Para a maioria dos senadores, o novo marco legal vai melhorar o saneamento básico no país

Augusto Castro | 24/06/2020, 21h34

Durante a sessão deliberativa remota desta quarta-feira (24), a maioria dos senadores disse acreditar que a aprovação do novo marco legal do saneamento básico vai melhorar a realidade do país. Entretanto, vários senadores também se mostraram céticos com a efetividade da medida, principalmente em relação ao alcance das melhorias e à situação futura das empresas públicas de saneamento com a entrada da iniciativa privada. O PL 4.162/2019 foi aprovado com 65 votos favoráveis e 13 contrários e segue para sanção presidencial.

O relator do projeto, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), afirmou que a modernização do sistema de saneamento básico brasileiro “é absolutamente necessária e urgente”. Ele ressaltou que, atualmente, cerca de 35 milhões de cidadãos não têm acesso a água tratada e mais de 100 milhões não são atendidos por coleta de esgoto.

— Metade da população brasileira! Essa precariedade de saneamento básico prejudica, fundamentalmente, os índices de desenvolvimento humano e resulta em imensos prejuízos, sociais  principalmente sociais – e econômicos. A Organização Mundial da Saúde estima que 15 mil pessoas morrem e 350 mil são internadas no Brasil todos os anos devido a doenças ligadas à precariedade do saneamento básico, situação agravada pela pandemia da covid-19 — disse Tasso.

O líder do Podemos, senador Alvaro Dias (PR), afirmou que o sistema de saneamento básico do Brasil “é medieval”, o que faz com que milhões de brasileiros não tenham direito à saúde. O líder do PSDB, senador Roberto Rocha (MA), acrescentou que saneamento básico é um tema que tem ligação direta com a questão da saúde pública.

Sem dogmatismo

Já o líder do PT, senador Rogério Carvalho (SE), não queria votar o projeto por entender que o novo marco legal precisava ser mais bem debatido pelos senadores. Entretanto, ele disse ser a favor de um novo marco regulatório para o saneamento, com participação da iniciativa privada.

— Não me oponho ao investimento privado na área de saneamento. Acho que o investimento público e o investimento privado precisam acontecer simultaneamente, não há dogmatismo da nossa bancada em relação a esse tema. Mas a nossa avaliação é de que este debate deveria ocorrer um pouco mais para frente, no sistema normal de deliberação, tempo em que estaríamos no pós-pandemia, quando se apresentaria o cenário claro de que marco regulatório nós vamos precisar para garantir que vamos ter a universalização do saneamento básico — ponderou Rogério Carvalho.

Em sua avaliação, as mudanças previstas pelo projeto poderão gerar desvalorização das empresas públicas de saneamento, o que pode prejudicar o patrimônio dessas estatais.

Também contrário à aprovação do PL, o líder do PDT, senador Weverton (MA), entretanto, disse reconhecer que o tema é urgente, mas deveria ser discutido com mais profundidade nas comissões permanentes do Senado.

Sabemos que, infelizmente quanto às cidades pequenas, principalmente do Norte e do Nordeste, esses investimentos não vão chegar, como foi aqui falado. É um projeto que vai beneficiar os grandes centros, claro, onde as grandes empresas têm interesse de investir, mas no entorno nós vamos continuar ainda à margem, ainda na dificuldade e, quem sabe, não sabemos ainda nem mensurar o prejuízo que vamos ter quanto à questão da tentativa de levar a política de saneamento de água para essas cidades menores e menos assistidas no país — afirmou Weverton.

Empresas públicas

O senador Veneziano Vital do Rêgo (PSB-PB) disse ter as mesmas preocupações de Rogério Carvalho e Weverton sobre a situação em que ficarão as empresas públicas de saneamento e sobre se a universalização do serviço vai mesmo chegar “aos rincões, aos grotões” do país.

Por sua vez, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES), disse que o PL do novo marco regulatório do saneamento é um dos projetos mais importantes que já passou pelo Senado. Presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA), Contarato disse ser óbvio que o atual sistema de saneamento do país está falhando, já que mais de 100 milhões de cidadãos não têm coleta de esgoto e 35 milhões não têm acesso a água tratada.

— No meio ambiental, o equivalente a seis mil piscinas olímpicas de esgoto são jogados na natureza diuturnamente — disse Contarato.

O senador Telmário Mota (RR), líder do Pros, também registrou os grandes números de brasileiros que não têm água tratada e esgotamento sanitário em suas residências. Também líder partidário no Senado, o senador Major Olimpio (PSL-SP) disse que o Brasil está muitos anos atrasado na regulação do saneamento, medida esperada por mais de 100 milhões de pessoas.

O líder do MDB, senador Eduardo Braga (AM), afirmou que o saneamento básico é a área mais carente da infraestrutura brasileira e, por isso, um novo marco regulatório é necessário. Entretanto, ele advertiu que o Brasil tem enorme território, com estados que têm realidades completamente diferentes. Os estados do Amazonas e Pará, exemplificou, são muito grandes e têm população dispersa, o que mostra a necessidade de encarar o saneamento de forma regionalizada.

— Nós vamos, em medidas provisórias ou em projetos de lei autônomos, buscar as garantias que precisamos dar para que as pequenas cidades, mais pobres, com IDHs mais baixos, e que não terão atratividade econômico-financeira para o investimento privado, estas cidades possam receber, ou através da prefeitura, ou através do estado, de alguma maneira, pela política pública, investimentos para garantir a esses brasileiros acesso à água e ao esgotamento sanitário — acrescentou Eduardo Braga.

