Aplicação do Código Florestal ainda traz insegurança jurídica, dizem debatedores

Da Redação | 22/08/2019, 17h37

O Senado debateu nesta quinta-feira (22) em sessão temática o PL 3.511/2019, do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), que modifica o Código Florestal (lei 12.651), com o objetivo declarado de dar mais aplicabilidade ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) e ao Programa de Regularização Ambiental (PRA).

Heinze presidiu o debate e garantiu que seu objetivo é tornar o Código Florestal mais condizente à vida prática dos milhões de produtores brasileiros, que no seu entender ainda sofrem de grande insegurança jurídica, fruto do protagonismo de juízes de 1ª instância e promotores.

— Um dos objetivos do Código Florestal — eu participei do processo como deputado — era muito claro que era consolidar atividades agrosilvipastoris. Mas, infelizmente, isto está sendo interpretado de forma diferente. No bioma pampa por exemplo, há milhares de ações de promotores alegando que não se pode mexer no campo nativo. Os jesuítas chegaram ao Rio Grande do Sul e introduziram a pecuária há mais de 300 anos, e agora dizem que não pode mais. Só no meu estado já aplicaram de 30 a 40 milhões [de reais] de multas a produtores que já exerciam a pecuária, multas entre R$ 7 mil a R$ 8 mil por hectare. Conheço gente que não planta há mais de dois anos — reclamou o senador, explicando que seu projeto tem, entre outros, o objetivo de atender quem já exercia as atividades agrosilvipastoris de forma consolidada.

O presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), deputado Alceu Moreira (MDB-RS), foi na mesma linha e também acredita que o PL 3.511/2019 atende ao pleito do setor.

— Lá no Sul, os promotores dizem que mesmo nas áreas consolidadas, de campo nativo, se altera o cultivo, a pessoa é obrigada a estabelecer a reserva legal de 20%. Isso é algo totalmente injusto. Área consolidada é consolidada, não importa se planta milho, morango, tira leite ou cria gado — esbravejou, indignado, o deputado.

Ativismo judicial

Também sobraram críticas à atuação do Ministério Público (MP) e de juízes de 1ª instância na fala do ex-deputado Aldo Rebelo (Solidariedade-SP), que foi o relator do Código Florestal na Câmara.

— O artigo 68 é muito claro, foi negociado à exaustão, e explicita que quem no passado suprimiu vegetação nativa num percentual permitido pela então legislação em vigor, está dispensado de compensar pelo atual Código Florestal. O problema é que no Brasil, em muitos domínios, as leis perderam força. O que vale é o que pensa o juiz ou o promotor. Aprovamos um Código, mas o MP e juízes de 1ª instância transformaram este Código numa outra coisa — protestou.

Quem também elogiou o PL 3.511/2019 foi o jurista Leonardo Papp, para quem o projeto reconhece o tratamento diferenciado à pequena propriedade, previsto no Código Florestal, e permite uma aplicação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e do Programa de Regularização Ambiental (PRA) mais condizente com a realidade vivida no campo brasileiro.

Desmatamento cresce

O PL 3.511/2019 também foi criticado durante o debate. O biólogo João Paulo Capobianco, que foi secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente (MMA) durante a gestão de Marina Silva (2003-2008), citou dados oficiais que atestam o aumento do desmatamento em quase todos os biomas do país. Ele teme que mudar o Código Florestal neste momento acrescenta mais um ingrediente ao problema, pois avalia que o poder público estará transmitindo outra mensagem de leniência contra a pauta ambientalista, jogando mais lenha na fogueira das práticas predatórias.

— Entre 2006 e 2017, o Brasil desmatou mais de 96 mil km² na Amazônia. E outros 134 mil km² no Cerrado. O país tem avançado muito rapidamente na destruição dos biomas. Temos a maior diversidade biológica do mundo graças a estes múltiplos biomas. E é esta riqueza inclusive que permite o alto desenvolvimento produtivo que atingimos. Tenho certeza que nenhum produtor rural é contra que nos esforcemos na preservação desta diversidade — defendeu.

Capobianco detalhou que hoje, com a exceção do bioma amazônico, todos os outros padecem de deficits de áreas protegidas. Para ele, o agronegócio deveria lutar, junto com os ambientalistas, pela implantação efetiva do atual Código Florestal. Isto traria mais segurança jurídica a todos. Ele está convencido de que, se o PL 3511/2019 for aprovado, no dia seguinte a questão já estará judicializada e o cenário de insegurança jurídica no setor estará ainda mais generalizado.

Por fim, Capobianco garantiu que o Código Florestal, como qualquer outra lei que entra em vigor no país, "não retroage". Portanto, ele faz coro a Rebelo e aos demais participantes que reclamam do ativismo judicial que exige a recomposição de áreas nativas consolidadas.

Imagem internacional

Quem também criticou o PL 3511/2019 foi Andre Guimarães, diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Para ele, aprová-lo agora dará ainda mais munição ao discurso internacional de que o Brasil está destruindo o meio ambiente.

— 30% do nosso PIB [Produto Interno Bruto] está ligado ao uso da terra. Quando a gente fala em mexer no Código Florestal, que sinal estamos mandando aos nossos clientes, que compram esta produção? Estive recentemente num evento com o presidente da Cofco [empresa estatal chinesa, maior importadora mundial da produção brasileira], e eles priorizam a sustentabilidade. Modificar uma legislação que pode gerar mais desmatamento não faz sentido. O estado de São Paulo passa agora por milhares de focos de incêndio, o ciclo da chuva no Xingu já diminuiu e a produção lá está caindo. Nos tornamos grandes produtores porque aqui temos água, solos férteis e biodiversidade que poliniza as culturas. Temos sempre que harmonizar produção e conservação — concluiu Guimarães.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)