Educação é fundamental na luta contra o feminicídio, dizem debatedores

Da Redação | 09/03/2020, 14h45

Em tempos de preocupações com a disseminação mundial do coronavírus, participantes da audiência pública da Comissão de Direitos Humanos (CDH) que debateu a violência contra a mulher, nesta segunda-feira (9), alertaram para o que consideram uma epidemia brasileira que merece tanta atenção das autoridades, do Parlamento e da sociedade quanto a direcionada à doença que teve origem na China e hoje atinge dezenas de países: o feminicídio.

— A situação é grave, [existe] a epidemia do coronavírus que muda até nossas relações, nossas formas de nos cumprimentar, mas o feminicídio é epidemia também, que exige uma resposta imediata porque já está virando endemia, tal a gravidade da situação. É possível que um país maltrate e violente tanto suas mulheres? — questionou a pedagoga Abigail Pereira.

O Brasil é o quinto país com mais feminicídios no mundo  — em 2018, foram registrados 1.206 casos no Brasil, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, ante 1.151 em 2017). Os passos para alterar esse quadro, segundo os palestrantes, passam pela educação desde a base, pelo estímulo às mulheres (ou a seus parentes, vizinhos e amigos) para denunciar as agressões e pelo investimento estatal.

De acordo com os debatedores, é preciso que as crianças passem a  ter visão crítica das agressões, por meio da educação, se tornando mais conscientes no futuro, e que as mulheres tenham acolhimento e proteção familiar nas casas abrigo ao decidirem denunciar agora, já que muitas vezes se sentem impedidas por depender financeiramente de seus agressores ou temer pelo destino de seus filhos.

Os debatedores também frisaram a importância de as próprias mulheres saberem reconhecer os vários tipos de violência de que podem ser vítimas:

- Física: qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher;

- Psicológica: qualquer conduta que cause dano emocional ou diminuição da autoestima; ou que vise controlar ações, crenças, decisões, comportamento; ou que prejudique o desenvolvimento da mulher;

- Moral: qualquer ação que configure calúnia, difamação ou injúria;

- Sexual: constranger a mulher a presencias, manter ou participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso de força;

- Patrimonial: reter, subtrair, destruir objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos.

Denúncias

Ex-delegada e atual presidente da Comissão de Combate à Violência Doméstica e Familiar da Ordem dos Advogados do Brasil-DF, Selma Carmona salientou que, em Brasília, em 75% dos casos de feminicídio não constava nenhum registro policial anterior de agressão contra a vítima. Por isso, na opinião dela, a sociedade deve estar atenta e tem o dever de auxiliar na interrupção da espiral de violência que culmina com a morte prematura das mulheres.

— Peço a vocês, a toda a sociedade: precisamos divulgar quais são as ferramentas para a denúncia. E que a comunidade, ao se deparar [com a violência], não precisa se identificar se não quiser, não é covardia, é uma contextualização que não permite que a pessoa se identifique. [...] Para que esse cenário possa ser mudado, das mulheres mortas no DF e em qualquer unidade federativa, nós precisamos de denúncia — afirmou.

A advogada explicou os passos para relatar as agressões às autoridades:

- Em caso de flagrante delito (com a violência ocorrendo no momento), ligar para o 190 (Polícia Militar) e 197 (Polícia Civil). A denúncia pode ser anônima;

- Em caso que não seja flagrante delito, a denúncia pode ser feita por meio das delegacias da Mulher (Deam) e da Criança e do Adolescente (DPCA), além do Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher) e do 197

Educação

A necessidade de abordagem, ainda nos primeiros anos de educação, de temas e conteúdos sobre questões de gênero e de abuso, também foi bastante frisada na audiência pública. Hoje, explicou a consultora e integrante do Comitê pela Promoção da Igualdade de Gênero e Raça do Senado, Roberta Viegas e Silva, apenas a violência é conteúdo transversal na educação de base, e faria diferença se houvesse a especificação do tema. Há projetos em tramitação com esse intuito, citou.

— Não haveria uma disciplina especifica de combate a violência contra a mulher, mas em todas as outras ele seria inserido e debatido, não em um lugar só, mas em matérias como religião geografia, história, inserir o tema de maneira geral e transversalizada – defendeu.

O senador Marcos Rogério (DEM-RO) também defendeu o papel da família, da educação e até mesmo de instituições como a igreja no papel de preparar as crianças, ainda na primeira infância, para um olhar de mais respeito à mulher e de compaixão e paz.  Na opinião do senador, não é terceirizando a educação dos filhos ou a legando para o Estado que a sociedade conseguirá grandes mudanças. A família tem papel primordial nessa construção, disse. E leis para punir a violência não são suficientes para mudar a realidade

— Temos que enxergar a primeira infância como tempo de oportunidade de transformação da sociedade. Se queremos mudar a sociedade que temos, olhemos para o tempo da grande janela de oportunidade — salientou.

Casas abrigo

Os palestrantes também lamentaram a redução de recursos, especialmente por força da Emenda do Teto de Gastos, para as casas abrigo, ambientes que acolhem mulheres e filhos vítimas de violência doméstica.

— O principal programa de combate à violência contra a mulher, que é a Casa da Mulher Brasileira, ficou sem um único centavo no ano passado.  É lamentável — disse Abigail.

Mas a diretora do Departamento de Políticas de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres do Ministério dos Direitos Humanos, Geraldini da Justa, argumentou que o programa não está parado. Segundo ela, na Lei Orçamentária de 2020, 20 emendas foram destinadas para a construção e a implantação de Casas da Mulher Brasileira.

— É um projeto caro para nós, no sentido afetivo, porque é bonito — disse.

A representante do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Jolúzia Batista, afirmou que o combate à violência contra a mulher não é prioridade do atual governo. Ela apresentou dados de um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) de 2019 que aponta uma redução de 80% da dotação orçamentária nas políticas públicas brasileiras voltadas a alcance da igualdade de gênero e do empoderamento das mulheres.

— O governo tem sistematicamente retirado orçamento público para enfrentamento da violência contra mulheres. Desde 2015 houve um corte que foi crescente no orçamento destinado a esta área — criticou.

Segundo ela, o combate à violência deve passar pelo investimento em educação não-sexista e igualdade de gênero. Para Jolúzia, o governo caminha na contramão e desmobiliza esse tipo de discussão nas escolas.

— Estamos vivendo uma ofensiva em que o conservadorismo avença a passos largos junto a um fundamentalismo de algumas religiões que têm projeto de poder — afirmou.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)