Previdência: debate expõe preocupação de especialistas com capitalização

Da Redação | 20/05/2019, 13h58

O sistema de capitalização da Previdência, previsto na PEC 6/2019, foi o assunto de uma audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) nesta segunda-feira (20). O requerimento para o ciclo de debates é de autoria do presidente do colegiado, senador Paulo Paim (PT-RS).

A capitalização funciona como uma espécie de poupança: o dinheiro descontado mensalmente do salário de cada trabalhador vai para uma conta individual, e não se mistura com as contribuições dos demais beneficiários. Pelo sistema atual, o de repartição, os pagamentos feitos pelo pessoal da ativa financiam as aposentadorias dos inativos.

O diretor de Defesa Profissional e Assuntos Técnicos da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), Mauro José Silva, considerou a capitalização um “sistema complicado do ponto de vista do trabalhador”. Para ele, além de significar a “transferência de renda” dos empregados para os bancos, essa modalidade não cobrirá benefícios já existentes, como o salário família e o salário maternidade.

Conforme nota técnica da Unafisco, apresentada por Silva, o valor das contribuições previdenciárias arrecadadas de empregados e empregadores foi de R$ 423,06 bilhões em 2018. Já a previsão de acréscimo no faturamento médio anual para as instituições financeiras, num sistema de capitalização, pode ser estimado em até R$ 388 bilhões, nos próximos 70 anos.

Silva explicou que o sistema proposto na PEC 6/2019 resultará num valor acumulado pelo trabalhador, ao fim de 40 anos de contribuição, de R$ 275.804,02. Entretanto, a remuneração dos bancos, prevista na reforma, consumiria R$ 105.701,43 dessa quantia, o que equivale a mais de 62% do valor do patrimônio do empregado. Assim, esse trabalhador ficaria com apenas R$ 170.102,58.

No 59º ano, após ingressar no sistema de capitalização, esta porcentagem ultrapassaria os 77%. Um cenário que, segundo Silva, possibilitaria o recebimento de uma aposentadoria no valor de R$ 750, o que equivale a apenas um quarto do total contribuído.

— Um sistema sem empregador, e com instituição financeira, é um fracasso. É condenar o trabalhador à miséria — concluiu.

Preocupações

Economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Juliano Musse disse que o cenário é preocupante. Ele considerou a PEC 6/2019 uma “reforma impositiva” porque, segundo afirmou, a medida não passou por uma prévia discussão com os trabalhadores. Ao questionar quem são os maiores interessados com a reforma da Previdência, Juliano ponderou que outras questões, como o desemprego, a informalidade e a saúde dos trabalhadores que enfrentam doenças crônicas são mais urgentes e deveriam ser o foco do debate.

— A reforma é importante, mas desde que não minimize direitos sociais conseguidos com a Constituição de 1988.

O consultor do Senado Luiz Alberto dos Santos frisou que a PEC 6/2019 não é de fácil compreensão. Para ele, o texto apresenta contradições, traz incertezas e tende a gerar custos diferenciados para a empregabilidade das pessoas. Ao ressaltar que os mercados demonstram volatilidade ao longo do tempo, o especialista disse que o regime previdenciário baseado na capitalização pressupõe uma renda questionável, porque dependerá de quanto, efetivamente, aquela aplicação renderá.

— No Brasil, nós temos renda média muito baixa. As pessoas não têm dinheiro para destinar a uma sistemática de provisão fora do regime público, e essa é uma diferença fundamental.

Retrocessos

O representante do Coletivo Nacional de Advogados de Servidores Públicos, Guilherme Zagallo, alertou que experiências de privatização da Previdência significaram retrocessos em outros países: estagnação das taxas de cobertura, diminuição do valor dos benefícios e aumento da desigualdade de renda. Para o advogado, a desconstitucionalização da aposentadoria, pretendida pelo Executivo, significa um risco político porque, a cada governo, pode-se criar novas regras para a concessão do benefício.

