Cientistas apontam preocupação com o clima global em seminário da CMA e CRE

Aline Guedes | 28/11/2019, 14h19

A proteção climática global não apresenta um quadro otimista do ponto de vista científico. Essa foi a principal mensagem do seminário “O Estado de Direito Ambiental: Realidade e Perspectivas no Brasil e na Alemanha”, promovido pelas comissões de Meio Ambiente (CMA) e de Relações Exteriores (CRE) nesta quinta-feira (28). De iniciativa dos senadores Fabiano Contarato (Rede-ES) e Nelsinho Trad (PSD-MS), o evento teve como base a atuação das duas comissões em grandes temas da atualidade. Participaram autoridades dos Judiciários brasileiro e alemão e renomados pesquisadores dos dois países. 

A presidente do Grupo Especialista em Mudança do Clima da Comissão Mundial de Direito Ambiental da União Internacional para Conservação da Natureza, Christina Voigt, disse que as grandes concentrações de gás carbônico (CO2) registradas no planeta estão levando o mundo a um aumento de temperatura em torno de 3,2 graus, com graves consequências para o ser humano e para a natureza. De acordo com Christina, as metas de redução precisam chegar à escala zero e serem mantidas abaixo desse índice. 

— Este é um aspecto muitas vezes não mencionado. Além de termos menos tempo, essa redução exige transformações e mudanças rápidas de todos os setores: energia, transporte, agricultura, silvicultura. Ou seja, a humanidade já realizou muitas mudanças rápidas, mas nunca neste âmbito, nem nesse volume. Estamos diante de um desafio sem precedentes — declarou. 

Presidente da CRE, o senador Nelsinho Trad observou que o Brasil tem assumido todos os compromissos internacionais relativos ao desenvolvimento sustentável. Ele afirmou que o país conta com uma das legislações mais modernas do mundo nessa área desde 1930, tendo sido aperfeiçoada ao longo dos últimos 60 anos e, mais especificamente, após a conferência de Estocolmo, em 1972. O parlamentar, no entanto, apontou desafios do Brasil para promover um desenvolvimento sustentável em consonância com a manutenção das condições de vida dos cidadãos e, ao mesmo tempo, manter o controle do território contra atividades ilegais. Ao reconhecer a seriedade do tema, Nelsinho disse estar aberto ao diálogo e a sugestões construtivas para o setor. 

— Saibam que o Congresso brasileiro é comprometido com o desenvolvimento sustentável e com o exercício do papel de vigilância permanente nessa área — afirmou. 

O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, destacou a riqueza ambiental do Brasil, com seus diversos biomas. E disse que é esse aspecto diferenciado que torna o país parâmetro mundial das medidas de proteção ao meio ambiente. O ministro confirmou que há grandes demandas judiciais relativas ao tema, mas garantiu que o Poder Judiciário tem exercido um papel preponderante na área. João Otávio lembrou que o Brasil conta com legislação e medidas sólidas de proteção ecológica. Mas disse que somente o fortalecimento da educação e dos órgãos fiscalizadores levarão o país a cumprir com mais propriedade suas metas ambientais. 

— O compromisso legislativo brasileiro com o meio ambiente é incomum, quando comparado à legislação americana ou europeia, por exemplo. Temos emoldurado na Constituição algo muito precioso, que faz-nos sempre manter o compromisso com o equilíbrio ambiental não apenas para nós, mas para as gerações futuras. Mas só vamos atingir o grau desejado de convivência no país respeitando o meio ambiente quando a educação e o planejamento integrarem a conduta das autoridades e do povo brasileiro. 

O ministro do STJ Antonio Herman Benjamin elogiou a iniciativa de Fabiano Contarato e Nelsinho Trad de propor o seminário, lembrando que os grandes biomas brasileiros estão representados no Senado. O ministro ressaltou a importância do tema para toda a sociedade, observando que o Estado democrático de direito tem sido cada vez mais um “estado de deveres” para a coletividade, a nação e, no plano internacional, relativos à humanidade. Herman Benjamin observou que todas as legislações determinam um meio ambiente equilibrado, mas isso também envolve atribuições e responsabilidades. O ministro afirmou ainda que, embora o Brasil tenha essa consciência e tradição institucional, é preciso reforçar a obediência às leis. 

— Temos uma das legislações mais avançadas do mundo. Temos o Ministério do Meio Ambiente, que continua a existir, mas também órgãos ambientais em todo o país. Temos, ao contrário de muitos países, centenas de precedentes no STJ cuidando da questão ambiental. Não obstante, o número de espécies ameaçadas de extinção não para de crescer, o desmatamento aumenta, a qualidade das nossas águas se deteriora. Há uma espécie de desconexão entre esse paraíso legislativo e a realidade da proteção ao meio ambiente — destacou. 

