Para Campos Neto, há descompasso entre demanda e volume de crédito

Rodrigo Baptista | 01/06/2020, 15h49

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que existe um “descompasso” entre o volume de créditos disponível para empresas e a demanda por esses recursos em meio à pandemia da covid-19. Campos Neto participou nesta segunda-feira (1º) de uma audiência pública remota da comissão mista que acompanha as medidas adotada pelo governo federal no enfrentamento ao novo coronavírus.

A posição do presidente do BC foi manifestada após parlamentares questionarem a exposição inicial de Campos Neto durante audiência, quando ele classificou como “mito” a crítica de que o crédito estaria em baixa no Brasil. O relator da comissão, deputado Francisco Jr. (PSD-GO), cobrou uma estimativa do Banco Central sobre as necessidades de crédito das empresas para superação da crise e apontou a baixa execução de programas como o que financia a folha de salários. Dos R$ 40 bilhões disponíveis, apenas R$ 1,9 bilhão foi financiado.

— Por mais que se esteja esforçando e por mais que o senhor use a expressão "não é verdade" e "mitos" que nós temos que romper, nós temos que trazer essa verdade à tona. Mas, então, qual é o nosso objetivo para que as pessoas percebam isso, para que as empresas percebam isso de forma mais consistente? — questionou o deputado.

Em resposta, Campos Neto disse que não cabe ao BC definir uma “meta” de crédito, mas direcionar a liquidez do mercado. Segundo o presidente do BC, a crise causada pelo novo coronavírus interrompeu o fluxo de caixa de muitas empresas e, como os bancos não têm como atender essa demanda, nem colocando mais liquidez no sistema, há um “ descompasso entre uma oferta que está aumentando, ainda que pouco, e uma demanda que está aumentando muito mais”.

— Como é que isso tem sido feito nos outros países? Nos outros países, tem sido feita uma parte de liquidez pelo Banco Central, para garantir o crédito, e uma parte de transferência direta, que é direto do governo, porque não é uma política do Banco Central, é uma política fiscal. O Banco Central não faz política fiscal —apontou.

Segundo o economista, grande parte da ajuda para enfrentar a pandemia foi direcionada para ajudar "a pessoa física". Ele reconheceu que é preciso aprimorar a ajuda às empresas.

— Se nós pegamos o auxílio emergencial, foram R$ 148 bilhões, três meses; se for estendido, será um valor adicional. Nós não temos um volume tão grande que foi empregado em empresa. Então, eu acho que essa correção que tem que ser feita está sendo feita — disse.

Com relação à baixa execução do programa de financiamento da folha, Campos Neto manifestou apoio a uma sugestão do senador Esperidião Amin (PP-SC) de retirar o piso de faturamento para empresas aderirem ao Programa Emergencial de Suporte a Empregos (Pese), mas disse considerar ainda mais importante aumentar o teto. Pela MP 944/2020, que criou o Pese, apenas empresas que tinham faturamento de R$ 360 mil a R$ 10 milhões podem ter acesso a essa linha de crédito. O presidente do BC sugere a inclusão de empresas com faturamento bruto anual em 2019 entre R$ 10 milhões e R$ 50 milhões.

— Em relação à sugestão no programa de tirar o mínimo, nós estamos de acordo com a sugestão. Quando nós olhamos o que tem sido feito até agora, é verdade que tem se concentrado mais perto dos 10 milhões do que mais para baixo. Por quê? Porque esse é um produto folha de pagamento. Geralmente o produto folha de pagamento é feito com o banco quando uma empresa tem um número "x" de funcionários que vale à pena para o banco ter aquele produto. Então, ele acabou sendo mais perto de R$ 10 milhões do que mais perto de baixo — avaliou Campos Neto.

