Nos 14 anos da Lei Maria da Penha, senadoras pedem ações e mais educação

Anderson Vieira | 07/08/2020, 08h27

Nesta sexta-feira (7), a Lei Maria da Penha completa 14 anos desde a sanção. A norma, que foi aprovada para dar proteção às mulheres vítimas de violência doméstica, passou por mudanças ao longo dos anos, apesar de ser considerada uma legislação avançada em relação ao tema. Senadoras ouvidas pela Agência Senado consideram que mais mecanismos de proteção ainda podem ser incorporados e acreditam também que leis apenas não são o suficiente para o combate aos criminosos: é preciso investimento em educação. 

A Senadora Zenaide Maia (Pros-RN) lembrou que o Brasil tem uma das três legislações mais modernas do mundo, por isso é preciso valorizá-la e colocá-la em prática. Mas, para ela, não adianta uma norma progressista se não houver engajamento social.

— A violência doméstica aumentou muito na pandemia. No Rio Grande do Norte, por exemplo, o número assusta: 258% a mais de casos de agressões contra  mulheres entre março e maio, em comparação com 2019. Isso não pode continuar, não adianta lei avançada se não houver engajamento de toda a sociedade nesta luta — avaliou. 

A parlamentar destacou a necessidade de mais proteção e lembrou que foi relatora do PL 2.510/2020, aprovado recentemente no Senado, que obriga síndicos e vizinhos a informarem autoridades sobre casos de violência doméstica dentro dos condomínios. A proposta é do senador Luiz do Carmo (MDB-GO) e agora aguarda votação na Câmara dos Deputados. 

Crianças

A senadora Rose de Freitas (Podemos-ES) é outra que não acredita que leis somente deem conta da gravidade da situação. Na opinião dela, o trabalho de conscientização deve começar cedo, com as crianças, dentro de casa e nas escolas. 

— Temos muito mais a fazer. Temos que fazer uma combativa conscientização para que a sociedade não se omita. Não tem que ficar no silêncio, pois o silêncio é conivente. Não se pode aceitar que seres iguais sejam tratados com tanta discriminação e violência. Chegamos até aqui e vamos adiante, mas temos que fazer da educação um instrumento de luta para conscientização dentro dos lares, ensinando às crianças. São 14 anos de um caminho percorrido, mas temos muito a fazer para acabar com essa odiosa aceitação cultural de que o homem pode agredir uma mulher e tratá-la com tanta arrogância e desrespeito — avaliou. 

Luz na escuridão

Embora reconheça que há falhas a serem corrigidas, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), acredita que a Lei Maria da Penha jogou luz num problema gravíssimo, demonstrou a importância de se denunciar o agressor e ajudou a conscientizar a população de forma geral e na elaboração de politicas públicas. 

— É claro que há falhas no processo que precisam ser corrigidas.  Mulheres continuam morrendo e sofrendo com a violência doméstica. As medidas protetivas muitas vezes não protegem a vítima; algumas delas cedem a pressões e retiram as queixas; algumas penas se tornam brandas. Reconhecemos que não é perfeita, mas temos que comemorar a existência desta norma tão essencial — avaliou. 

Desconfiança

A falhas na aplicação da lei foram percebidas pela população. A pesquisa Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – 2019, realizada pelo DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra Violência, aponta que quase sete em cada dez mulheres brasileiras acreditam que a Lei Maria da Penha não as proteja contra a violência doméstica e familiar (21%), ou que as proteja apenas em parte (47%). Somente 30% se sentem protegidas pelo diploma legal. Dois por cento não sabem ou não quiseram responder. 

Neste início de agosto, o observatório divulgou o Boletim Mulheres e seus Temas Emergentes, com uma análise sobre os 14 anos da norma. O documento lembra outro levantamento do DataSenado, de 2019, segundo o qual 11% das entrevistadas conheciam nada a respeito da Lei Maria da Penha, e 68% conheciam pouco.

"Como uma mulher poderá reivindicar seus direitos sem ao menos conhecê-los? Adotar a educação como recurso estratégico na remoção de obstáculos à igualdade de gênero tem dupla função. Por um lado, empodera a mulher no trilhar da sua própria proteção e consolida o arcabouço de estruturas de proteção que lhe são oferecidas. Por outro lado, incute nos homens, não apenas a consciência para não realizar os atos de violência, mas o compartilhamento da responsabilidade pelo seu enfrentamento", diz o documento. 

O boletim chama atenção também para a necessidade de melhoria das ações governamentais. Enquanto 100% dos municípios com mais de 500 mil habitantes apresentam ao menos um serviço especializado para atendimento a mulheres em situação de violência, esse percentual cai para 30% nas cidades com população de 20 mil a 50 mil habitantes e é de menos de 4% nas localidades com menos de 5 mil moradores.

