Senadores querem definição de nível ideal para o Lago de Furnas

Aline Guedes | 05/03/2020, 12h11

O entendimento sobre a cota ideal para o Lago de Furnas, em Minas Gerais, só acontecerá com um trabalho “cirúrgico” dos senadores. Essa é a avaliação feita em debate da Comissão de Infraestrutura (CI), nesta quinta-feira (5). Os parlamentares querem entender por que, mesmo com as fortes chuvas registradas nas últimas semanas, o reservatório continua em nível inferior ao necessário. 

Situado no Rio Grande, nos municípios mineiros de São José da Barra e São João Batista do Glória, o reservatório beneficia também os estados de São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná. O desafio, para os debatedores, é fazer valer o fundamento legislativo de que a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas, e não tem sido observado. 

Lenda urbana

O senador Antonio Anastasia (PSD-MG) defendeu uma investigação aprofundada sobre o assunto. Isso porque, para ele, soa estranho o fato de Furnas continuar com os mesmos pequenos indicadores, apesar das fortes chuvas registradas na região. Ele comparou o fato a uma “lenda urbana”.

— Somos da área jurídica, não engenheiros, nem especialistas em hidrologia ou questões pluviométricas. Mas isso salta aos olhos do bom senso, porque é algo que não bate. Então, é necessário que nós, com um verdadeiro bisturi, abramos esse tumor e indaguemos o que acontece de fato. É de muito boa iniciativa essa audiência, porque ela inaugura uma série de outras, para que identifiquemos de modo claro e cristalino como, aliás, deve ser a água — analisou. 

Autor do requerimento para a audiência pública, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) ressaltou que quem depende das águas para atividades como lazer, turismo e negócios tem sido prejudicado. Ele alertou para o fato de que municípios no entorno, especialmente no Sul e Sudeste mineiros, têm sido afetados em suas economias quando o nível das águas está baixo, não por conta de causas climáticas, mas pela preponderância da geração hidrelétrica em detrimento dos demais usos. 

— Esse não é somente um movimento político, do ambiente das casas legislativas, Senado, Câmara e assembleias. É um movimento que chegou à população, já que várias pessoas têm buscado conhecimento no tema. Quando do processo de outorga de recursos hídricos, em especial, para o aproveitamento dos potenciais hidrelétricos, é extremante relevante se ter como norte, no tocante ao estabelecimento do nível das águas, a proteção ao patrimônio turístico e paisagístico existente.

Para o promotor de Justiça em Varginha (MG) Mário Antônio Conceição, a gestão hídrica e energética do lago de Furnas, nos moldes atuais, não atende aos anseios da comunidade. Ele reforçou que setores produtivos como a piscicultura, a indústria do turismo, as administrações municipais e o próprio governo de Minas têm sofrido redução de receitas. Para o debatedor, o centro do problema está em conciliar os diferentes interesses, públicos e privados, sobre a gestão dessas águas. 

Gravidade

Em dezembro, o reservatório de Furnas estava com 12,23% de sua capacidade. Em fevereiro, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o nível subiu para 42,19% do seu volume útil. Em março de 2019, passou para 42,45% da capacidade enquanto, atualmente, o volume está em 48%. 

Diretor-presidente da Centrais Elétricas Furnas, Luiz Carlos Ciocchi disse que não cabe à entidade estabelecer o nível dos reservatórios. Ele reconheceu a gravidade da situação, mas negou a existência de conflitos. O debatedor observou que não há como se apontar culpados, já que, segundo afirmou, o baixo nível de Furnas é resultado das poucas chuvas registradas nos últimos anos. Ciocchi ressaltou ainda que, o plano de operação do lago pela estatal, atende a comandos do ONS. 

— Claro que Furnas tem responsabilidades, e as atende perante todo o sistema elétrico brasileiro, e toda a sociedade. Nossa gestão é recente, de apenas 10 meses, mas a empresa tem 63 anos, sempre aberta ao diálogo e ao esclarecimento, como fizemos recentemente com os prefeitos da região. 