O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) e outros parlamentares questionaram a possibilidade de os bancos reduzirem as taxas de financiamento e passarem aos patamar da taxa Selic, que hoje está em 3%. Campos Neto ressaltou o custo operacional dos bancos e apontou que “uma punição em relação à remuneração” levaria ao aumento do spread, ou seja, a diferença entre a remuneração que o banco paga ao aplicador e o quanto a instituição cobra para emprestar o mesmo dinheiro.

— Se todos os bancos tivessem tudo na remuneração da Selic, eles quebravam, porque o banco tem que ganhar acima da Selic para compensar todos os custos transacionais, custos de agência, de logística, todos os custos operacionais que o banco tem. Se a gente fizer uma punição muito grande em relação à remuneração, provavelmente o que vai acontecer é que o spread vai subir, porque os bancos vão ter que reagir subindo o spread. Então, essa não é a solução — defendeu.

Emissão de moeda

Sobre a possibilidade de emissão de moeda para combater a crise causada pelo novo coronavírus, Roberto Campos Neto disse não ser favorável à ideia por considerar que a medida pressionaria a inflação para cima. A "impressão de dinheiro" já foi defendida por economistas como o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles.

— No nosso ponto de vista, do Banco Central, atingir essa dinâmica que nós temos hoje, de inflação baixa, de credibilidade na moeda, levou um tempo enorme. Até recentemente, no governo anterior, a gente teve momentos em que você tinha uma inflação alta, com crescimento para baixo, uma falta de credibilidade, com a meta de inflação sempre rodando acima da meta. Então, a gente acha que, se for criada uma simetria de, quando a inflação estiver alta, subir os juros, e, quando a inflação estiver baixa, emitir moeda, provavelmente, na visão do mercado, a inflação vai ser sempre acima — você vai criar um viés de alta de inflação.

Auxílio emergencial

A concentração dos pagamentos do auxílio emergencial na Caixa Econômica e a possibilidade de falta papel moeda em circulação também foram abordadas pelo presidente do BC em resposta aos parlamentares. Segundo Campos Neto, o auxílio emergencial e a crise do coronavírus levaram muitas pessoas a guardar dinheiro em casa, mas ele afirmou o Banco Central trabalha com uma margem de segurança.

— Não existe problema de falta de dinheiro em nenhum ATM, em nenhum caixa, nem vai existir. O Banco Central trabalha com uma margem de segurança, mas, quando entendemos que a margem de segurança está ficando menor, nós alertamos os bancos para que tentem entender a situação incentivando sempre o retorno das cédulas — disse.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) perguntou sobre a possibilidade de outros bancos serem acionados para executar o pagamento do auxílio emergencial.

— Não seria possível analisar a distribuição para outras instituições financeiras estatais e até privadas do pagamento do auxílio emergencial? — indagou.

Campos Neto afirmou que "dorme e acorda” pensando em como fazer o dinheiro chegar mais rápido na ponta.

— Eu acho que existe a preocupação de como as medidas podem chegar mais rápido. A gente dorme e acorda todo dia pensando em como a gente vai fazer o dinheiro chegar na ponta, como vai chegar no pequeno empresário, qual é o programa que eu posso fazer. Este final de semana mesmo, a gente trabalhou em novas medidas que vão ser anunciadas, mas todas com direcionamento — disse.

Banco do Brasil

Já a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) perguntou sobre a possibilidade de privatização do Banco do Brasil, defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. O presidente do BC destacou o valor da instituição, mas ressaltou não poder manifestar opinião pelo fato de o Banco Central ser o regulador do mercado.

— Em relação à privatização ou não do Banco do Brasil, o Banco Central é regulador, eu sou regulador dos bancos. Então, como regulador, não posso ter opinião de se deveria ser privatizado ou não. Eu acho que isso é uma política do governo, que tem que ser discutida. Acho que o Banco do Brasil tem uma marca que tem um valor enorme e que ele tem prestado um enorme serviço à sociedade — disse.

A comissão mista é presidida pelo senador Confúcio Moura (MDB-RO), que apresentou perguntas feitas pelos internautas por meio do portal e-Cidadania ao presidente do BC.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)