Funcionários da Vale negam que soubessem de risco em Brumadinho

Da Redação | 14/05/2019, 19h13

Dois funcionários da empresa Vale S.A. negaram nesta terça-feira (14) que soubessem da possibilidade de rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais. Marilene Christina Araújo e Silmar Magalhães Silva foram convocados a depor na comissão parlamentar de inquérito instalada no Senado para apurar as causas do desastre, que matou 229 pessoas e deixou outras 48 desaparecidas no dia 25 de janeiro.

No início da reunião, o relator da CPI de Brumadinho, senador Carlos Viana (PSD-MG), leu trecho de um e-mail enviado por Marilene Araújo para um grupo de diretores da Vale em outubro de 2018. Na ocasião, ela era gerente de Gestão de Estruturas Geotécnicas da companhia. Na mensagem eletrônica, Marilene Araújo faz referência a um painel de especialistas internacionais reunidos em Belo Horizonte (MG) para discutir a segurança dos equipamentos da empresa. De acordo com o e-mail, a barragem de Brumadinho “requer mais investigação e monitoramento de campo para identificar e projetar medidas complementares mais eficientes, a fim de reduzir o risco atual”.

Para o relator da CPI, “está muito claro de que havia um senso claro de conhecimento do risco”. Mas Marilene Araújo nega. Ela afirma que, apesar de ter comunicado as conclusões do painel às instâncias operacionais da Vale, os especialistas fizeram apenas recomendações “generalistas” fundamentadas em “análises hipotéticas” e não apontaram “nenhum risco iminente”.

— Encaminhei para os responsáveis pelas estruturas, que deveriam implementar as ações propostas pelo painel. Só quem cuida da estrutura pode decidir sobre a estabilidade, a condição e a segurança de uma barragem. Todos os resultados consolidados foram apresentados em vários fóruns de tomada de decisão e foram distribuídos sistematicamente para as áreas operacionais “donas” das estruturas. Não recebi nenhuma resposta de nenhum dos diretores — afirmou.

Marilene Araújo disse ainda que desempenhava uma “função administrativa” na Vale e não tinha como função suspender a operação da barragem de Brumadinho. Segundo ela, essa atribuição era de três responsáveis técnicos do equipamento: os funcionários Cristina Malheiros, Lúcio Mendanha e Rodrigo Melo. A gestora, no entanto, preferiu não culpa-los pelo desastre.

— Existe um processo de investigação. Somente esse processo vai poder apontar as causas e as responsabilidades associadas. O que posso afirmar é que a gestão de segurança de uma estrutura e a tomada de decisão são responsabilidade exclusiva da geotecnia operacional. É por isso que essas equipes estão na área no dia a dia — afirmou.

Responsabilidade

Os senadores ouviram ainda o depoimento de Silmar Magalhães Silva, ex-diretor de operações do Corredor Sudeste da Vale. Ele foi um dos funcionários da companhia que recebeu o e-mail de Marilene Araújo com a conclusão dos especialistas internacionais sobre a situação da barragem de Brumadinho. Para o funcionário, “o painel destacou que a barragem tinha fator de segurança adequado”. Ele também se recusou a apontar responsáveis pelo desastre.

— A investigação do acidente está em curso. Eu seria leviano de apontar responsáveis enquanto não houver as causas do acidente — disse.

O senador Carlos Viana criticou a postura dos funcionários após o alerta dos especialistas.

— Tudo isso ficou sendo divulgado de um para o outro, e ninguém tomou providência nenhuma? Como é que pode um negócio desses? Que empresa é essa? Todos vocês são muito graduados, todos vocês tiveram a informação. Todos. Mas ninguém tomou providencias para salvar aquelas 300 vidas? O que faltou? Quem não tomou as providências para que aquelas pessoas fossem evacuadas? De quem é a responsabilidade? — indagou Carlos Viana.

Silmar Silva e Marilene Araújo informaram durante a reunião que têm os advogados pagos pela Vale. Embora afastados do serviço desde fevereiro, os funcionários continuam recebendo salários da empresa. Para a presidente da CPI de Brumadinho, senadora Rose de Freitas (Pode-ES), “há uma estratégia montada” pela mineradora.

— Todos são inocentes. Atribuem responsabilidades aos outros. Ninguém assume nada. Ninguém leu nada. Ninguém viu nada. Ninguém sabe de nada. Todos são inocentes — ironizou.

Para o senador Jorge Kajuru (PSB-GO), o discurso dos convocados deixa a impressão de que “a Vale é uma santa”.

— A gente tem o papel de perguntar, de questionar. Mesmo a gente vendo aqui um treinamento quase que alemão. Antes de cada um chegar aqui, parece que ficou doze horas ali ouvindo alguém o doutrinando: “Responda assim, responda assim, responda assim, porque eu pago o seu salário, porque eu pago o seu advogado, porque eu sou a Vale, eu compro fulano, eu compro beltrano”. Essa é a verdade, lamentavelmente — afirmou.

A senadora Juíza Selma (PSL-MT) classifica a postura dos funcionários da Vale como falta de ética.

— É muito decepcionante ver como as pessoas perdem seu senso ético para defender uma empresa por dinheiro. Elas perdem o senso ético e até esquecem as vidas que se foram. Preferem seguir negando o que foi escrito e dito para adotar o mesmo discurso padrão, como se tivessem entrado em uma linha de produção para sair com o mesmo discurso — lamentou.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)