Aprovado pela CCJ, Augusto Aras diz que faltou ‘cabeça branca’ na Lava Jato

Rodrigo Baptista | 25/09/2019, 16h06

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou, por 23 votos favoráveis e três contrários, a indicação do subprocurador Antônio Augusto Brandão de Aras para o cargo de procurador-geral da República. A Mensagem 53/2019, com a indicação feita pelo presidente Jair Bolsonaro, segue com urgência para análise em Plenário, que deve ocorrer ainda nesta quarta-feira (25). Ele precisará dos votos de pelo menos 41 dos 81 senadores. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, acompanhou parte da reunião.

— O papel do procurador-geral da República nesse momento da história nacional será fundamental para a harmonia, o equilíbrio, a independência, a autonomia e para que os Poderes harmônicos e independentes possam ajudar o Brasil e ajudar os brasileiros  — disse o presidente do Senado.

Durante mais de cinco horas de sabatina, Aras falou sobre variados temas como meio ambiente, autonomia do Ministério Público e casamento gay. Mas a maior parte dos questionamentos dos senadores teve como foco principal a Lava Jato. Aras defendeu a operação, mas admitiu correções na ação da força-tarefa. Segundo ele, “talvez tenha faltado uma cabeça branca”, numa referência à idade dos procuradores que comandam a operação.

— Nós podemos imaginar que a Lava Jato pode ser aprimorada e muito. Talvez tenha faltado, nessa Lava Jato, a cabeça branca. Para dizer que há certas coisas que podemos, mas há muitas outras que nós não podemos fazer — disse.

Augusto Aras afirmou que a operação Lava-Jato é um “marco", mas admitiu que o modelo da força-tarefa é “passível de correções”.

— A Lava Jato é um marco, traz boas referências. Mas é preciso que nós percebamos que toda experiência nova traz dificuldades. Sempre apontei os excessos, mas sempre defendi a Lava Jato. A Lava Jato é resultado de experiências anteriores. Esse conjunto de experiências gerou um novo modelo, passível de correções — argumentou.

Dallagnol

O senador Major Olímpio (PSL-SP) questionou se o indicado vai atuar pelo fortalecimento da Lava-Jato ou para “enterrar” a operação. Já Lasier Martins (Podemos-RS) perguntou “que correções seriam essas”. Ele também quis saber do indicado se o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, procurador Deltan Dallagnol, será mantido no cargo durante sua eventual gestão à frente da PGR.

Outros senadores como Humberto Costa (PT-PE), Weverton (PDT-MA) e Otto Alencar (PSD-BA) apontaram que os vazamentos do site The Intercept Brasil colocariam em xeque a atuação de Deltan Dallagnol e de outros procuradores.Em relação à Dallagnol, Aras disse que “não vamos perseguir o colega”, mas que “nenhum de nós do MP está acima da lei” e afirmou que “é necessário que magistrados e procuradores se manifestem nos autos".

— Não há de se desconhecer o grande trabalho que ele fez em busca dos resultados, mas, talvez, se houvesse lá alguma cabeça branca e dissesse para ele e para os colegas jovens, como ele, que nós poderíamos ter feito tudo como ele fez, mas com menos holofote, com menos ribalta, com menos curso, posto de outra forma, nós poderíamos ter feito tudo do mesmo jeito — disse. Augusto Aras disse que a impessoalidade deve ser aprimorada na condução da Lava Jato e disse que os pontos positivos da operação devem ser espalhados pelos estados.

— A impessoalidade que proíbe a promoção pessoal, mais do que nunca, deve ser velada no âmbito do Ministério Público. Quando nós emitimos uma opinião prévia, antes da elucidação dos fatos, antes da formação da culpa, da compreensão de todas as provas produzidas, nós estamos nos comprometendo, até por uma natural vaidade funcional, com um resultado que, muitas vezes, é injusto — apontou.

O indicado também negou a existência de “um acordão” para barrar a Lava Jato e reiterou sua independência.

— Eu não tenho nenhum programa de alinhamento nem com o senhor presidente da República, nem com nenhuma autoridade, nem com nenhuma instituição. O meu dever é a Constituição — assegurou.

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) disse defender a Lava Jato e instrumentos utilizados pela operação para o enfrentamento da corrupção, como as delações premiadas. Mas criticou excessos e cobrou punições àqueles que “exorbitam seu papel”. Ele também criticou a atuação corporativa do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que rejeitou o afastamento preventivo de Deltan Dallagnol do cargo por declarações em redes sociais contra o senador.

— O que dizer de diálogos tão escabrosos que lemos periodicamente registrando ilegalidades indefensáveis de procuradores. O que fazer com esse material? Vamos esperar desculpas do Dallagnol? — disse Renan, em referência a vazamentos de conversas entre procuradores reveladas pelo site The Intercept Brasil.

