Especialistas pedem mudanças em MP que cria fundo privado ambiental

Paulo Sérgio Vasco | 12/12/2019, 09h49

Especialistas em meio ambiente defenderam nesta quarta-feira (11) o aprimoramento da Medida Provisória (MP) 900/2019, que cria um fundo privado destinado ao custeio dos serviços de recuperação ambiental. Em audiência pública na comissão mista que analisa a proposição, os especialistas avaliaram que o texto da MP não contém critérios técnicos de transparência que favoreçam o controle social e garantam a efetividade na aplicação dos recursos, que ficará a cargo do Ministério do Meio Ambiente.

A MP 900/2019 autoriza a União, por intermédio do Ministério do Meio Ambiente, a contratar, sem licitação, instituição financeira oficial para criar e gerir fundo privado que irá receber recursos decorrentes de multas simples pela prática de crimes ambientais e destiná-los ao custeio de serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.

Entre outros dispositivos, a MP prevê que as diretrizes de gestão e destinação dos recursos e as definições quanto aos serviços a serem executados serão estabelecidas em ato do ministro do Meio Ambiente.  

“Cheque em branco”

Na avaliação do consultor jurídico do Instituto Socioambiental, Mauricio Guetta, o dispositivo representa um “cheque em branco” a quem estiver no comando do Ministério do Meio Ambiente. Ele defendeu a adoção de critérios efetivamente rigorosos e destacou que a atual gestão do MMA “não é a mais recomendável para se deixar com um cheque em branco na mão”

— Primeiro, o atual ministro é condenado em primeira instância judicial por improbidade administrativa. Também teve decretada a quebra de sigilos bancário e fiscal. Logo no primeiro dia de governo excluiu das competências do MMA o combate ao desmatamento ilegal e às mudanças climáticas. Além dos contingenciamentos ao orçamento do MMA, extinguiu a Secretaria de Mudanças do Clima e Florestas, com baixíssimos índices de autuação lavradas por essa gestão do Ibama. Tanto é que a taxa de desmatamento foi de quase 10 mil quilômetros quadrados, a maior desde 2008, um aumento de 30% em relação ao ano anterior e a terceira maior alta percentual da história, desde o início das medições — afirmou.

Guetta também destacou a tentativa de extinção do Fundo Amazônia, que se encontra hoje paralisado e sem execução, pondo em risco projetos desenvolvidos por ONGs. O consultor ressaltou ainda que a atual gestão do MMA “desidratou” o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) por meio de “episódio tragicômico” de eleição por sorteio, além da extinção de outros colegiados, como os comitês que integravam o Plano Nacional de Contingências para Incidentes de Poluição com Óleo, o que resultou na demora do tratamento adequado dos danos ambientais ocorridos no litoral das Regiões Nordeste e Sudeste.

Guetta ressaltou que, em matéria ambiental, não há nada mais relevante do que a aplicação concreta da lei, com resultados práticos aferíveis. Segundo ele, não adianta uma legislação rígida e forte se ela não for aplicada.

— A preocupação sempre foi com o recolhimento das multas. A gente sabe do baixíssimo índice de multa recolhido pelo Ibama, esse recurso não é convertido na efetividade das ações ambientais. É nesse contexto que vem o mecanismo importantíssimo da conversão de multas, que foi aplicado sem critérios de efetividade e, por isso, sua aplicação foi suspensa em 2012 — afirmou.

Na avaliação de Guetta, o acatamento de algumas das 94 emendas apresentadas à MP 900/2019 seria suficiente para aperfeiçoar o texto, como forma de garantir efetividade, controle social, transparência e critérios rígidos para eleição de projetos.

Passivo de R$ 38 bi

Consultora legislativa da Câmara dos Deputados e ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Suely Araújo apontou dificuldades na implantação da conversão de multas. Ela ressaltou que o passivo de multas não pagas ao Ibama era de R$ 38 bilhões, em maio de 2018. A média anual de aplicação das multas é de R$ 3 bilhões.

