E-sports: projeto de regulamentação encontra resistência do setor

Rodrigo Baptista | 07/11/2019, 16h22

O Projeto de Lei do Senado (PLS) 383/2017 que regulamenta os jogos eletrônicos, conhecidos como e-sports, está longe de um consenso. Jogadores, times e empresas desenvolvedoras de games temem que a atual redação da proposta trave o crescimento do setor e isole o Brasil das competições internacionais. Eles se queixaram nesta quinta-feira (7) de não terem participado do processo de elaboração do projeto, apresentado pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA). Durante a audiência pública na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE), eles argumentaram que os esportes eletrônicos não podem ser enquadrados como esportes “tradicionais” com futebol e vôlei.

Outro problema apontado por esse setor é a exclusão de jogos considerados violentos dos esportes eletrônicos, o acarretaria no não reconhecimento de atletas virtuais que disputam campeonatos baseados em games populares como Counter-Strike e Rainbow Six. Conforme sugere a atual redação da proposta, jogo com conteúdo violento, de cunho sexual, que propague mensagem de ódio, preconceito ou discriminação ou que faça apologia ao uso de drogas, não deverá ser considerado esporte eletrônico.

Mercado

Aprovada de forma terminativa pela comissão em julho, a proposta estava prestes a ser encaminhada para a Câmara dos Deputados, mas voltou ao debate na comissão a pedido da senadora Leila Barros (PSB-DF). Tanto a CE quanto a Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) vão analisar uma nova emenda ao texto. Para Leila, que já antecipou uma nova audiência sobre o tema no dia próximo dia 21, o debate deixou evidente que é possível aperfeiçoar a proposta.

— Nós abrirmos a Casa para o diálogo, queremos dialogar com todos os players. Entendo que a gente tem uma preocupação legítima [em relação à violência], mas hoje entendemos a importância do mercado — afirmou.

Ex-atleta profissional de vôlei, a senadora chegou a se envolver em uma polêmica com a comunidade gamer (de jogadores) após se posicionar contra o reconhecimento dos e-sports como modalidade esportiva durante a votação da proposta na CE. Mas recebeu o reconhecimento do setor na audiência desta quinta-feira.

— Que fique marcado que a senhora está ajudando o nosso cenário. É muito importante o movimento o que a senhora está fazendo. Estamos do seu lado — disse Leo de Biase, ex-jogador profissional e atual diretor-executivo da empresa BBL e-SPORTS.

Propriedade intelectual

Mario Marconino, da Entertainment Software Association (ESA) — organização que representa de 40 das maiores empresas de videogames do mundo — relatou como funciona a regulamentação dos esportes eletrônicos em outros países. Segundo ele, a maior parte da União Europeia classificou os e-sports em uma categoria diferente dos esportes tradicionais. Na direção oposta, a Rússia enquadrou essas competições e disputas na mesma lei geral de esportes, o que, segundo ele trouxe problemas em relação à propriedade intelectual. Marconino ressaltou que, diferente dos esportes tradicionais, os eletrônicos acontecem numa plataforma que é um produto cuja propriedade intelectual pertence a empresas desenvolvedoras e publicadoras.

— O e-sports é baseado em direitos de propriedade intelectual. Quem desenvolve aquilo tem o direito. É a forma de desenvolver e inovar. Não precisa de uma federação. Para que pensar em inserir no contexto de sistema nacional de esporte que todo mundo sabe que tem seus problemas? — questionou.

Em 2018, os games se tornaram mais lucrativos do que a indústria de Hollywood e a indústria musical combinadas. Foram US$ 138 bilhões arrecadados ao redor do mundo no ano passado.  O cinema alcançou a marca de US$ 42 bilhões, enquanto a indústria musical teve uma receita de US$ 19 bilhões no mesmo período, de acordo com a Newzoo, que acompanha o uso e as tendências em e-sports e videogames. O Brasil é o 13º mercado do mundo e movimenta em torno de US$ 1,5 bilhão por ano.

Profissionais

Ex-jogadora profissional e atual diretora-executiva da Black Dragons, Nicolle "Cherrygumms" Merhy disse que a comunidade gamer e o setor não são contrários a uma regulamentação, mas o projeto em análise no Senado exige a aplicação da Lei Pelé e outros normas dos esportes tradicionais aos jogadores de videogames. Ela teme que as regras reduzam investimentos.

