Na CPI, Luciano Hang diz que plantonista cometeu erro no atestado de óbito da mãe

Da Agência Senado | 29/09/2021, 12h35 - ATUALIZADO EM 29/09/2021, 19h35

Em depoimento prestado à CPI da Pandemia nesta quarta-feira (29), o empresário Luciano Hang reconheceu que sua mãe recebeu tratamento com medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19. Antes disso, ele havia alegado, em vídeo, que sua mãe não teria falecido se tivesse recebido esse tipo de tratamento. A mãe do empresário morreu em fevereiro, em um hospital da Prevent Senior — empresa que enfrenta várias acusações, entre elas a de induzir médicos a prescrever esses medicamentos. Ao ser questionado sobre o motivo da ausência de citação à covid-19 no atestado de óbito de sua mãe, Hang atribuiu a omissão a um "erro do plantonista".

O empresário também negou as acusações feitas contra ele, como a de financiar a divulgação de notícias falsas, de ter sido integrante do "gabinete paralelo" (grupo que teria aconselhado o presidente Jair Bolsonaro no enfrentamento à pandemia e que defendia o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19) e de ter financiado atos antidemocráticos durante as comemorações de 7 de setembro e de ter participado de tratativas para a compra da vacina chinesa CanSino (sobre a qual há suspeita de irregularidades).

Durante a audiência, Hang foi criticado pelo presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), pelo relator da comissão, senador Renan Calheiros (MDB-AL), e pelo vice-presidente do colegiado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Foram exibidos vídeos em que Hang questiona o número de mortos pela pandemia e as medidas de distanciamento social, além de um vídeo em que ele aparece ao lado de Jair Bolsonaro em uma visita, segundo Randolfe, ao chamado gabinete de crise contra a covid-19 (instalado pelo governo federal).

Por outro lado, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) avaliou que o empresário sofre "perseguição" por parte da CPI. Hang recebeu o apoio de senadores da base aliada do governo, como Marcos Rogério (DEM-RO), Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), Jorginho Mello (PL-SC) e Luis Carlos Heinze (PP-RS). 

Luciano Hang negou que seja "negacionista" e disse ser favorável à vacinação, mas, ao responder a uma pergunta da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), declarou que não se vacinou contra a covid-19 porque possui "um índice de anticorpos altíssimo".

Kit Covid

Parte da inquirição do relator da CPI, Renan Calheiros, foi centrada sobre as declarações públicas de Hang a respeito da morte da mãe do empresário. Ela faleceu em um hospital que pertence à Prevent Senior, empresa de planos de saúde para idosos que está sendo investigada por incentivo ao tratamento com o chamado "kit Covid", que inclui hidroxicloroquina, ivermectina e outros medicamentos cuja eficácia contra a covid-19 não foi cientificamente comprovada. Os parlamentares que criticam o empresário suspeitam que ele omitiu essa informação para não prejudicar a promoção desses medicamentos.

Em vídeo publicado por Hang em suas redes sociais e exibido pela CPI, o empresário afirmava que a mãe poderia ter sido salva se tivesse feito "tratamento preventivo". No entanto, o prontuário do hospital informa que ela recebeu os medicamentos do kit covid antes, informação que ele omitiu nesse vídeo. Ao se justificar, o empresário alegou que ela tomou as medicações como "tratamento precoce", administradas após os primeiros sintomas da doença, e não como "tratamento preventivo", antes da infecção pelo coronavírus.

Além disso, Hang atribuiu a um "erro do plantonista" a omissão da covid-19 no atestado de óbito da mãe. O depoente afirmou que, até a CPI revelar a informação, ele ignorava que a covid-19 não figurava como causa mortis dela. Porém, o presidente da CPI, Omar Aziz, apontou contradição no depoimento do empresário, pois reportagem do site G1 já o consultara sobre o atestado de óbito em abril passado.

Hang acusou a CPI de desrespeito à memória da mãe por divulgar detalhes desse prontuário médico. O presidente da CPI negou que tenha havido desrespeito:

— Esta CPI, eu pessoalmente, e muitos senadores aqui nunca usaram o nome da sua genitora politicamente. A primeira pessoa a falar que, se tivesse dado os medicamentos, ela poderia ter se salvado, foi o senhor — relembrou Omar Aziz.

Interrupções

O depoimento de Luciano Hang foi marcado por interrupções. Omar Aziz chegou a suspender a sessão no início das perguntas do relator, Renan Calheiros, após o senador Rogério Carvalho (PT-SE) afirmar que havia sido ofendido por um dos advogados que auxiliavam o depoente. O presidente da CPI decidiu que Hang poderia ter somente um advogado ao seu lado um advogado.

Hang foi defendido ao longo do depoimento pelos senadores Jorginho Mello (PL-SC), Marcos Rogério (DEM-RO), Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), Luis Carlos Heinze (PP-RS) e Eduardo Girão (Podemos-CE). Roberto Rocha (PSDB-MA) disse que compareceu pela primeira vez à CPI para cumprimentar o depoente.

