indígenas, criamos uma alternativa inovadora para acesso à universidade, que foi o programa de avaliação seriada. Fomos inspiração para o ensino médio, quase 300 mil pessoas já colaram grau na UnB, entre graduados, mestres e doutores. São quadros que estão no governo local e federal, alguns atuais ministros, inclusive, em outros estados, em grandes corporações no país e em postos em todo o mundo, mas, somente após meio século, ocorreu a eleição da primeira mulher da UnB — lembrou.

A reitora também falou sobre a participação das mulheres nas atividades da universidade, que respondem hoje por 58% do público atendido pela assistência estudantil, a maioria entre estudantes e técnicos e um pouco menos de 50% entre os docentes.

— Nos cursos de engenharia e exatas, as mulheres compõem menos de 30% dos estudantes. Entre os estudantes, o maior percentual de mulheres está no doutorado, mas, quando vamos olhar os professores e pesquisadores, temos apenas 30% de pesquisadores mulheres. Quando chegamos aos cargos de gestão, o número é bem menor. O principal desafio é cultural. As universidades são responsáveis pelo debate crítico que pode mudar o que já está cristalizado na nossa sociedade estruturalmente machista. No Brasil, das 74 universidades federais, apenas 17 tem reitoras. A UnB continuará em defesa da democracia, do ensino e de uma universidade inclusiva, plural e diversa — reforçou.

Resistência democrática

Coordenadora geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UnB, Mona Rodrigues comemorou o retorno das aulas presenciais, agendado para o segundo semestre. Ela destacou que o projeto educacional da universidade buscava a interação de todos os cursos de forma única.

— O sonho na UnB foi interrompido na ditadura militar, que deixou marcas impossíveis de não serem vistas, como a morte do [estudante de geologia] Honestino Guimarães, que hoje dá nome ao DCE. O movimento estudantil da UnB segue em linha de frente hoje, com o desafio atual da extrema direita ameaçando a educação. Seguiremos mobilizados independentemente de qualquer governo que apareça e ameace a educação e a democracia. Assim como a UnB, somos resistência. Há o desafio da renovação da Lei de Cotas, e a UnB foi pioneira na graduação e pós-graduação, ela é indispensável para construir a universidade sonhada por Darcy Ribeiro. A assistência estudantil também é fundamental no retorno da pandemia, quando a universidade só adoeceu e registrou perdas — afirmou.

Representante do Sindicato dos Trabalhadores da UnB, Edmilson Rodrigues disse que a universidade pública e a UnB refletem a realidade do país e seus governos.

— Ela foi criada no período democrático e depois, infelizmente, passamos 20 anos em que fomos perseguidos, alguns assassinados e os terceirizados eram proibidos de comer no  bandejão. O processo de redemocratização da UnB foi um momento cívico. Houve avanço desde 2004, na gestão do ex-presidente Lula, quando o número de estudantes passou de 26 mil para 48 mil alunos. Foi no governo Lula que tivemos um grande fortalecimento do ensino, das creches, do ensino médio, dos institutos federais de ensino, da universidade pública que fortalece o ensino e a pesquisa. A UnB resistiu. A partir de 2005 tivemos investimento no plano de carreiras de ensino. A partir de 2017, houve corte orçamentário, demissões injustas, falta de bolsa de estudo e recursos financeiros — informou.

Presidente da Associação dos Docentes da UnB (Adunb), Jacques de Novion destacou a participação da universidade “nas discussões de ponta, na transformação e na busca incessante de soluções para históricas mazelas existentes na sociedade”.

— A UnB se envolveu na construção da Constituição de 1988. Na década de 90, com a Nova República, a perspectiva de retomada esbarrou na redução de gastos imposta pelo neoliberalismo. A UnB, mobilizada, venceu o projeto modernizador por meio de vitória conquistada nas ruas. A educação como gasto é suprimida como educação pelo investimento. Ampliou-se o número de vagas. A política de investimento na intelligentsia nacional é suprimida em 2016 pelo golpe, ainda hoje em vigor. A ascensão de um governo que impõe um projeto de universidade criminalizada passa a instituição à condição de inimiga do governo, restabeleceram-se velhas práticas autoritárias de todos os tipos. Há a narrativa constante de criminalização das universidades e instituições de ensino, que caracteriza como prática criminosa a educação em favor do bem público — afirmou.

Referência na educação

A deputada Paula Belmonte (Cidadania-DF) ressaltou que a UnB, além de ser uma referência muito positiva a todos os brasilienses, destaca-se ainda por um programa voltado exclusivamente a idosos, o qual os beneficia com a oportunidade de conviver com os professores da instituição.

O deputado Professor Israel Batista (PV-DF) também saudou a UnB, e ressaltou que o Brasil vive hoje a ameaça aos direitos democráticos.

— Estamos vivendo um momento que exige de nós posição ativa de defesa da universidade e da ciência no Brasil. No momento em que países importantes aumentam investimentos na ciência e na universidade, o Brasil investe de maneira desnecessária. O Brasil parecia caminhar na contramão, muitos dos nossos professores da UnB começaram então a ser atraídos por propostas no exterior porque aqui não havia incentivo à pesquisa. A fuga de cérebros, nos últimos anos, no Brasil, se aprofundou e é sintoma dos constantes cortes universitários na ciência. Há profundo desprestígio da classe científica e acadêmica. Nós vivemos o momento em que nosso país tenta negar o que a ciência nos traz de conhecimento, em que nossos governantes tentam, de todas as formas, se livrar das amarras que o conhecimento impõe e criar uma realidade paralela — disse.

A deputada Erika Kokay (PT-DF) disse que a UnB deve ser valorizada por todos, tendo em vista que representa a resistência e a generosidade.

— A UnB carrega a capacidade de andar e dialogar com a própria sociedade. Incomoda o arbítrio à liberdade de cátedra e a construção de evidências da própria ciência. Vivemos o negacionismo estrutural, que nega a própria realidade. Querem calar a universidade, inclusive a potencialidade desse país. Mas a universidade resiste, ousa enfrentar as baionetas reais e metafóricas — concluiu.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)