Debatedores divergem na CCJ sobre prisão após condenação em segunda instância

Da Redação | 04/12/2019, 16h27

Especialistas da área jurídica mostraram divergência em relação ao PLS 166/2018, que trata da prisão de condenados após decisão em segunda instância. Nesta quarta-feira (4), foi realizado o último debate sobre o tema em audiência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), uma vez que a presidente do colegiado, senadora Simone Tebet (MDB-MS), anunciou a votação para a próxima terça-feira (10). 

Primeiro a se manifestar, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, expôs sua posição contra o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), de que é preciso esperar todos os recursos para se executar a pena. Para ele, "exigir o último dos últimos recursos leva a processos que não terminam nem em uma década ou em 20 anos, o que gera injustiça e situações que favorecem mais condutas criminais".

— Minha posição é pública. Temos um processo judicial com garantia de direito de defesa, mas que precisa também assegurar os direitos da vítima e da sociedade. Ou seja, não pode ser um processo sem fim. Portanto, temos que estabelecer o momento que um julgamento condenatório seja eficaz e passe a valer de fato. A impunidade é um dos fatores que estimula a reiteração criminosa — afirmou.

O desembargador aposentado do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região Vladimir Passos de Freitas alegou que a situação do Brasil, após mudança de entendimento do Supremo, não encontra paralelo em nenhum outro lugar do mundo. 

— Como dizer que uma quarta instância para se recorrer e recorrer sem se executar é algo efetivo, se nenhum país do mundo adota isso? Eu já cansei de ter vergonha de conversar com juízes de outras nacionalidades e, quando eu falo isso, até são delicados e não debocham, mas fazem aquela cara de desprezo, como quem diz: 'é periferia' — afirmou. 

Cláusula pétrea

O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Herman Benjamin, disse que, se for vontade do legislador mudar a jurisprudência atual, que o faça sem alterar o artigo 5º da Constituição. 

— Este deve ser preservado na sua totalidade. Não devemos modificar. Quem mexe nesse tema abre a possibilidade para mexer em outros. O artigo 5º só pode e deve ser alterado para acrescentar direitos, mesmo que se diga aqui que não se está tirando direto algum — opinou. 

Sem citar nomes, o ministro disse que o tema da prisão em segunda instância acabou sendo "fulanizado" e, para se evitar isso, sugeriu um modelação temporal na futura legislação. 

— Uma forma de se evitar a fulanização seria fazer uma dosagem da aplicabilidade dessa nova lei. Não é incompatível com o sistema processual penal estabelecer marcos temporais para alteração de leis processuais. Dizer que só se aplica a ilícitos praticados a partir de agora ou àqueles que ainda não tenham sido sentenciados, por exemplo. Trata-se de uma decisão técnica e política do Parlamento, o que não seria um despropósito ao meu juízo — avaliou. 

Herman Benjamin lembrou ainda que o habeas corpus continuará como importante instrumento de defesa na sua integralidade, sem sequer ser tocado pela discussão atual.  

Vozes contrárias

Para o representante da OAB, Ary Raghiant Neto, não é antecipando a pena que será possível resolver os problemas da Justiça brasileira. Para ele, seria necessário mexer na estrutura do sistema recursal e, ainda que o Senado aprove o PLS 166/2018, continuará havendo discussões sobre a constitucionalidade do assunto. 

— Vamos continuar na insegurança jurídica, que é algo que ninguém quer. Essa alteração pontual na lei não vai resolver. Amanhã poderá haver nova alteração e vamos viver de tempos em tempos alterando a jurisprudência a partir da composição do Supremo — afirmou. 

O defensor público-geral do Rio de Janeiro Rodrigo Baptista Pacheco tem opinião semelhante. Para ele, o sistema processual penal brasileiro deve ser pensado globalmente. Ele também contestou o argumento de que somente quem tem dinheiro para pagar bons advogados conseguem acesso às cortes superiores. No Rio de Janeiro, exemplificou, cerca de 60% dos habeas corpus que chegam ao Tribunal de Justiça são impetrados pela Defensoria Pública. 

— Há o mito da elitização do acesso à Justiça. Somente réus com advogados ricos chegam ao Supremo. Não é verdade. Existem números que não confirmam esse discurso. A Defensoria de São Paulo é a quinta litigante no STJ — afirmou. 

Na opinião de Rodrigo Baptista Pacheco, um grande problema a ser solucionado é o sistemático descumprimento de precedentes das cortes superiores pelos tribunais de justiça estaduais. Além disso, acrescentou, depois que o Supremo mudou seu entendimento sobre o assunto, somente 27 presos foram soltos no Rio de Janeiro. 

— Portanto, o discurso do pânico não se concretizou — afirmou. 

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)