Durante a sabatina, Augusto Aras afirmou que “o Ministério Público não pode ter projeto político”. Ele criticou vazamentos feitos por procuradores e afirmou que membros do MP devem utilizar a liberdade de expressão, inclusive nas redes sociais, com “recato, zelo e urbanidade”.

Autonomia do MP

A indicação do subprocurador Augusto Aras, na vaga decorrente do término do mandato de Raquel Dodge, quebrou uma tradição seguida desde 2003, segundo a qual o nome é escolhido pelo presidente da República a partir de uma lista com os três mais votados em seleção interna dos procuradores. O presidente Jair Bolsonaro decidiu indicar um nome fora da lista tríplice definida pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), o que gerou críticas dentro do Ministério Público.

Senadores perguntaram ao indicado se ele vai zelar pela autonomia do órgão. O receio é de que Aras seja um chefe alinhado ao governo Bolsonaro. Os senadores Esperidião Amin (PP-SC), Fabiano Contarato (Rede-ES) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE) foram alguns dos que levantaram a questão durante a sabatina. O subprocurador negou submissão ao governo e falou que não faltará independência no exercício da função.

Relator da indicação, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) afirmou que essa é uma preocupação também da população. Ele leu uma pergunta feita por um cidadão por meio do Portal e-Cidadania: "até que ponto a população pode acreditar que haverá interferências na PGR de outros poderes?”

— Não há alinhamento no sentimento de submissão a nenhum dos Poderes, mas há evidentemente o respeito que deve reger as relações entre eles e suas instituições. Asseguro que não faltarão independência e respeito a todas as opiniões — defendeu.

Para Aras, a lista tríplice trouxe corporativismo e alimenta conduta de clientelismo e o "toma lá, dá cá".

— O corporativismo que a lista tríplice trouxe a partir de 2003 é exatamente aquele que atomiza, que faz com que cada membro do Ministério Público seja um Ministério Público, que cada membro do Ministério Público caia na armadilha não do ativismo, que é uma expressão mais voltada para o Judiciário, mas, quem sabe, do voluntarismo ou de uma verdadeira atividade caprichosa de alguns membros do Ministério Público — argumentou.

Ativismo judicial

O senador Marcos Rogério (DEM-RO) disse que o Brasil precisa na PGR de uma pessoa como Aras. Ele criticou a “prática de reescrever o texto constitucional por decisão jurisdicional”. Segundo o parlamentar, o STF muitas vezes invade a competência do Congresso de legislar por “suposta omissão”.

— Quem tem o dever de exercer o papel de freio, não exerce. Quando os Poderes se acham acima da Constituição, é a balbúrdia, a barbárie. O poder emana do povo, e não o contrário — afirmou Marcos Rogério.

Ao tratar de interpretações do STF sobre a Constituição, Aras apontou que questões como aborto e descriminalização da maconha são temas relevantes e devem ter atenção do Congresso, e não de ativismo judicial". Segundo ele, “é preciso saber em que nível está operando o Supremo, se está no nível da interpretação, se está no nível da mutação ou se está usurpando as competências do Senado e da Câmara".

Costumes

Durante a sabatina, senadores também buscaram conhecer mais a fundo a posição de Aras sobre direitos humanos, liberdade religiosa e respeito à diversidade. O senador Fabiano Contarato (Rede-ES), que é homossexual, lembrou que Aras assinou uma carta de compromisso com uma série de “valores cristãos” descritos pela Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), que trata de temas como “cura gay”, “ideologia de gênero” e considera como famílias apenas aquelas formadas por heterossexuais.

— Eu sou delegado de polícia há 27 anos, eu sou professor de Direito há 20 anos e estou como senador da República. Eu tenho muito orgulho da minha família. Eu tenho um filho. O senhor não reconhece a minha família como família? Eu tenho subfamília? Essa carta diz isso, senhor procurador. E diz mais: estabelece a cura gay. Eu sou doente, senhor procurador?

Em resposta, Augusto Aras admitiu ter assinado a carta sem ler. Garantiu não acreditar em cura gay e manifestou apoio ao casamento de pessoas do mesmo sexo. Ele defendeu, contudo, que a permissão ocorra por decisão do Congresso, e não do Supremo.

— Minha única ressalva é de ordem formal. Eu me sentiria muito mais confortável, por mim e pelos meus amigos e amigas que têm casamento em todos os sentidos com pessoas do mesmo sexo, com uma legislação, com uma norma constitucional em que eu não lesse, nessa Constituição, "homem" e "mulher", mas em que eu lesse "pessoa", "cidadão" ou "cidadã" — defendeu.

Direitos indígenas

Diante de questionamento do senador Rogério Carvalho (PT-SE) sobre a atuação do Ministério Público em relação ao direito coletivo, Aras admitiu que há hoje um passivo nessa área.