O secretário de Relações Internacionais do Ministério do Meio Ambiente, Roberto Castello Branco, comentou que a questão ambiental é global e tem levado os países a tomarem decisões rápidas. Ele apontou a iminência da participação do Brasil na COP-25, cujo Acordo de Paris será tema central. O evento começa nesta segunda-feira (2), em Madri, na Espanha. Castello Branco lembrou compromissos financeiros assumidos pelo Brasil para a redução da emissão de gases e manutenção da temperatura do planeta, observando que essas medidas já têm sido implementadas devido à urgência e relevância do tema.   

— Sobre decisões que antes eram tomadas e levavam anos para entrar em vigor, a questão ambiental colocou uma pressão muito grande e os acordos agora são feitos e praticamente entram em vigor imediatamente. Isso se deve à conscientização de que essa é uma questão mundial e compromisso de todos. 

Experiência alemã

Segundo participantes do seminário, Brasil e Alemanha têm um sólido sistema legal de proteção do meio ambiente. Também desenvolveram, a partir dos anos 1970, instituições e mecanismos de implementação dessa legislação ambiental, contando hoje com respeitados órgãos federais, estaduais e municipais, bem como com entidades da sociedade civil organizada. Nos últimos anos, a expressão “Estado de direito ambiental” vem se consolidando na comunidade internacional. Nela, fica claro o propósito de “ambientalizar” o Estado de direito. Ou seja, a ideia de inexistir verdadeiro Estado de direito sem proteção efetiva do meio ambiente. 

Professor da Universidade de Frankfurt, Eckard Rehbinder considerou, no entanto, que o termo proteção ambiental deve ser mais bem definido. Ele apontou a necessidade de reorientação, inclusive, dos conceitos jurídicos sobre o tema. Segundo o especialista, o princípio de Estado de direito ecológico é importante, mas não pode haver um nível exagerado de otimismo a respeito do assunto. Para Rehbinder, os cuidados com o meio ambiente ainda envolvem uma necessidade de transformação da economia e da própria sociedade. 

— O Estado de direito ecológico sugere como melhorar a política ambiental, mas há um nível de abstração demasiadamente elevado para produzir efeitos de monitoramento efetivo. Carecemos de um direito estatal e atuação responsável dos atores sociais que revelarão conflitos até agora encobertos. Temos que nos perguntar sempre se o Estado de direito ecológico, numa economia e sociedade não ecológicas, não se choca com fronteiras que o transformem num direito meramente simbólico – questionou. 

Integrante do Conselho Consultivo do Governo Federal Alemão sobre Mudança do Ambiental Global, a professora doutora Sabine Schlacke disse que a legislação ambiental caminha na direção certa, mas ainda não é suficiente. Para a especialista, as normas alemãs relativas ao tema têm lacunas e defeitos, como a falta de coordenação e de clareza. A pesquisadora criticou a falta de articulação entre órgãos ambientais alemães, a existência de estruturas em dobro, mas com estratégias diferentes, e apontou uma desarticulação entre os ministérios do país. Segundo Sabine, é preciso concretizar e operacionalizar as obrigações ambientais de cada um dos estados-membros do Acordo de Paris. Para ela, todos os países precisam formular contribuições, redigir suas próprias metas e comunicá-las devidamente. 

— A União Europeia levou muito a sério essas metas internacionais e emitiu suas próprias obrigações para redução de emissão de CO2 para a próxima década. Eles pretendem, inclusive, fazer uma redução de 40% em comparação com [o acordo de] 1990 – afirmou.   

Já a professora da Universidade de Freiburg Cathrin Zengerling elogiou o seminário, afirmando que o evento é uma grande oportunidade para tratar do tema ambiental. Ela discutiu a influência do comércio internacional sobre o meio ambiente, explicando que toda a cadeia de produção e transporte desses bens explora e influi nos ecossistemas. Ao observar que o direito ambiental tem sido visto como uma espécie de barreira para o comércio, a especialista defendeu que essa parte do direito é fundamental para proteger o meio ambiente. 

Cathrin citou um grande número de acordos de livre comércio e capítulos de tratados, inclusive no âmbito da União Europeia que, segundo ela, adicionam anualmente esses interesses ambientais. A professora ponderou, no entanto, que o assunto só terá êxito quando for regulado de maneira institucionalizada e integrada.

A programação do seminário desta quinta-feira se estenderá pelo período da tarde, com previsão de término para as 17h.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)