"Dados trazidos pelo IBGE por intermédio da Pesquisa de Informações Básicas Municipais, mostraram que no ano de 2018 apenas 20% dos municípios brasileiros apresentavam em sua estrutura administrativa um órgão executivo, como secretaria, diretoria ou mesmo coordenadoria, voltado à gestão de políticas específicas", acrescenta o documento.

Desafios

Diante deste cenário, o Observatório aponta três desafios a serem enfrentados pela sociedade brasileira nos próximos anos: fortalecer a rede de atendimento às mulheres em situação de violência;  priorizar a educação como instrumento de conscientização e assegurar a produção e oferta de dados e informações que possam servir de insumo para o aprimoramento do funcionamento dessa rede. 

Propostas combate à violência contra a mulher e de mudanças na Lei Maria da Penha em tramitação no Senado
Projeto Autora  Objetivo  Situação 
PL 3.257/2019 Daniella Ribeiro (PP-PB) Inclui como causa de afastamento do agressor do lar a violência psicológica, moral ou patrimonial contra a mulher. Na CCJ, com a relatora Leila Barros (PSB-DF)
PL
781/2020
Rodrigo Cunha (PSDB-AL) Destina recursos da União para a criação de delegacias especializadas de atendimento à mulher nos estados com o objetivo de prestar assistência psicológica e jurídica às vítimas de violência física ou moral. Plenário 
PLS
 446/2018
Rose de Freitas (Podemos-ES) Considera crimes hediondos a lesão corporal gravíssima e a lesão corporal seguida de morte quando praticadas contra mulher, criança ou maior de 60 anos. Pedido de vista concedido na CCJ
PLS 47/2012 Ciro Nogueira (PP-PI)  Garante à mulher idosa vítima de violência prioridade no atendimento policial e aplicação da Lei Maria da Penha. Pronto para ser votado na CCJ
PL 1.798/2020 Rose de Freitas (Podemos-ES)  Permite o registro da ocorrência de violência doméstica e familiar contra mulheres por meio da internet ou de número de telefone de emergência.  Plenário
PL 3.691/2020 Rose de Freitas (Podemos-ES) Concede à mulher em situação de violência doméstica e familiar o direito aos valores depositados em conta corrente conjunta necessários para reacomodação em local seguro. Plenário 
PL 3.564/2020 Rose de Freitas (Podemos-ES) 

Estabelece que os pais e filhos possam denunciar a violência doméstica praticada em âmbito familiar.

Plenário
PL 3.244/2020 Zenaide Maia (Pros-RN) Garante o direito de as mulheres em situação de violência doméstica e familiar optarem pelo ajuizamento de ações de família nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar. Plenário 
PL 3.374/2020 Rose de Freitas (Podemos-ES)  Aumenta em um terço as penas dos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, idoso e deficiente durante período de calamidade pública. Plenário 
PL 1.822/2019
Fabiano Contarato (Rede-ES)

Determina que os processos em que se apuram crimes praticados no contexto da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher correrão em segredo de justiça.

CCJ, pronto para votação 
PLS 90/2015 Humberto Costa (PT-PE) Estabelece providências de aplicação imediata pelo delegado de polícia. CCJ, aguardando designação de relator
PLC 26/2017 Deputado Laudivio Carvalho (Solidariedade-MG)

Determina que a mulher vítima de violência doméstica e familiar terá prioridade na realização de exames periciais.

Na CCJ, com a relatora Daniella Ribeiro
PL 5.278/2019 Jorge Kajuru (Cidadania-GO) Determina o uso de dispositivo eletrônico de monitoramento por parte do agressor, no caso de decretação de medidas protetivas de afastamento do lar e de proibição de condutas que impliquem aproximação ou contato com a ofendida, bem como permite que a ofendida receba dispositivo eletrônico que identifique a aproximação do agressor. CCJ, aguardando designação de relator 
PL 1.380/2019 Deputado Júnior Bozzella (PSL/SP) Estabelece que é devida indenização por danos morais nos casos de violência contra a mulher praticada no âmbito doméstico e familiar e cria a medida protetiva de prestação de caução provisória. CCJ, aguardando designação de relator

Propostas aprovadas durante a pandemia 
Projeto Autor  Objetivo Situação
PL 1.291/2020 Deputada Maria do Rosário (PT-RS)

Considera o atendimento a vítimas de violência doméstica e familiar serviço essencial, não podendo ser interrompidos enquanto durar o estado de calamidade pública causado pelo novo coronavírus

Lei 14.022/2020
PLS
9/2016
Comissão de Direitos Humanos do Senado Determina que agressores de mulheres podem ser obrigados a frequentar centros de reeducação, além de receber acompanhamento psicossocial Lei 13.984/2020
PL 2.510/2020 Luiz do Carmo (MDB-GO) Estabelece o dever de condôminos, locatários, possuidores de imóveis e síndicos de informarem às autoridades competentes os casos de violência doméstica e familiar cometidos contra a mulher e que tenham conhecimento no âmbito do condomínio. Aprovado no Plenário, foi à Câmara

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)