Familiares criticam MP que prevê pensão para crianças com microcefalia por zika

Rodrigo Baptista | 10/10/2019, 14h14

Famílias de crianças com problemas causados pela síndrome congênita do Zika vírus, como microcefalia e atrasos no desenvolvimento, pediram mudanças na Medida Provisória (MP) 894/2019, que criou regras para pensão especial vitalícia de um salário mínimo para as vítimas do surto. Segundo os parentes das crianças, que participam nesta quinta-feira (10) de audiência pública na comissão mista que analisa a matéria, os critérios para concessão do benefício são restritivos e impedem a reparação de parte das vítimas.

O texto recebeu 144 emendas e, ao menos pelas manifestações de parlamentares que participam da audiência, a MP terá mudanças importantes. Um dos pontos que tem grandes chances de ser alterado é o que trata da limitação temporal dos beneficiários. A medida só prevê direito à pensão a quem nasceu entre 2015 e 2018, durante o surto de zika, mas outras crianças nasceram com microcefalia e outros sintomas da síndrome fora do período mais crítico. Parentes das crianças afetadas pedem que o texto não deixe de fora crianças que nasceram após o prazo definido na medida provisória.

O surto acabou, mas não pararam de nascer crianças com a síndrome. Em Alagoas, temos casos de crianças que nasceram este ano. Em outros estados também. Nada foi feito para melhorar o saneamento básico, a água potável e todas partes que podem controlar o vetor — apontou Alessandra Hora, presidente da Associação Família de Anjos do Estado de Alagoas (AFAEAL) e avó de uma criança com microcefalia.

A ajuda financeira prevista na MP será destinada apenas a famílias de baixa renda, que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o que segundo Elyana Thereza, representante da ONG aBRAÇO a Microcefalia, vai deixar cerca de 20% das crianças afetadas pelo vírus desassistidas.

— Crianças que não se encaixam no BPC podem ser esquecidas. São muitas as despesas que suportamos como mães e pais de crianças com microcefalia: alimentação especial, fisioterapia, deslocamento, escola inclusiva. Minha despesa chega a R$ 1,3 mil por mês com farmácia e medicamentos — disse Elyana.

A pensão vai substituir o Benefício de Prestação Continuada (BPC), auxílio no valor de um salário mínimo que foi concedido pelos três primeiros anos de vida das crianças vítimas de microcefalia pela Lei 13.301, de 2016, e não pode ser acumulada com indenizações pagas pela União. Os parentes dos menores defendem a acumulação dos benefícios. Para Thamires, da Associação de Familiares por Direitos e Apoio (Lótus), a impossibilidade de acumular é, na prática, benefício algum, já que muitas famílias dependem hoje do BPC.

— É trocar seis por meia dúzia. Esse dinheiro não vai resolver todos os problemas, mas vai melhorar um pouco a qualidade de vida. Essa reparação é um acalanto para essa mãe — enfatizou.

"Esmola"

Mãe de Miguel, de 3 anos, Thamires criticou, assim como outras mães, declarações do governo de que a MP não poderia ser alterada para não causar impactos orçamentários. Sob esse argumento, o presidente Jair Bolsonaro disse, ao assinar a MP, que vetaria mudanças feitas por deputados e senadores no texto. Ela afirmou que as famílias não estão em busca de "esmola, mas de um direito".

— Só falam de impacto orçamentário. Qual o impacto no orçamento se estamos há quatro anos com impacto na vida? Não podemos ver isso como uma esmola. A sociedade nos vê como oportunistas, nunca como guerreiras — criticou.

Presidente da União de Mães de Anjos (UMA), Germana Soares tem dois filhos. Um deles, Guilherme, de 3 anos, é vítima do vírus da zika. Ela calcula que o benefício custaria cerca de R$ 3,5 milhões por ano à União, o que, para ela, é pouco diante dos gastos do governo.

— R$ 3,5 milhões por ano do Estado brasileiro para a mãe que sofre, que não tem apoio, que não tem o Estado do seu lado, não é nada. Um salário mínimo às vezes é um jantar que acontece aqui em Brasília — apontou.

Germana relatou casos de mulheres que foram abandonadas por maridos depois do diagnóstico dos filhos e falou que são comuns os quadros de depressão entre as mães de crianças com a síndrome. Ela disse que chegou a se culpar pela condição do filho, mas percebeu que a responsabilidade é do Estado. Há quatro anos, segundo ela, muitas mulheres largaram seus empregos e se tornaram mães em tempo integral para atender as necessidades dos filhos.

— Não é uma deficiência comum, é uma deficiência que foi causada pelo Estado — criticou.

Microcefalia

Outra queixa dos parentes está na restrição do benefício a crianças com microcefalia. Segundo os participantes da audiência pública, alguns dos menores com a síndrome do vírus da zika têm o perímetro cefálico normal, mas apresentam outras complicações como problemas na visão, na audição, atraso no desenvolvimento e crises epilépticas.

— Embora a microcefalia seja o dado que mais chama a atenção pela parte estética, pela cabeça pequena, ela não pode ser o único diagnóstico beneficiado com a MP. A medida tem que abranger todos os diagnósticos relacionados à síndrome — defendeu Elyana Thereza.

Correções

Diante das queixas dos familiares, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), afirmou que é dever do Congresso corrigir as distorções da MP.

— A situação fiscal é difícil, mas tem que arrumar dinheiro para isso — defendeu.

Mesma opinião manifestou o senador Styvenson Valentim (Podemos-RN).

— Eu entendo que o presidente fez a MP com boa intenção, mas existe uma necessidade de modificar ao texto. São 144 emendas. O relator, senador Izalci Lucas [PSDB-DF], vai ter trabalho — apontou.

A deputada Tereza Nelma (PSDB-AL) afirmou que o texto é excludente e avaliou que deputados e senadores derrubarão eventuais vetos do presidente. O presidente da comissão mista, deputado Diego Garcia (Podemos-PR), disse que pretende sensibilizar o governo antes da votação da proposta, prevista para a próxima quarta-feira (16).

— Vamos tentar antes da votação nos reunir com o presidente Jair Bolsonaro para levar os frutos dessas audiências públicas para chegar aqui na quarta-feira que vem com um texto que com certeza não vai ser o assinado pelo presidente da República, mas que a gente consiga um consenso para aprovar — disse.

Segundo Garcia, a comissão mista deverá ouvir o ministro da Cidadania, Osmar Terra, na segunda-feira (14). A apresentação do relatório do senador Izalci será na terça-feira (15).

Zika vírus

De acordo com o Ministério da Saúde, entre 2015 e 2018 foram confirmados 3,3 mil casos de alterações no crescimento e desenvolvimento de recém-nascidos relacionados ao vírus da zika, a maior parte no Nordeste (2.122 casos). O vírus é transmitido ao homem através da picada de um mosquito do gênero Aedes, principalmente Aedes aegypti infectado.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)