CPI: senadores apontam divulgação irresponsável de texto apresentado como relatório do TCU

Aline Guedes | 17/08/2021, 13h29 - ATUALIZADO EM 17/08/2021, 15h35

Senadores que integram a CPI da Pandemia consideraram irresponsável a divulgação, como se fosse um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), de documento privado elaborado por um auditor do órgão, Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques. O texto — "inconclusivo, superficial e bem embrionário", nas palavras do auditor — questionava o número de mortes por covid-19 no Brasil e foi enviado ao presidente da República, Jair Bolsonaro, que o divulgou.

Ouvido pela comissão de inquérito nesta terça-feira (17), Marques disse que, em 31 de maio, disponibilizou o documento privado na plataforma de trabalho Microsoft Teams, e não no sistema processual do TCU. Ele afirmou, no entanto, que comentou sobre seu trabalho com seu pai no dia 6 de junho, por meio do aplicativo de conversas WhatsApp. Este, por sua vez, o teria encaminhado para o chefe do Poder Executivo. No dia seguinte, 7 de junho, Bolsonaro mencionou o texto de Marques, que logo se espalhou pelas redes sociais, como sendo um relatório do TCU.

O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), disse que, além de conter informações erradas, o relatório de Alexandre Marques também teria sido falsificado na Presidência da República para divulgação na internet. O depoente disse ter ficado indignado com o discurso de Bolsonaro, considerando a declaração "totalmente irresponsável" ao atribuir ao TCU a responsabilidade por um documento que não era oficial. Alexandre disse que compartilhou o documento apenas na forma de uma conversa entre pai e filho falando sobre um tema trabalhado naquela semana. 

— Não era uma instrução processual, não era nada do Tribunal de Contas da União. Achei irresponsável vincular o nome do TCU a duas páginas não conclusivas — afirmou o depoente, que reconheceu ter sido indicado para uma diretoria do BNDES, não tendo sido, no entanto, cedido pelo tribunal — disse Marques.  

Para a senadora Simone Tebet (MDB-MS), o documento e sua divulgação configuram a "digital de vários crimes". A senadora afirmou que Bolsonaro cometeu crime comum e crime de responsabilidade ao tornar público documento claramente manipulado, atribuindo-o ao Tribunal de Contas da União. O objetivo seria minimizar a pandemia. Ainda para a senadora, é preciso identificar quem, na equipe presidencial, teria inserido no texto de Marques o nome do TCU.

— Agora temos a digital, a materialidade dos crimes cometidos — disse Simone Tebet, observando ainda que o auditor não ouviu médicos nem o IBGE sobre os números da pandemia e tentou imputar sua própria tese à realidade. Ela também apontou que a tabela de Marques não continha nenhuma consistência técnica do ponto de vista dos dados estatísticos.

"Bajulação"

Presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM) questionou as intenções de Marques ao elaborar o estudo que, segundo o auditor do TCU, seria um compilado de informações públicas em formato word, com dados retirados do Portal da Transparência de Registro Civil, sem cabeçalho ou timbre do tribunal. Aziz considerou irresponsável que um documento, sem caráter de oficialidade, tenha sido enviado ao presidente da República e disse que as atitudes de Marques e do pai dele foram um desserviço à sociedade. 

— O nome disso é bajulação, querer prestar serviço sem confirmar se aquele documento é verdadeiro ou não. Teu pai bajulando o presidente. Eu queria ver essa conversa [entre o coronel e o presidente]. Devem ter aberto um champanhe. Até parece que a dor intransferível foi festejada. Há irresponsabilidade dos três. Você, por fazer um documento com números que parecem brincadeira, passando para seu pai que, imediatamente, de um dia para o outro, repassa ao presidente — criticou. 

O material elaborado por Alexandre Marques foi usado por Bolsonaro em discursos nas redes sociais, levando o TCU a desmentir as informações de imediato. Em seguida, o presidente da República admitiu que o documento que divulgara não era um relatório feito pelo tribunal. Apesar de negar que tenha qualquer relação com a família Bolsonaro, Alexandre Marques reconheceu que seu pai, Ricardo Marques, foi colega de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras e que trabalharam juntos no Exército. 

Na opinião do vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), as informações prestadas por Alexandre Marques demonstram uma “obsessão macabra” do governo para minimizar e esconder o número de mortes pela pandemia de coronavírus no país. Segundo o parlamentar, campanhas da Secretaria de Comunicação da Presidência tinha objetivo de subestimar os dados sobre os óbitos. Randolfe exibiu vídeo no qual o próprio Bolsonaro, em transmissão pelas redes sociais em 1.º de julho, reconhece que editou a tabela do documento feito pelo auditor do TCU. 