O diretor-geral do ONS, Luiz Eduardo Barata Ferreira, disse aos senadores que o órgão tem interesse em manter o nível dos reservatórios o mais alto possível. Ele ressaltou que grande quantidade de água nos lagos significa energia acumulada a um custo menor, levando a melhoras da economia e da qualidade de vida da população. Ferreira afirmou, no entanto, que Furnas está entre os três maiores lagos do país e, portanto, requer um grande volume de chuvas para transbordar. 

— É gigantesco. Tanto que as chuvas registradas entre janeiro e março elevou o nível do reservatório somente para 48%. Por isso, estamos usando a mínima vazão possível, e apenas aumentando quando realmente é preciso, e para não deixar nenhum brasileiro desassistido — explicou. 

Equilíbrio

O presidente da Associação dos Municípios do Lago de Furnas (Alago), Hideraldo Henrique Silva, considerou justo que o lago de Furnas fique com, pelo menos, 51,4% de espelho d’água para exploração. Ele apelou para os participantes do debate e disse ter esperanças de alcançar uma solução para o caso, “de modo que todos saiam beneficiados”. 

— Peço encarecidamente a todos os agentes, Agência Nacional de Águas, ONS, Furnas, que se sensibilizem. Tenho certeza de que seus técnicos poderão desenvolver e explorar o lago como ele tem que ser explorado: de maneira econômica e socialmente justa. 

O superintendente de regulação dos serviços de geração da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Christiano Vieira da Silva, destacou que a política operativa do órgão já é desenhada de forma a maximizar a geração hidráulica dos reservatórios. São ações, segundo ele, que buscam a máxima recuperação do poder de armazenamento, evitam o risco de falta de água para outros usos, como o consumo, navegação e irrigação, e proporcionam o controle de cheias. 

— Nós entendemos a gravidade do problema que está sendo trazido, e a importância de se buscar um consenso para equilibrar os usos múltiplos. Mas, não existe solução fácil, porque toda solução, em geral, vai gerar custos. Seja para os consumidores, para os municípios, em formas de perda de arrecadação, ou para os agentes. 

Mais informações

Rodrigo Pacheco defendeu o aprofundamento das informações dadas pela Aneel. Para o senador, as perdas apontadas pela agência devem ser comparadas às já enfrentadas pelo setor produtivo de Minas Gerais em razão do nível atual do reservatório, com vistas a uma solução. 

— Principalmente, para Sudeste e Sul de Minas, as perdas devem ser muito maiores do que esse prejuízo apontado [pela Aneel]. Por isso, é bom confrontarmos esses números e estabelecermos esses critérios dentro de um diálogo muito franco — comentou. 

Para o senador Carlos Viana (PSD-MG), Minas Gerais não pode ser prejudicado com o esvaziamento do Lago de Furnas, que acontece para manter a Hidrovia Paraná-Tietê, em São Paulo. Ele também defendeu o estabelecimento de uma cota mínima para o nível do reservatório. E a revisão de outorga de uso da água para exploração dos potenciais hidrelétricos, dada pela Agência Nacional de Águas (ANA), de modo a que a medida atenda a toda a região. 

Carlos Viana questionou a disponibilidade de a agência trabalhar em conjunto com o Senado na elaboração de uma proposta que atenda aos interesses de todos e resulte num bom termo. Rodrigo Pacheco informou que o diretor substituto da área de hidrologia da ANA, Joaquim Guedes Corrêa Gondim Filho, levará a questão aos seus pares e trará uma resposta aos senadores. 

Pacheco informou ainda que a bancada de senadores e deputados mineiros elaborou uma agenda com diversos outros eventos relacionados ao tema. Entre essas ações, estão uma reunião com o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e outra com técnicos do ONS, ainda nesta quinta-feira. Também estão previstas audiências públicas ao longo dos próximos dias, bem como a possibilidade de uma perícia técnica de engenharia que identifique devidamente as causas do problema e ajude na elaboração de soluções.

— Serão desdobramentos até que cheguemos ao ponto final, que será a solução definitiva, o estabelecimento de uma cota mínima do nível da água de Furnas que, repito: tem seu caráter de reservatório para geração de energia elétrica, mas não se pode negar seus outros propósitos. Entre os quais, desenvolvimento econômico regional, bem-estar da população, navegabilidade e turismo, que desencadeia tantas outras atividades boas — ponderou o senador.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)