Debate na CE aponta que inclusão de disciplinas no currículo escolar exige aprofundamento

Da Agência Senado | 24/02/2022, 14h50

Uma série de projetos que incluem temas como educação financeira, cidadania e empreendedorismo na Base Nacional Comum Curricular tramitam no Senado e na Câmara mas, segundo especialistas ouvidos em audiência pública, nesta quinta-feira (24), na Comissão de Educação (CE), esses assuntos podem ser abordados de forma transversal, ou seja, sem a obrigatoriedade de inclusão no currículo oficial das escolas.

Homologada em 2017 para os ensino infantil e fundamental e, em 2018, para o médio, a BNCC define o essencial que deve ser ensinad,o tanto nas instituições públicas, quanto nos estabelecimentos privados de todo o país, e é fruto de um processo de discussão na sociedade que remete à Constituição de 1988 e passa pela elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e pelo Plano Nacional da Educação (PNE) de 2014.

— "Gostaria de incluir a disciplina civismo no currículo; gostaria de incluir educação financeira; gostaria de incluir primeiros socorros". É importante que toda a sociedade conheça que esses temas estão sendo, sim, abordados no âmbito escolar não necessariamente como disciplina obrigatória, mas como conteúdos de abordagem transversal —apontou a coordenadora-geral de Gestão Estratégica da Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Maria Luciana Nóbrega.

O senador Marcelo Castro (MDB-PI) ressaltou que de acordo com o art. 26 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), os currículos da educação infantil do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum a ser complementada por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos. Ele defendeu que o Congresso aprofunde o debate sobre o tema. 

— Nós precisamos cada vez mais aprofundar nesse aspecto do nosso currículo comum, porque é a base da educação de qualquer país. Se a pessoa salta etapas e não tem uma base sólida, evidentemente que em tudo que vier à frente ela encontrará mais dificuldades — avaliou o senador.

A implantação da BNCC ainda está em andamento o que, segundo participantes, exige cautela na hora de propor acréscimos de disciplinas. 

— Eu acho que esse é um cuidado que, pela natureza do Senado, nós precisamos ter para evitar que se agregue algo a mais, sendo que ainda não temos todas as informações [ sobre a implantação da BNCC] — disse Ocimar Munhoz Alavarse, Professor na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).

Segundo Alavarse, a BNCC não pode ser tomada como “currículo obrigatório”.

— A BNCC não pode ser vista como a única maneira de trabalhar os conteúdos escolares, uma lista de conteúdos não basta, mas a maneira de traduzir esses conteúdos em processos de aprendizagem, nas materializações dessas aprendizagens, comporta ainda, queiramos ou não, outras abordagens. Então, não se trata de ignorar a BNCC, mas não podemos fazer dela o único elemento no processo formativo — disse. 

De acordo com o Movimento pela Base, rede não governamental e apartidária de pessoas e de instituições que apoia uma base nacional comum curricular, o Brasil conta hoje com 5.419 redes municipais com currículos alinhados à BNCC de educação infantil e de ensino fundamental. Apenas 144 redes municipais( 3%) estão em fase de adequação curricular em andamento e 5 redes municipais não iniciaram o processo ou não informaram a situação da implementação. Os  dados  foram citados pela diretora do Movimento Base, Alice Ribeiro, com base em um levantamento do MEC. 

No caso do ensino médio, 22 estados já têm referencial curricular aprovado pelos conselhos estaduais de educação e homologados; dois estados têm o referencial aprovado, mas ainda não foram homologados; e 3 estão com o referencial curricular em aprovação nos conselhos estaduais de educação: Alagoas, Bahia e Rondônia. Segundo Alice Ribeiro, a base não é uma “camisa de força” para engessar o trabalho das escolas e professores; nem tampouco uma “bala de prata” que vai resolver todos os problemas da educação. 

— O que os professores, os diretores, os coordenadores têm trazido é que a base, ao trazer clareza sobre o que é essencial para todos, tem permitido a discussão sobre a diversidade local. Então, a base está fazendo diferença na ponta, ela tem ajudado no momento da pandemia, na avaliação diagnóstica, na clareza sobre aquilo que é essencial — apontou. 

Pandemia

Marcelo Ferreira da Costa, representante da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), também destacou que a base curricular tem ajudado no desafio de recuperar os atrasos na aprendizagem causados pela pandemia de covid-19

— Nós fizemos seis ondas de pesquisa – estamos na sétima agora –, desde o início da pandemia, perguntando aos dirigentes municipais como é que as redes estavam lidando com a pandemia. De um modo geral, entre as respostas, sempre aparecia a necessidade da implementação da base e a importância desse documento para que nós pudéssemos ter uma estrada única— avaliou.

Apesar do longo processo de discussão e implementação, a BNCC não é consenso entre especialistas da área. Para Hugo Heleno Camilo Costa, da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), a BNCC reduz a possibilidade de adequação das escolas às realidades locais. 

— Sobre as defesas recorrentes de que a BNCC visa garantir o mínimo, o básico, importa salientar seu caráter controlador, para além de qualquer mínimo, reduzindo possibilidades locais de construção de currículos, nas e com as escolas— disse. 

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)