— No futebol ninguém é o dono da bola. Se você pega uma bola hoje todo mundo pode jogar.  Nos e-sports o dono do jogo é a [empresa] publisher. É a dona do jogo. Existe um dono do jogo, dos direitos de imagem de transmissão ele que fez o jogo. É uma nova modalidade — afirmou.

Presidente da Plataforma de Counter-Strike do Brasil Gamers Club, Yuri "Fly" Uchiyama avaliou que, dependendo do texto que sair do Congresso, o setor corre o risco de morrer no Brasil.

— Temos que tomar um certo cuidado porque dependendo da forma como isso acontecer isso pode afastar o investimento dos donos da bola que são as publishers dos jogos e talvez nem mercado teremos  — alertou.

Violência

A violência presente em jogos como Counter Strike, Rainbow Six e outros que são utilizados em competições de e-sports preocupa os senadores. Autor de emenda para excluir jogos violentos da classificação de esporte eletrônico, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) reforçou sua posição.

— Concordo: ser empresário no Brasil não é fácil e temos que facilitar ao máximo nesse aspecto, mas tudo tem que ter um limite. Estudos mostram que jogos violentos influenciam o comportamento — afirmou.

Leo de Biase, diretor-executivo da empresa BBL e-SPORTS, ponderou que já existe classificação indicativa dos jogos e que as competições esportivas de Counter Strike, por exemplo, não incluem menores de 18 anos.

— Esportes eletrônicos como Counter Strike são praticados por maiores de idade. Crianças não são o nosso público — afirmou.

Apesar de as competições de jogos violentos não incluírem crianças, Styvenson Valentim (Podemos-RN) alertou para a influência sobre os menores. Ele elogiou a senadora Leila por “dar um pause” no andamento do PLS 383/2017 para permitir o debate, mas enfatizou que é preciso frear a violência.

— Queremos estar globalizados, mas não da forma ruim — assinalou Styvenson.

Vício

A médica psiquiatra Renata Figueiredo argumentou que os impactos da exposição a jogos violentos em longo prazo ainda carecem de pesquisas mais aprofundadas, mas ressaltou que estudos evidenciam que os jogos trazem malefícios como ansiedade e o aumento da agressividade em curto prazo. Podem ainda, segundo ela, gerar sensações de abstinência e vício semelhantes ao uso de álcool e drogas.

— Os estudos convergem em dizer que jogos violentos risco significativo para comportamento violento e agressivo sim — disse a psiquiatra, ressaltando que nem todos que entram em contato com esses videogames desenvolvem as mesmas reações.

Ferramenta educacional

Psicólogo esportivo da Equipe Made in Brazil (MIBR) João Ricardo Cozac observou que os times e clubes que disputam competições esportivas nessa modalidade contam com equipes multidisciplinares que incluem nutricionistas, preparadores físicos e psicólogos para cuidar da saúde dos atletas. Ele disse que é preciso ter cuidado para não criar uma “patologização” da modalidade e ressaltou benefícios dos e-sports como a redução do preconceito social existente contra aqueles que gostam de videogames.

— A geração mudou. A gente precisa entender essas demandas — assinalou.

Professor de Educação física e presidente da Federação de Esportes Eletrônicos do Distrito Federal, David Leonardo Teixeira ressaltou que há pesquisas que apontam conclusões diferentes sobre o impacto dos games nas pessoas. Ele afirmou que há estudos rechaçando a ideia de influência dos jogos considerados violentos na agressividade de indivíduos. Ele e outros participantes destacaram o uso de games como ferramenta educacional e cobrou um debate plural que ajude a incentivar os esportes eletrônicos “para que o Brasil não vire uma ilha”.

— A proposta de regulamentação é boa, mas se não fora amplamente debatida ela carece de elementos para que possamos consolidar o esporte eletrônico e ajudar a desenvolver a cidadania dos jovens — defendeu.

No placar do Portal e-Cidadania, a maioria dos internautas reprova a proposta, ainda que sem grande diferença. Foram registrados cerca de 7.500 votos contrários ao projeto contra 5.800 favoráveis à regulamentação nos atuais termos.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)