Campanha Setembro Verde incentiva doação de órgãos, em queda na pandemia

Da Redação | 16/09/2020, 10h20

Victor de Oliveira tinha 21 anos quando sofreu um grave acidente de moto, em agosto de 2015. Ele teve traumatismo craniano e morte cerebral confirmada seis dias depois. Victor era o único filho da assistente administrativa Márcia Elena. Orientada pela equipe médica do Programa Estadual de Transplantes do Rio de Janeiro, ela e a esposa de Victor autorizaram a doação de órgãos e tecidos do rapaz. Em depoimento gravado para a campanha “A Vida Continua”, do Ministério da Saúde, Márcia Elena explica que a doação “é um ato de amor e gratidão”.

— A gente conseguiu doar córneas, fígado e rins. O mais importante é tentar fazer o bem a quem precisa muito para poder sobreviver. A gente vê o que as pessoas passam, todo o sofrimento. O fato de você poder ajudar, salvar e dar continuidade à vida é tudo. No momento mais difícil da minha vida, eu disse sim à doação de órgãos — lembra.

arte1_projetos.jpgO Brasil celebra neste mês exemplos como o de Márcia Elena e Victor. É o Setembro Verde, um período dedicado ao esclarecimento da população sobre a importância da doação de órgãos. O ponto alto da campanha acontece no dia 27, quando o país comemora o Dia Nacional da Doação de Órgãos. Nas duas semanas que antecedem a data, o governo promove desde 2007 ações de conscientização sobre o tema.

Embora mais de 45 mil pessoas ainda aguardem na fila de espera para um transplante, campanhas como o Setembro Verde têm dado resultados. Nos últimos dez anos, o Brasil testemunhou um aumento significativo no número de procedimentos realizados. O país saltou de 6.426 cirurgias em 2010 para 9.212 transplantes de coração, fígado, intestino, pâncreas, pulmão e rim em 2019 — um incremento de 43,3%.

Mas a pandemia de coronavírus impõe uma dura realidade para os pacientes que dependem de um novo órgão em 2020. De acordo com o Registro Brasileiro de Transplantes, a taxa de doadores efetivos caiu 6,5% no primeiro semestre deste ano em comparação com o mesmo período de 2019. Quando se confrontam os números de doadores no primeiro e no segundo trimestres de 2020, a queda é ainda mais expressiva: 26,1%.

A Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) analisou o impacto da pandemia sobre os procedimentos realizados no primeiro semestre. Em relação ao mesmo período ano passado, caiu o número de transplantes de fígado (6,9%), rim (18,4%), coração (27,1%), pulmão (27,1%), pâncreas (29,1%) e córneas (44,3%). A ABTO classifica a situação como “muito preocupante” e projeta um cenário dramático até o final do ano: o Brasil deve realizar 3.621 cirurgias em 2020, uma queda de 60,6% em relação a 2019.

Incentivo à doação

O Senado analisa pelo menos oito projetos que pretendem incentivar a doação de órgãos no Brasil. O PLS 405/2012, do senador Humberto Costa (PT-PE), institui a chamada doação presumida. De acordo com o texto, a pessoa que não deseja doar partes do corpo após a morte deve registrar a expressão “não doador de órgãos e tecidos” no documento de identidade.

“A doação presumida de órgãos pode representar uma solução a curto prazo para a carência de órgãos, conforme corroboram as experiências de outros países como a Espanha, considerada modelo na área de transplantes. Essa medida não é incompatível com o nosso ordenamento constitucional nem com a cultura do povo brasileiro, que tem a solidariedade como um de seus traços mais marcantes. A doação presumida não obriga ninguém a doar. Mas estimula que a discussão sobre o tema seja feita”, argumenta Humberto. O texto aguarda parecer na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

O PL 3.176/2019, do senador Major Olimpio (PSL-SP), também torna presumida a autorização para doação de órgãos. De acordo com o projeto, a regra valeria para maiores de 16 anos. O texto vai além e estabelece penas mais duras para os crimes de remoção ilegal, compra e venda de partes do corpo e realização de transplante com órgãos obtidos ilegalmente.

“No Brasil, os cidadãos decidem se serão ou não doadores, mas após a morte apenas a família tem a palavra final. Essa medida tem se mostrado pouco efetiva. Devido à falta de informações, conhecimento e mecanismos que facilitem a manifestação, o Brasil não tem alcançado um patamar satisfatório de doação”, afirma Major Olimpio. O projeto aguarda parecer na CCJ.

arte2_perguntas.jpgO PL 3.616/2019, do senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL), prevê que a Carteira Nacional de Habilitação informe se o condutor é ou não doador de órgãos e tecidos. “Abre-se uma oportunidade para que a pessoa reflita sobre essa questão e registre formalmente sua vontade no documento. Esse registro pode ser de grande auxílio para a família na difícil hora de decidir a respeito da doação dos órgãos do parente falecido. A medida pode promover um aumento no número de famílias que dizem sim à doação de órgãos”, avalia. O projeto aguarda parecer na CCJ.

Medula óssea

Um outro grupo de projetos incentiva os doadores vivos de medula óssea. Segundo o Instituto Nacional de Câncer, apenas 25% das famílias brasileiras contam com o chamado doador ideal (irmão compatível). Para 75% dos pacientes que precisam de medula óssea, ainda é necessário identificar um doador alternativo.

O PL 1.855/2020, do senador Irajá (PSD-TO), prevê atendimento prioritário aos doadores como forma de incentivar novos transplantes. “O atendimento prioritário em serviços como bancos, órgãos públicos, rodoviárias, agências dos Correios e outros locais de atendimento ao público torna-se uma forma efetiva de promover as doações voluntárias de sangue e a atualização dos dados dos doadores de medula óssea cadastrados”, avalia. O texto aguarda distribuição para as comissões.

O PL 1.823/2019, do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), concede aos doadores de medula óssea meia-entrada em salas de cinema, cineclubes, teatros, espetáculos musicais, circos, eventos educativos, esportivos, de lazer e entretenimento. De acordo com o texto, que aguarda parecer na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), o benefício teria validade de um ano.

O PL 1.719/2019, do senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), também estende aos doadores de medula óssea o beneficio da meia-entrada em espetáculos artístico-culturais e esportivos. “Além do incentivo à doação, a iniciativa impulsiona as pessoas a terem acesso a espetáculos e conteúdos que levam à reflexão, ao sentimento de alteridade, de empatia, de pertencimento, e à consciência da importância de sua atuação como membros da comunidade humana”, afirma o senador. O texto aguarda parecer na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)