— Uma busca insensata para obscurecer, esconder o número de brasileiros mortos, quando se, ao invés disso, o mais importante não fosse combater a pandemia. Chega a ser uma obsessão macabra e uma obsessão que vem de antes, conforme podemos ver. Presidente chegou ao ponto de incentivar as pessoas a invadir hospitais, ou seja, não bastasse os que estavam lá internados, incentivar outras pessoas a se submeterem ao risco de mais contaminação — declarou o senador.

Os senadores Marcos do Val (Podemos-ES) e Fabiano Contarato (Rede-ES) defenderam a quebra de sigilo telefônico do pai do auditor, o coronel da reserva Ricardo Marques. 

Alterações

O senador Marcos Rogério (DEM-RO) negou que o documento de Marques tenha sido adulterado pelo presidente da República. Ele obteve do depoente a confirmação de que as únicas alterações em seu documento em relação ao apresentado por Jair Bolsonaro foram os grifos no texto e o acréscimo de um cabeçalho com o nome do Tribunal de Contas da União. 

— Se erros aconteceram vamos apurar, na medida da culpa de cada um. Eu não estou aqui para dizer que o presidente acertou 100%. Não. Mas talvez a CPI erre mais, por fazer uma investigação seletiva — disse o senador, segundo o qual governadores, prefeitos e Poder Executivo erraram na condução da pandemia por serem “humanos e falíveis”, mas a comissão de inquérito tem sido omissa nas apurações sobre responsabilidades. Para ele, há suspeitas graves de corrupção e desvios de recursos nos estados que os senadores se recusariam a investigar. 

O senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo no Senado, defendeu a conduta de Alexandre Marques e disse que o documento elaborado pelo auditor do TCU é “expediente comum nas Cortes de Contas”. O parlamentar afirmou que a Controladoria-Geral da União (CGU) está conduzindo uma auditoria formal a fim de investigar a possível "super estimativa" de mortes por coronavírus, “mesmo objeto de estudo do auditor ouvido pela CPI”. Ainda segundo Fernando Bezerra, lugares como o estado da Califórnia, nos Estados Unidos, verificaram super notificação de óbitos por coronavírus em pelo menos 25%. Ele disse que outros estudos brasileiros, feitos por economistas e matemáticos em 2020, também contestam os números da covid-19 no país.

— Foram amplamente divulgados pela mídia, ao longo da pandemia, prováveis equívocos de notificação. E, finalmente, existe o Acordão 2.817 do Tribunal de Contas da União, que dispõe expressamente, no item 9.5.2: "utilizar a incidência de covid-19 como critério para transferência de recursos, com base em dados declarados pelas secretarias estaduais de Saúde, pode incentivar a supernotificação do número de casos da doença, devendo, na medida do possível, serem confirmados os dados apresentados pelos entes subnacionais" — afirmou Fernando Bezerra.

Ética

Já o senador Humberto Costa (PT-PE) observou que o Código de Ética do TCU prevê a obrigação de neutralidade dos servidores no exercício profissional em relação a influências político-partidárias. O parlamentar avaliou que a ação de Alexandre Marques poderia ter colocado prefeitos e governadores em conflito com o governo federal, bloqueando medidas que impedissem a disseminação da pandemia. E disse que o texto compartilhado pelo auditor, que responde a inquérito administrativo no âmbito do TCU, contribuiu para reforçar o discurso negacionista do presidente, “ainda que involuntariamente”. 

— No meu estado, onde essa extrema direita primária não tem tanta força, muita gente teve dificuldade. Prefeitos, governadores tiveram dificuldade de implementar medidas preventivas para evitar a disseminação da covid-19, porque o negacionismo atrapalhava. O discurso era esse: 'Não morreu tanta gente, é mentira; estão dizendo que morreu tanta gente para receber mais dinheiro do governo federal; querem quebrar o país para prejudicar o presidente Bolsonaro' — disse.  

Em resposta à senadora Leila Barros (Cidadania-DF), Alexandre Marques disse não acreditar que as responsabilidades sobre a gestão da pandemia sejam exclusivas de governadores e prefeitos. O auditor declarou que a intenção dele, ao preparar o arquivo, foi gerar um debate sobre possíveis inconsistências referentes aos repasses de recursos da União para os entes federados controlarem a crise. Marques afirmou que foi pego de surpresa com a divulgação do documento por Bolsonaro e que, em conversa com o pai, ressaltou ter sido um equívoco atrelá-lo a um posicionamento oficial do TCU.  

— Ele não me falou que compartilharia o documento. Discordo [se tratar de conduta grave] porque os dados eram públicos e não eram uma linha de investigação que fazia parte do escopo do trabalho. Meu pai disse ter entendido que se tratava de algo oficial do tribunal e que já seria informação pública — declarou.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)