O advogado mencionou que o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias veda a renúncia de receita que a capitalização causará, desacompanhada da estimativa de impacto orçamentário e financeiro. Ele lembrou que o Brasil já passou por uma tentativa de privatização antes da instituição do INSS, quando houve a unificação dos regimes, mas disse que a medida não obteve sucesso. Guilherme comentou, ainda, que esse assunto tem sido omitido no debate sobre a PEC 6/2019.

— Não fomos bem-sucedidos no passado, em relação à experiência de capitalização. A promessa de melhoria da economia por meio dessa reforma não altera a realidade. É uma bomba social de efeito retardado.

O coordenador do Movimento Legislação e Vida, Hermes Rodrigues Nery, considerou o sistema de capitalização o ponto mais grave da PEC 6/2019. Para ele, as poupanças pessoais são “qualitativamente diferentes” da seguridade social, já que não dispõem de garantia, nem previsibilidade. Além disso, Nery ressaltou que “poupar de maneira suficiente para uma aposentadoria decente é difícil para muitos trabalhadores”.

Contraponto

Secretário de Previdência da Secretaria de Previdência do Ministério da Economia, Leonardo José Rolim Guimarães disse que o Brasil enfrenta um desafio demográfico em relação à sustentação da Previdência. Segundo ele, até os anos 1970, o país não tinha problemas para manter o sistema, mas esse quadro mudou porque o número de benefícios previdenciários quase dobrou nos últimos 20 anos.

De acordo com Rolim, na década de 1980, havia 14 pessoas em idade ativa de contribuição com a seguridade para cada idoso passível de receber o benefício. Atualmente, a estimativa é de 7 para 1 e, em 2060, a previsão é de que haja 2,3 pessoas contribuindo, para cada cidadão aposentado.

— Daqui a 40 anos, teremos quase o triplo das pessoas em idade de aposentadoria, e 5% a menos das pessoas em idade ativa que temos hoje. Assim, fica óbvio que o sistema, da maneira como está, não se sustenta. Ou as pessoas contribuem por um tempo muito elevado e recebem o benefício por muito pouco tempo, ou redesenhamos esse modelo.

Leonardo Rolim sustentou que a nova Previdência não foi apresentada sem os estudos adequados. Ele declarou que a PEC 6/2019 autoriza a criação de um sistema de capitalização obrigatório, mas disse que a medida será regulamentada por lei complementar. Também garantiu que o Brasil está pronto para a mudança, porque tem experiências bem-sucedidas nessa área.

— Fizemos estudos comparativos sérios e acreditamos muito no trabalho feito. Esse modelo vai libertar as futuras gerações dessa pirâmide financeira, que é o sistema atual. Entendemos que essa é uma forma de trazer uma realidade muito melhor do que a que temos hoje.

Portal e-Cidadania

Pessoas de vários estados participaram da audiência pública, por meio do portal e-Cidadania. Rogério Jose Mathias da Silva, do Rio de Janeiro, disse que a PEC 6/2019 enfrenta rejeição porque “deforma” os direitos dos trabalhadores. Para ele, essa medida do governo “é contra o Brasil”.

Sebastião Tomaz, de São Paulo, quis saber o que vai ser do trabalhador, após a extinção do Ministério do Trabalho (o órgão foi reestruturado no governo Bolsonaro e teve suas atribuições divididas entre o Ministério da Economia, o Ministério da Cidadania e o Ministério da Justiça e Segurança Pública).

Para Pedro George de Brito, do Rio Grande do Norte, o modelo de capitalização da Previdência pretendido pelo governo significa uma atuação “exploratória dos bancos”, o que não torna a medida interessante aos contribuintes, nem ao país. Maria de Fátima Anselmo, também de São Paulo, considerou que “o problema do Brasil é a falta de transparência por parte dos gestores da Previdência”. Já Josué Muniz Costa, do Pará, defendeu que a migração para o novo modelo previdenciário ocorra de maneira progressiva.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)