Senadores questionam necessidade da PEC do 'Orçamento de Guerra'

Anderson Vieira e Débora Brito | 08/04/2020, 13h30 - ATUALIZADO EM 13/04/2020, 12h45

Aprovada sem muita dificuldade pela Câmara dos Deputados na semana passada, a chamada PEC do "Orçamento de Guerra" deve ser alvo de um longo debate no Senado. Além de apontar questões que precisam ser alteradas ou mais bem discutidas, alguns parlamentares questionam até mesmo a necessidade de alterar a Constituição para o enfrentamento da pandemia de coronavírus (veja os principais pontos da PEC na tabela ao fim desta matéria).

A leitura e discussão do relatório sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 10/2020 estão na pauta desta segunda-feira (13). A votação deverá ocorrer na quarta-feira (15). Ela cria um instrumento para impedir que os gastos emergenciais gerados em virtude do estado de calamidade pública sejam misturados ao Orçamento da União, facilitando, por exemplo as contratações e compras do governo durante a crise. 

O vice-líder do PSD, senador Angelo Coronel (BA), lembrou que recentemente o Congresso Nacional aprovou o decreto de calamidade pública dando toda a liberdade para o governo agir durante o período de sérias dificuldades na saúde, por isso a PEC 10 seria desnecessária

— Vou analisar essa PEC com muito carinho, mas para mim é desnecessária. Nós já demos um cheque em branco ao governo para que ele faça ações e abra créditos para apoiar o povo e as empresas necessitadas. O que é necessário agora é celeridade. O governo está preso na burocracia, não está sendo ágil, não desce do palanque. Precisamos fazer com que os recursos cheguem com mais rapidez — afirmou.

Para o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), se o Executivo precisa de mecanismos para gastar mais, ele já os tem. Estão dispostos no decreto de calamidade pública aprovado pelo Congresso Nacional e nas próprias medidas provisórias que vem editando nas últimas semanas. Além disso, na visão dele, a proposição tem um artigo que "transforma o Banco Central num operador especulativo com dinheiro público no mercado financeiro". 

— Não considero adequada a votação dessa PEC agora e não considero que ela possa ser votada com esse dispositivo — avaliou. 

O artigo citado por Randolfe é o que autoriza o Banco Central a negociar títulos privados, como debêntures, carteiras de créditos e certificados de depósitos bancários. A medida tem o objetivo de aumentar a liquidez de empresas, mas críticos alegam que podem deixar o Tesouro Nacional exposto a papéis com alto risco de inadimplência. Atualmente, o BC não pode adquirir títulos privados. 

A senadora Simone Tebet (MDB-MS) vai na mesma linha e lembra que o Congresso já vem dando todo o suporte de que o governo precisa para enfrentar as crises na saúde e na economia. 

— Mais ainda: o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, reiterando, disse que havia a possibilidade, no caso de calamidade pública, excepcionalmente, de violarmos a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Diretrizes Orçamentárias no que se refere à regra de ouro — argumentou. 

Defesa

Um dos vice-líderes do governo no Senado, Izalci Lucas (PSDB-DF), disse que a emenda é importante e deve ser aprovada em função do momento complicado pelo qual passa o país. Segundo ele, há questões de mérito que com certeza serão discutidas, como o artigo 9º, que trata da aquisição de títulos pelo Banco Central. No entanto, tal ponto não impedirá a aprovação do texto. 

— Nós que já fomos executores sabemos da preocupação hoje dos ordenadores de despesa de assinar qualquer documento. Então esse é mais um instrumento de garantia e de tranquilidade aos que estão neste momento difícil e que precisam tomar uma série de decisões e atitudes que podem trazer consequências jurídicas graves posteriormente — avaliou. 

O senador Chico Rodrigues (DEM-RR), que é outro vice-líder governista, lembra que é necessária a alteração na Constituição para livrar o governo das amarras que travam o pagamento de auxílios nesta época de pandemia. Mas ele acredita que há pontos que precisam de fato ser discutidos, como a questão do Banco Central e até mesmo uma eventual emenda autorizando redução salarial de servidores públicos, como ocorreu na Câmara dos Deputados. 

O senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL) igualmente considera a PEC importante para melhorar a governança da União, de estados e municípios nestes tempos de emergências. Ele elogia a criação de um Comitê de Gestão de Crise, prevista no texto, mas também faz restrições: 

— Vejo como de suma importância a criação de um Comitê de Gestão de Crise. Falta de fato uma centralização das ações, e esse órgão deve preencher essa lacuna. Uma questão que temos que estar atentos, que inclusive foi levantada pelo presidente da Câmara, é quanto à necessidade de transparência total sobre as ações do Banco Central, que fica autorizado a comprar e vender títulos do Tesouro a bancos públicos e privados — afirmou. 

PEC do "Orçamento de Guerra"

AUTOR

Rodrigo Maia (DEM-RJ) e outros deputados

O QUE PROPÕE

Separa os gastos do governo com a pandemia da covid-19 do restante da execução do Orçamento da União

ARGUMENTO

A medida daria mais agilidade à execução de despesas com pessoal, obras, serviços e compras do Poder Executivo durante o estado de calamidade pública

SALVAGUARDA JURÍDICA

O regime extraordinário financeiro e de contratações neutralizaria possíveis problemas jurídicos para os servidores encarregados da execução orçamentária

VIGÊNCIA

Até 31 de dezembro de 2020. Os atos praticados desde 20 de março de 2020 seriam convalidados

QUEM EXECUTARIA

Um Comitê de Gestão de Crise, composto pelo presidente da República e ministros de Estado. Representantes de secretários de Saúde, de Fazenda e de Assistência Social de estados e municípios também teriam assento no comitê

QUEM FISCALIZARIA

O Congresso Nacional, por intermédio do Tribunal de Contas da União (TCU), apreciaria os atos de maneira simplificada. Deputados e senadores também poderiam suspender decisões do comitê ou do Banco Central e devolver MPs

REGIME FISCAL

O Executivo não precisaria autorização do Congresso para emitir títulos em violação à “regra de ouro”, que veda o endividamento para custear salários e outras despesas correntes. Os recursos poderiam também pagar juros e encargos

LIMITES

Projetos do Legislativo e atos do Poder Executivo seriam dispensados do cumprimento de restrições legais e constitucionais, seja para aumento de despesa, concessão ou ampliação de incentivo ou benefício tributário

PAPEL DO BANCO CENTRAL

O BC poderia comprar e vender títulos do Tesouro Nacional nos mercados secundários local e internacional; e também títulos privados, como debêntures, carteiras de créditos e CDBs, para aumentar a liquidez de empresas

JURISDIÇÃO DE CONFLITOS

Todas as ações judiciais contra decisões do Comitê de Gestão da Crise seriam da competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

STATUS

Aprovada na Câmara em 3 de abril, aguarda exame no Senado

QUÓRUM EXIGIDO

O texto precisa passar por dois turnos de votação para e ser aprovado por no mínimo três quintos dos votos dos membros do Senado em cada um deles, ou seja, 49 senadores

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)