"Sessão histórica"

Conduzindo a votação remota direto de sala no Prodasen, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, a votação do novo marco regulatório do saneamento mostra que a Casa “deseja diminuir as desigualdades em um momento de pandemia, de crise na saúde pública”.

— Saneamento é saúde; água tratada é vida; combater a covid é votar essa matéria, sancionar essa matéria e construir um Brasil mais promissor e mais justo — disse Davi ao pedir aos demais senadores que o projeto fosse aprovado sem modificações, para que pudesse seguir direto para sanção presidencial sem precisar voltar para a Câmara.

Para Davi Alcolumbre, a sessão foi histórica.

— Todos nós teremos guardada na memória, no coração e nos Anais desta Casa, esta sessão histórica remota, votando uma matéria aguardada há décadas por milhões de brasileiros. Água é vida; saúde é vida. E a matéria deliberada na sessão de hoje protege a vida dos brasileiros no momento histórico de pandemia, quando já mais de 53 mil brasileiros perderam as suas vidas — afirmou o presidente do Senado.

Desmatamento e destruição dos biomas

Líder do PSD, o senador Otto Alencar (BA) advertiu para a importância de o Brasil não permitir a destruição dos biomas Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica e Floresta Amazônica.

— Porque, no momento em que se desmata, deixa-se de produzir água para alimentar os rios que nutrem as bacias e também as barragens para a distribuição de água. Isso é muito importante e o Congresso Nacional vai ter que fazer uma legislação para não permitir esse desmatamento desenfreado que está acontecendo no nosso país — alertou Otto Alencar.

Ele também ressaltou a necessidade de os parlamentares aprovarem projetos futuramente para dar garantias de subsistência e competitividade às empresas estatais de saneamento, para que elas não percam a capacidade de ofertar água nas regiões mais necessitadas.

O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) disse ter esperança de que o novo marco do saneamento poderá fazer com que o país consiga universalizar o serviço até 2033. O líder o DEM, senador Rodrigo Pacheco (MG), comemorou a votação.

— O marco legal do saneamento, agora, que permite a entrada da iniciativa privada para que haja o saneamento básico no Brasil, com universalização e acesso a todos os municípios e a todas as pessoas do Brasil, é algo realmente muito importante para a saúde pública, para a profilaxia, para a dignidade de pessoas que não têm acesso a esse saneamento — disse Rodrigo Pacheco.

Metas obrigatórias

A senadora Kátia Abreu (PP-TO) registrou que o projeto prevê metas obrigatórias para as empresas de saneamento, públicas ou privadas, que serão fiscalizadas todos os anos pela Agência Nacional de Águas (ANA). A senadora citou dados segundo os quais a cada R$ 1 bilhão investidos na área, 60 mil postos de trabalho são gerados.

— Com essa situação, o poder público vai ficar dispensado desses investimentos, mas, ao mesmo tempo, vai ter recursos para poder investir na tarifa social, a exemplo da energia elétrica. Então, vai o dinheiro direto na veia de quem precisa. Em vez de o poder público fazer gratuitamente para todo mundo, e todo mundo ser beneficiado, até mesmo os mais ricos, nós vamos agora poder, com a tarifa social, fazer com que as pessoas mais humildes, com renda menor, possam ter essa tarifa, a exemplo da energia — disse Kátia Abreu.

Aumento de tarifas

Já o senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR) manifestou ceticismo quanto ao projeto. Em sua opinião, a privatização da empresa de energia elétrica de Roraima não deu bons resultados. Para ele, a privatização sanitária vai aumentar os valores da conta de água e da tarifa de esgotamento.

— A privatização resultou na demissão de centenas de servidores e na entrega de um patrimônio avaliado em mais de R$ 1 bilhão por míseros R$ 50 mil! Hoje, o roraimense paga a tarifa de energia mais cara do Brasil pelo pior serviço prestado pela empresa dos amigos do ex-senador Romero Jucá. O pior serviço de energia e o mais caro do Brasil são prestados no estado de Roraima. Não é difícil imaginar qual o destino que terá o setor de água e saneamento em nosso estado. A privatização vai entregar o filé para as empresas privadas, que é a capital, Boa Vista, mas o interior do estado ficará à mercê, sem água, sem saneamento básico e dependendo de investimentos públicos federais ou do estado, e sabemos que neste momento não há recursos disponíveis — afirmou Mecias de Jesus.

Retomada do crescimento

Por sua vez, o líder do governo no Senado, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), afirmou que a modernização do sistema de saneamento básico é urgente e necessário, mas os recursos públicos são insuficientes para garantir a universalização do serviço.

— O país atravessará uma dura crise em decorrência da pandemia, e a retomada do crescimento econômico passa por um forte programa de investimentos públicos e privados. Esse marco legal é bom para as empresas estaduais, é bom para o investimento privado, só não é bom para a empresa pública ineficiente. O objetivo desse projeto é ampliar os mecanismos que levem à expansão da rede, inclusive por meio da prestação regionalizada dos serviços. Esse é o caminho para recuperar o tempo perdido e modernizar um setor estratégico para alavancar a economia brasileira — disse Bezerra.

O senador Cid Gomes (PDT-CE) observou que, mesmo com um novo marco legal, o saneamento básico só vai ser universalizado se contar com maciços investimentos públicos, principalmente para garantir uma tarifa social para os menos favorecidos.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)