— Eu conheço sua empresa, sua luta, seu caráter, seu entusiasmo. Lamento pela dona Regina [mãe de Hang]. Sei o tanto que o senhor a amava. Quero pedir desculpas pelos atropelos, pelas contrariedades hoje acontecidas. O senhor sai daqui maior do que chegou — declarou Jorginho Mello.

Fake news

Diversas perguntas feitas ao depoente trataram de patrocínios de Hang a empresas, campanhas eleitorais e sites acusados de disseminar notícias falsas (as fake news). O empresário negou ter patrocinado o site do blogueiro Allan dos Santos, investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no processo sobre propagação de fake news. Ele disse ter direito de escolher os canais que patrocina, sem citar nenhum especificamente, e admitiu ter pago R$ 250 milhões em anúncios na plataforma Google.

— Claro que não vou botar [dinheiro] naqueles veículos que nos agridem, principalmente sites de extrema esquerda. Na iniciativa privada, quem escolhe os clientes somos nós — disse.

Hang também reconheceu que, na campanha presidencial de 2018, "impulsionou" nas redes sociais (ou seja, pagou para promover) publicações a favor do então candidato Jair Bolsonaro, o que é proibido pela legislação eleitoral. Ele afirmou que não conhecia essa proibição e que, diante de advertência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), retirou as publicações, pagou multa e não fez mais "impulsionamentos" com objetivos eleitorais.

Hange também negou ter financiado atos antidemocráticos no último dia 7. Ele disse que não financiou manifestações favoráveis ao governo Bolsonaro e que nunca se reuniu com o presidente da República para tratar sobre a pandemia de covid-19. No final da reunião, porém, foi exibido vídeo em que ele aparece ao lado de Jair Bolsonaro — segundo Randolfe, tratava-se de uma visita ao chamado gabinete de crise contra a covid-19.

Relações

Hang foi questionado sobre suas relações com uma série de pessoas citadas em investigações da CPI. Ele afirmou que sua relação com a família Bolsonaro é “de amizade” e que os encontra “de vez em quando”. Disse ainda que conhece o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), mas que não tem relação de amizade com o deputado. Barros é acusado de envolvimento em irregularidades em negociações para a compra de vacinas pelo Ministério da Saúde. Hang admitiu que esteve com Ricardo Barros, o senador Jorginho Mello (PL-SC) e outros parlamentares na manhã desta quarta-feira, antes do depoimento.

"Bobo da corte"

Ao longo de toda a oitiva, senadores se queixaram do andamento dos trabalhos. Os opositores ao governo acusaram Hang de fazer propaganda de suas empresas e dar respostas sem relação com o objeto da CPI. Os governistas, como os senadores Marcos Rogério (DEM-RO), Jorginho Mello (PL-SC) e Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), acusaram o relator de ofender o depoente ao utilizar a expressão "bobos da corte":

Em sua fala inicial na audiência, Renan declarou que "trata-se de figuras corriqueiras na sabujice ao poder, em busca de ganhos fáceis por meio de fanfarras mortais. Em todas as eras do nosso país houve a figura do bobo da corte, independentemente de trajes usados ao longo dos tempos".

Foram exibidos vídeos, publicados por Hang nas redes sociais, em que o empresário questionava as medidas de distanciamento social, defendia a compra de vacinas por empresas privadas e colocava em dúvida o número de mortos pela pandemia.

A inquirição do relator Renan Calheiros ocupou as cinco primeiras horas da reunião, restando pouco tempo para os demais inscritos. Jorginho Mello e Eduardo Girão chegaram a pedir que o depoente voltasse a ser inquirido nesta quinta-feira (30), mas Omar Aziz indeferiu o pedido.

Contas no exterior

Respondendo a Renan Calheiros, Luciano Hang admitiu possuir contas no exterior e empresas offshore, ressalvando que todas estão declaradas à Receita Federal. Perguntado se recebeu benefícios fiscais, Hang disse que sua empresa, a Havan, tem negócios em quase todo o país, e que em alguns estados e municípios sua empresa faz jus a benefícios por lei.

Hang negou ter recebido financiamento de instituições públicas, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O empresário reconheceu, no entanto, ter recorrido à Agência Especial de Financiamento Industrial (Finame), subsidiária do BNDES, para comprar máquinas.

— Na pandemia, bancos estatais chegaram a oferecer dinheiro para mim. Peguei do Bradesco, do Itaú, do Santander. Me ofereceram de outros bancos. Eu disse: 'Na-na-ni-na-não'. Eu não vou pegar dinheiro de nenhum banco estatal, sob pena de lá na frente dizerem: 'Olha só. Está sendo financiado com dinheiro público. Foi para isso que ele apoiou o presidente'. Não peguei um centavo — afirmou.

Para Humberto Costa (PT-PE), Hang "confirmou tudo" de que é acusado e se tornou "réu confesso" em seu depoimento:

— Foi bom que ele viesse. Porque confirmou tudo. É um investigado confesso. O senhor até tem mérito. O senhor não afinou, não — disse Humberto, dirigindo-se ao depoente.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)