— Realmente nós temos um passivo dos direitos difusos e coletivos no Brasil pelo Ministério Público. Nós temos uma falta, uma lacuna. O Ministério Público precisa, sim, voltar a atuar não somente nos holofotes do combate à macrocriminalidade, mas também atuar efetivamente na defesa das minorias — defendeu.

Em relação aos direitos dos indígenas, Augusto Aras defendeu a produção agrícola em terras ocupadas por índios.

— É preciso compreender que o índio, na sua dignidade de ser humano, também quer vida boa, também quer vida compatível com suas necessidades. O índio não quer pedir esmola, o índio não quer viver ao lado de quem produz no agronegócio, e ele tem cem mil hectares de terra disponível e não pode produzir — apontou.

Questões ambientais

Senadores também manifestaram preocupação com os posicionamentos do indicado em relação ao meio ambiente. Eduardo Braga pediu explicações sobre o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada na última terça-feira (24). Para Aras, é fundamental combinar crescimento econômico, proteção ao meio ambiente e direito à repartição igualitária de todos os cidadãos sobre os recursos naturais.

— Aumentando a zona comum daquele crescimento econômico com proteção ambiental e mais o direito igualitário de repartição desses recursos naturais, nós temos, aí sim, desenvolvimento sustentável, temos a proteção ao meio ambiente e temos, enfim, não um discurso vazio ou desnecessário, mas um discurso científico, didático e técnico — afirmou.

Nepotismo

Questionado sobre a possível indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, para o cargo de embaixador nos Estados Unidos, Aras avaliou que o caso não configura nepotismo. Ele citou uma súmula do Supremo Tribunal Federal segundo a qual a restrição não se aplica a cargos políticos.

— Em todos os estados e municípios, há filhos e parentes de primeiro e segundo grau ocupando cargos em secretarias de estado ou em secretarias de município, sem que isso atinja nenhum valor constitucional. Evidentemente, esta Casa é soberana e poderá decidir o que pensa acerca desse tema e merecerá o meu respeito, porque o meu pensamento é exatamente que nós somos o que devemos ser no Estado, seguindo esta Carta constitucional.

Abuso de autoridade

Questionado por senadores sobre o projeto de abuso de autoridade — que recebeu sua redação final com os vetos aplicados pelo Congresso Nacional —, Aras avaliou que “temos hoje uma lei que pode ter um bom efeito".

— Ontem esta Casa reduziu, derrubou metade dos vetos, reduzindo a 18 vetos. E com isso eu creio, acredito que temos no Brasil, hoje, uma lei de abuso de autoridade que pode alcançar sim a finalidade social a que se dirigia a norma e pode sim produzir um bom efeito, porque é preciso que quem trate com a coisa pública tenha o respeito devido ao cidadão — argumentou.

Golpe de 1964

Ao ser indagado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) sobre como definiria o "golpe de 1964 e o regime após o golpe?", Aras classificou o período como nebuloso, "que contou com a participação de membros Congresso e da sociedade civil".

— O movimento de 1964, gestado no Congresso, teve apoio da Igreja Católica. Discutir se houve golpe ou revolução não é adequado. É uma questão nebulosa. Do ponto de vista de um verdadeiro golpe, 1968 sim, houve um endurecimento, houve o AI-5 — disse Aras.

Advocacia

No início da reunião, Aras apresentou à CCJ documentos que comprovariam que ele se desvinculou de um escritório de advocacia e que devolveu sua carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Como ingressou no Ministério Público em 1987, antes da Constituição de 1988, Aras pode ser sócio em um escritório de advocacia mesmo integrando o MP. O subprocurador já havia se comprometido a deixar o escritório caso se tornasse PGR, mas se adiantou. Ele lembrou que procuradores-gerais da República nunca advogam enquanto estão no cargo, e sim antes ou depois de ocupar a função.

— Não só me retirei da associação de advogados com sede na Bahia, como devolvi meus documentos de identificação como advogado. Embora não devesse fazer do ponto de vista legal, faço do ponto de vista moral e do compromisso com esta casa — anunciou.

O relator da matéria, Eduardo Braga, e a presidente da CCJ, senadora Simone Tebet (MDB-MS), elogiaram o gesto de Aras de deixar a sociedade no escritório antes mesmo da sabatina.

Perfil

Aras nasceu em Salvador em 4 de dezembro de 1958. Graduou-se em Direito pela Universidade Católica de Salvador, em 1981. É mestre em direito econômico pela Universidade Federal da Bahia (UFBA); e doutor em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É professor da Universidade de Brasília (UnB). Ingressou no Ministério Público Federal (MPF) por concurso público, tendo tomado posse em 1987, no cargo de procurador da República. Em 1993, foi promovido a procurador regional da República e, desde 2011, é subprocurador-geral da República.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)