Projeto que abre captação de receitas das universidades é criticado na CE

Da Redação | 31/10/2019, 15h49

O projeto de aumentar a captação na iniciativa privada dos recursos das universidades e institutos federais foi debatido nesta quinta-feira (31) na Comissão de Educação (CE) por representantes do governo e de entidades ligadas a universidades e estudantes. Batizada pelo governo de Future-se, a proposta tem como premissas o uso direto dos recursos arrecadados na respectiva universidade ou instituto; o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação cientifica e tecnológica e a inovação; o empreendedorismo e o estímulo à internacionalização.

Quem presidiu o debate foi o senador Jean Paul Prates (PT-RN), que, após ouvir os convidados, posicionou-se contrário ao Future-se. Para ele, apesar das mudanças já feitas ao projeto, ele continua com premissas políticas e ideológicas equivocadas.

— O MEC diz que independentemente do Future-se está mantendo a autonomia e o orçamento, ou seja, ele seria apenas uma receita extra, para abrir mais possibilidades. Mas, na verdade, estão abalroando a gestão, a autonomia, a estrutura organizacional, o regime dos servidores, a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação — criticou.

No requerimento de realização da audiência, Jean Paul lembrou que a adesão das instituições de ensino é voluntária, “mas o governo afirma que quem aderir terá mais flexibilidade para realizar despesas”. O senador também acusou o MEC de impor, sem o necessário debate, uma reforma empresarial da educação.

— A proposta fragiliza a função social das universidades e dos institutos federais de educação, mantém ameaçada a manutenção das instituições, inviabiliza o processo de democratização do acesso ao ensino superior público e abre um horizonte de incertezas para a produção científica e tecnológica.

Autonomia

O Future-se foi defendido na audiência pelo diretor de Desenvolvimento da Rede de Instituições Federais de Educação do MEC. Wagner Vilas Boas de Souza antecipou que na próxima semana o MEC já deve abrir a consulta pública e a previsão é de que encaminhe o texto final ainda neste ano ao Congresso.

Ele afirmou que mais de 33 mil pessoas opinaram na pré-consulta e a partir das contribuições o texto passou por uma completa revisão. De acordo com Souza, uma alteração relevante foi no primeiro pilar, que previa gestão, a governança e o empreendedorismo.

— Isso incomodou os gestores, preocupados com a preservação da autonomia. Então na versão final os três pilares são: pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação; empreendedorismo; e internacionalização [foram retiradas gestão e governança].

Nilton Brandão, presidente da Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituição Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico Técnico e Tecnológico (Proifes), reclamou que a segunda versão é apenas uma “maquiagem” da primeira, que, em suas palavras, carece de um diagnóstico da educação brasileira e de perspectiva de construção de para onde se quer chegar.

— Eles escreveram que a autonomia está garantida, deixando todos os ataques à autonomia no decorrer do texto — criticou.

Ele acusou o MEC de transformar a educação em mercadoria “a ser comprada em prateleira de mercado”. Brandão reclamou que o projeto prevê a contratação de professores não mais por concurso, e sim pelas regras de mercado. Para ele, é o fim do tripé ensino, pesquisa e extensão. Além de ser, segundo ele, “um projeto de educação que não fala de educação, porque foi pensado por economistas para o setor produtivo”.

— O nome não devia ser Future-se, deveria ser 'fature-se'. Que futuro é esse que não fala dos desafios, expansão, pesquisa, aumento de vagas para acolher a sociedade educativa, assistência e permanência de estudantes, bolsas para capacitar e formar professores?

Orçamento

Pelo projeto, as receitas do fundo patrimonial do Future-se vêm de doações, investimento, locação ou alienação de bens ou deixados em testamento, contribuições associativas e doações, entre outras fontes. O representante do MEC também frisou que o texto (art. 25) deixa muito claro que as receitas vindas do projeto são adicionais, ou seja, não substituem as dotações orçamentárias regulares previstos na Constituição (art. 212) e na Lei 9394/1996 (art. 55).

O Presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Iago Montalvão, refutou a alegação de que o projeto não tira o que já está garantido para a universidade. Na prática, segundo ele, a redução em 18% do orçamento do MEC para o ano que vem e em quase 50% o da Capes sinaliza que as universidades terão de buscar recursos por fora caso o Orçamento de 2020 seja aprovado como está. Montalvão reclamou que o projeto, em vez de cunho pedagógico, mostra um viés mercadológico.

— A universidade não é um gasto, ela é um investimento para a sociedade. É a universidade que vai tirar o Brasil dessa dependência de vender commodities e exportar tecnologia.

Para o presidente da Une, o projeto pressiona as universidades induzindo-as pelo viés do desempenho e da premiação.

— Caso determinadas universidades não cumpram ou não assinem o contrato do Future-se, perderão financiamento, investimento e a valorização.

Privatização

A explicação do MEC também não convenceu a senadora Zenaide Maia (Pros-RN), para quem o objetivo do Future-se é tirar os investimentos e desidratar as universidades pela falta de dinheiro.

— A educação sofre, perde qualidade, aí depois é só privatizar – que é o que realmente eles querem. Privatizar universidades que ganham prêmios internacionais, institutos federais que dão ensino médio de qualidade. É um projeto bilionário para destruir o ensino médio e o ensino superior gratuito — declarou.

Carlos Lobão, coordenador do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe), também reclamou de a proposta descaracterizar a dedicação exclusiva dos professores. Para ele, o Future-se modifica a destinação dos hospitais universitários e subordina as pesquisas ao interesse do mercado, além de ampliar a competição entre professores e alunos.

— O projeto quer dar um choque de neoliberalismo nas instituições federais de ensino superior para destruir o que chamam de reduto de esquerda, acabando com as carreiras dos servidores, com a política de reparos sociais, e ainda desresponsabiliza o estado com a educação.

Doações

O vice-presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Edward Brasil, falando sobre a autonomia financeira, apontou que, mais do que um projeto como o Future-se, é preciso adequar a legislação. O recebimento de doações, hoje vedado, e o uso da receita própria foram alguns dos pontos citados por ele:

— A Universidade arrecada, consegue recurso adicional, mas esse recurso é restringido pelo teto dos gastos.

Para Edward Brasil, o grande impedimento do setor está na Emenda Constitucional 95 (Novo Regime Fiscal), porque ela impede que o financiamento das universidades seja adequado às complexidades desse segmento. Outro entrave seria a falta de cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE), especialmente a meta 20, que prevê a expansão do financiamento público em educação pública para 10% do Produto Interno Bruto (PIB).

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)