— É um recurso sem paralelo no país, não tem outra fonte que possa cobrir esses valores. Potencialmente, é muito dinheiro. Se for feito de forma correta, [o Ibama] conseguirá fazer autuação para investir em planejamento tecnológico dos projetos que podem ser viabilizados com participação do setor empresarial e da sociedade civil — afirmou.

Suely Araújo também criticou o dispositivo da MP que garante ao ministro do Meio Ambiente a definição das diretrizes dos projetos a serem executados a partir da conversão das multas.

— Isso é inadmissível, não se pode politizar a decisão sobre os recursos. Tem que haver planejamento plurianual, com foco para conversão das multas. Tudo isso precisa estar explicitado, feito de forma pública, com participação da sociedade e controle do poder público. A modelagem anterior para conversão das multas não previa fundo, o que havia eram contas em nome dos projetos selecionados. Agora vai haver fundo privado. A conversão vai depender da adesão dos autuados para depósito no fundo. A Caixa [Econômica Federal] foi escolhida, e o fundo está em estruturação. Tenho alguma dúvida jurídica sobre isso — afirmou.

A ex-presidente do Ibama também defendeu a adoção de regras de transição para implementação de projetos já selecionados para os Rios São Francisco e Parnaíba, no valor de R$ 1,1 bilhão e a cargo de ONGs.

— São projetos de suma importância. Atualmente a disponibilidade hídrica dos rios é gravíssima. O dinheiro seria para o reflorestamento em áreas de aquíferos que constituem a caixa d’água do Rio São Francisco — afirmou.

Definição de critérios

Assessor jurídico da Rede de ONGS da Mata Atlântica e ex-secretário de Meio Ambiente do Distrito Federal, André Lima também defendeu a adoção de critérios para a conversão de multas em serviços ambientais.

— A MP parece um cheque em branco ao ministro do Meio Ambiente, o que não me parece recomendável, porque estamos falando de recursos de bilhões de reais, sem nenhum tipo de critério definido por lei. Não faz sentido algum, quando hoje já existem editais selecionados para restauração envolvendo 37 organizações — afirmou.

Lima também defendeu a definição de critérios para investimentos, por meio de plano anual que seria submetido à aprovação do Conama, com participação da sociedade civil. Ele também cobrou a definição dos custos administrativos da instituição financeira que irá gerir o fundo.

— A lei não estabelece limite. Tem que haver um teto, um parâmetro objetivo aceitável. O dinheiro não é para financiar a estrutura de banco, mas para ser aplicado efetivamente em projetos ambientais — afirmou.

Reincidência dos infratores

Diretor de Justiça Socioambiental da WWF-Brasil, Raul do Valle disse que a MP 900/2019 é genérica ao prever 60% de desconto nas multas ambientais, o que poderia beneficiar até mesmo a reincidência por parte dos infratores. Ele defendeu a criação de uma estrutura de governança para avaliação dos projetos a serem beneficiados pela proposição e conclamou o Congresso Nacional a definir parâmetros e a atuação do governo no setor ambiental.

— É preciso aprimorar a conversão. Estamos vendo um abuso do poder regulatório do atual governo. O tempo médio para julgamento de uma infração em segunda instância é de quatro anos. Infratores reincidentes não poderiam ter desconto na conversão da multa. É preciso definir quais projetos poderão ser beneficiados — afirmou.

Consenso

Relator da MP, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) disse que as observações dos expositores estão alinhadas com o texto que a comissão está analisando.

— A comissão vem caminhando para buscar consenso em torno da necessidade de garantir mais agilidade ao processo e efetividade na implementação das providências — afirmou.

Presidente da comissão mista, o deputado Sidney Leite (PSD-AM) cobrou a regularização fundiária na Amazônia, tendo em vista que boa parte dos incêndios e do desmatamento ocorrem nessas regiões. Ele também defendeu o aperfeiçoamento das estruturas municipais para aumentar a capacidade de fiscalização e autuação dos infratores.

Na terça-feira (10), a comissão já havia feito outra audiência pública para debater a MP, desta vez com representantes do governo e do Ministério Público Federal.

O prazo de vigência da MP 900/2019, já prorrogado, expira em 26 de março de 2020.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)