Na CDH, governo e entidades divergem sobre impacto da reforma da Previdência nos municípios

Da Redação | 09/09/2019, 15h40

Muitos estados e municípios já não conseguem arcar com o financiamento de seus regimes próprios de Previdência Social, o que leva a quadros de constantes atrasos no pagamento dos benefícios e de comprometimento da capacidade de investimentos. Esse foi o cenário apresentado pelo representante da secretaria de Previdência do Ministério da Economia, Allex Rodrigues, durante debate nesta segunda-feira (9) na Comissão de Direitos Humanos (CDH).

— Falo dos estados e municípios, mas falo também do governo federal, todos com sérias dificuldades para honrarem as despesas obrigatórias. Já há vários municípios e estados sem pagar aposentados. São casos de conhecimento público. Se não resolvermos o deficit estrutural que assolou o regime da Previdência pública, se não descomprimirmos o Orçamento, se não deixarmos sobrar nenhuma outra receita para investimentos em outras políticas, em pouco tempo o Congresso Nacional terá que decidir quais compromissos com a sociedade o Orçamento irá cumprir, e quais outros terão que ser suspensos — alertou o representante do governo.

Rodrigues ainda detalhou que a secretaria de Previdência, desde que ainda era um ministério à parte na estrutura do governo federal, há muitos anos recebe prefeitos e governadores "todos os dias" relatando quadros de dificuldades crônicas na manutenção de seus regimes próprios de aposentadoria de servidores. Disse que a sustentabilidade desses sistemas foi corroída por um índice expressivo de "aposentadorias precoces", mesclado com o aumento da sobrevida do brasileiro.

— O deficit financeiro nos regimes próprios das prefeituras de capitais passou de R$ 7 bilhões para R$ 11 bilhões entre 2017 e 2018. E os deficits atuariais das prefeituras como um todo também são crescentes, em torno de R$ 1 bilhão — finalizou Rodrigues.

Críticas sindicais

Enquanto a fala do representante do governo se ateve aos regimes próprios ligados ao poder público nos municípios, os representantes de entidades sociais voltaram suas críticas para o impacto da PEC 6/2019 sobre o regime geral de Previdência (RGPS) e, consequentemente, na economia das cidades.

Aurora Miranda, da Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita (Anfip), entende que a reforma terá um impacto arrasador para a economia da maioria das cidades do interior do país. A entidade avalia que o texto atual impedirá que milhões de trabalhadores se aposentem, e mesmo quem conseguir se aposentar, terá seus vencimentos achatados, gerando um círculo vicioso de empobrecimento por todo o país.

— Dados do próprio governo mostram que 70% dos municípios dependem do pagamento de benefícios previdenciários. E isso não é só no Nordeste, não; é em todas as regiões. Nos grotões deste país, quem faz 50 anos de idade já está completamente fora do mercado de trabalho e ainda muito longe da aposentadoria. O dinheiro da Previdência hoje é o motor da economia de mais de 3 mil cidades, é o que movimenta o comércio, mercearias, padarias, farmácias e ajudam na educação de filhos e netos. Esse sistema, que reduz a pobreza e a miséria, será paulatinamente destruído pelas novas regras, levando a uma queda no acesso à renda de milhões de famílias e na arrecadação municipal — lamentou.

Ela ainda alerta que a informalidade tem explodido no país, fruto da reforma trabalhista (Lei 13.467, de 2017), o que também impacta a arrecadação previdenciária. Ela ainda teme que os próprios trabalhadores acabem por se desinteressar em contribuir para um sistema "sabendo que não irão se aposentar".

Perdas bilionárias

José da Mota Filho, da Sociedade Brasileira da Previdência Social (SBPS), afirmou que a PEC 6/2019 retirará R$ 5,2 bilhões da economia real já a partir de 2020, somente no que tange às novas regras de acesso ao abono salarial. E que o impacto será maior a cada ano que passa. Mota Filho é outro que criticou o impacto da reforma para a economia de pequenas cidades, utilizando levantamentos da própria Previdência.

— 76,7% dos municípios recebem mais recursos do INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] do que do FPM [Fundo de Participação dos Municípios]. É evidente que a restrição dos benefícios, a diminuição dos valores e as supressões ao longo do tempo impactarão essas cidades. Isso vai ter que ser compensado por um aumento do FPM na reforma tributária — disse o diretor da SBPS.

Mas Mota Filho fez questão de ressaltar também o impacto do dinheiro do INSS para as grandes capitais. Lembrou que São Paulo recebe hoje R$ 25,7 bilhões a mais por ano de recursos de aposentadorias e pensões do que do FPM. Já o Rio de Janeiro recebe R$ 16 bilhões a mais.

— Todo esse dinheiro, tanto faz se vai para grandes capitais ou pequenos municípios do interior, transforma-se quase todo, automaticamente, em consumo. As famílias mais pobres não têm capacidade de poupança, especialmente as que recebem entre 1 e 2 salários mínimos. Então todo este dinheiro é transformado em consumo de itens básicos, serviços, bens duráveis, saúde e educação. E tudo isso também vira ICMS [imposto estadual] que volta para estados e municípios — afirmou.

Ao final, Mota Filho ainda criticou o governo por "nada fazer" no combate a empresas que sonegam a Previdência. O presidente da CDH, Paulo Paim (PT-RS), disse que estes débitos já passaram de R$ 600 bilhões, com índices de apropriações indébitas que atingem R$ 30 bilhões por ano.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)