Prisão em segunda instância divide debate na CCJ sobre projetos anticrime

Da Redação | 04/06/2019, 16h43

A maioria dos participantes da audiência pública desta terça-feira (4), que debateu o Projeto de Lei 1.864/2019, defendeu que as alterações propostas à legislação penal brasileira são boas, apesar de merecem aprimoramentos, mas se dividiram em um ponto conflituoso: a prisão após julgamento em segunda instância.

Na reunião da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) feita a pedido do relator do projeto, senador Marcos do Val (Cidadania-ES), a procuradora Raquel Branquinho lembrou que a Suprema Corte já consolidou esse entendimento, e considera ser plenamente possível ao Judiciário brasileiro a execução da pena após a condenação por juízes de apelação, que é onde se avalia a questão probatória. A mudança também foi apoiada pelo procurador Douglas Fischer.

— Quando se começou a ter esse tipo de punição, efetivamente o custo do crime passou a ser mais pensado, mais dificultoso e com essa consolidação pelo Parlamento brasileiro, vamos ter resultado muito mais eficaz. Toda essa sistemática prevista no Código de Processo Penal e na Lei de Execução Penal em relação à execução da pena a partir da condenação em segundo grau é um avanço, uma consolidação do que já temos, mas que precisa ser feita — disse Raquel.

Entretanto, na visão do especialista em Direito Processual Penal, Gustavo Badaró, o projeto fez uma leitura deturpada da posição do Supremo. Segundo o jurista, o STF não disse que a condenação por órgão colegiado permite a execução da pena, mas sim que a condenação em segundo grau, terminadas as instâncias ordinárias, possibilita a prisão. Como está redigido, o projeto já permite a prisão se houver condenação pelo Tribunal do Júri, que ainda é primeira instância, apesar de ser órgão colegiado.

— O projeto de lei propõe que no Tribunal do Júri, porque o júri é colegiado, que o réu condenado em primeiro grau pelo Tribunal do Júri já possa ter sua pena executada imediatamente. Isso me parece claramente inconstitucional e incompatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos, ainda mais no júri, que os jurados decidem de forma não motivada, há um menor controle sobre erro ou acerto da decisão dos jurados. Peço que analisem a questão e eliminem essa possibilidade, porque me parece claramente inconstitucional — disse.

Plea bargain

Bruno Calabrich, procurador regional da República, defendeu os três acordos penais propostos no projeto, que sugerem mecanismos de solução negociadas e saídas abreviadas em processo penal.

— O processo penal arcaico é um processo penal em que não há espaço para negócios jurídicos, não há espaços para soluções negociadas. O processo penal moderno é um processo penal que se abre ao consenso, que se abre à participação das partes para a solução. O processo penal moderno tenta superar o modelo litigioso, tenta conferir mais poderes ao réu na decisão sobre o seu destino processual — afirmou.

Ele explicou que um desses acordos, de admissão de culpa, tem recebido críticas injustamente, já que é diferente do plea bargain, praticado nos Estados Unidos. Pode ser aplicado a qualquer crime, independentemente da pena, para casos em que a denúncia já foi oferecida e recebida e o juiz já julgou haver justa causa para o processo. Na justiça americana, há mínima intervenção judicial e na proposta brasileira, as partes sugerem a pena a ser aplicada e o juiz é quem vai determiná-la.

— Há uma intervenção muito forte, muito intensa do Poder Judiciário sobre o controle, não só sobre a forma, não só sobre voluntariedade, a ausência de coação, mas também sobre o conteúdo do acordo. Me parece bem saudável que haja isso, uma interferência, uma participação maior do Judiciário nesses acordos — defendeu.

Whistle Blower

Ivan Carvalho, juiz federal do Rio Grande do Norte, pediu atenção dos senadores para a figura do “informante do bem” (chamado de whistle blower, em inglês), uma pessoa que leva ao conhecimento de autoridades informações sobre um ilícito civil ou criminal, sem que dele faça parte.

Para o juiz, a proposta é democrática e ética, mas está escondida no projeto e corre o risco de “não pegar”. Ele defendeu que haja uma boa estrutura normativa para segurança e proteção do informante e credibilidade do sistema de apuração dos fatos informados.

— Corremos o risco de colocar em um projeto amplo algo que vai ficar esquecido e a contribuição que esse instituto poderia trazer no enfrentamento da criminalidade poderia ser zero — disse.

Carvalho sugeriu ainda que se aumente a recompensa, a participação garantida ao informante sobre o valor recuperado, fixado em 5% no projeto. Na visão do juiz deveria considerar o paradigma dos honorários advocatícios, até 20%, ou obedecer a uma escala de proporção de valores recuperados.

Prescrição retroativa

Douglas Fischer, procurador da República, afirmou que o projeto deveria mudar o sistema de prescrição das penas e acabar com particularidades como a prescrição retroativa, quando ocorre a diminuição do prazo prescricional a depender da pena aplicada. Ele defendeu que a prescrição ocorra pela pena em abstrato, e não também pela pena aplicada no caso concreto como ocorre hoje. Além disso, defendeu que o prazo prescricional seja suspenso sempre que houver algum recurso para instâncias superiores.

— Esse instituto não existe em nenhum lugar do mundo — disse.

Raquel Branquinho também sugeriu o aumento das penas para peculato e corrupção ativa e passiva, que hoje variam de 2 a 12 anos, mais multa.

Presos

Voz dissonante, o representante da Ordem dos Advogados do Brasil, Eduardo Toledo, afirmou que o endurecimento das penas proposto pelo projeto pode gerar mais problemas para o sistema prisional, ao elevar o encarceramento no país, que já sofre com a falta de espaço para os atuais 730 mil presos.

— É muito importante analisar consequências que gerarão essas mudanças legislativas e os custos delas, quais benefícios virão para a sociedade brasileira —afirmou.

A senadora Juiza Selma (PSL-MT) afirmou que apresentará emendas para modificar os acordos de delação premiada. Sua preocupação é que haja mais participação do Judiciário nesses acordos, em vez de o juiz atuar como mero homologador do acerto firmado por outros órgãos.

Já a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) informou que apresentará sugestões de mudança ao texto, especialmente quanto ao Fundo Nacional de Política Antidrogas, para que não seja contingenciado e possa ser usado na área educacional.

Projeto

O PL 1.864/2019 altera 13 leis e decretos nas áreas de atuação policial, regras de processo penal, banco de dados, progressão de regime, corrupção e enriquecimento ilícito, entre outros e compõe o conjunto de medidas anticrime e anticorrupção do governo federal.

As ações anticrime chegaram à Câmara em fevereiro. São três projetos de lei assinados pelo presidente Jair Bolsonaro e defendidos pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Em março, a senadora Eliziane Gama apresentou no Senado três projetos com o mesmo teor das matérias enviadas à Câmara pelo Poder Executivo. O PL 1.864/2019 é considerado a espinha dorsal do pacote.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)