Reforma da Previdência cria contribuição mínima para trabalhadores do campo

Da Redação | 07/05/2019, 11h44

Aumento na idade para as mulheres, aumento no tempo de contribuição para ambos os sexos e instituição de uma contribuição anual mínima são algumas das mudanças previstas para a aposentadoria rural na proposta de reforma da Previdência (PEC 6/2019), em análise na Câmara dos Deputados. De acordo com o governo, a área rural é responsável pela maior parte do deficit do Regime Geral de Previdência.

Dados apresentados pelo Ministério da Economia apontam que aposentados rurais representam 32% dos benefícios concedidos pelo Regime Geral de Previdência Social, mas respondem por uma parte proporcionalmente maior do deficit: 58%. A expectativa de economia na previdência rural, divulgada pelo governo em abril, é de R$ 92,4 bilhões.

Defensores das mudanças alegam que uma das principais razões para a distorção é o fato de os segurados especiais não precisarem comprovar contribuição para se aposentar. Esse tipo de aposentadoria especial é concedido a produtores rurais, extrativistas vegetais, pescadores e indígenas que trabalhem individualmente ou em regime de economia familiar. Já os trabalhadores rurais assalariados não são considerados segurados especiais e têm que comprovar tempo de contribuição.

O texto contém mudanças tanto na idade mínima quanto no tempo de contribuição para a aposentadoria rural. Atualmente, a aposentadoria por idade é concedida a trabalhadores rurais com idade mínima de 60 anos (homem) ou 55 anos (mulher) que tenham pelo menos 15 anos de trabalho no campo, sem necessidade de que tenham contribuído para a Previdência.

Com o novo texto, a idade continuará sendo de 60 anos para os homens. Para as mulheres, aumentará gradualmente, seis meses a cada ano, até se igualar à idade exigida para os homens. O tempo de atividade rural não mais bastará para que os segurados especiais conquistem o direito à aposentadoria. Se a PEC 6/2019 for aprovada, será necessário contribuir por pelo menos 20 anos para alcançar o benefício.


Mulheres

Para o senador Jorge Kajuru (PSB-GO), o aumento da idade mínima para as mulheres é um ponto que precisa ser revisto.

— Ao ampliar em mais cinco anos o tempo de contribuição e estabelecerem idade igual para as mulheres e homens, 60 anos, a proposta ignora as peculiaridades do trabalho no campo e ainda pune as lavradoras, que normalmente encaram jornada dupla no campo e dentro de casa.

A coordenadora da Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf) do Rio Grande do Sul, Cleonice Back, também diz que o governo desconsidera a realidade das mulheres do campo na reforma. Ela lembrou que a maioria das propriedades rurais ainda é administrada por homens e, por esse motivo, a autonomia financeira de muitas mulheres só acontece com a aposentadoria.

De acordo com o Relatório Acompanhamento Fiscal publicado em abril pela Instituição Fiscal Independente (IFI), a redução de gastos promovida pela mudança na idade mínima para as mulheres foi estimada em R$ 49,6 bilhões em dez anos, o que equivale a 7,4% da economia total estimada para os gastos do Regime Geral de Previdência. “O gasto previdenciário agregado subiria pouco, em proporção do PIB, de 8,9% em 2020 para 9,1% em 2029, mantendo-se, portanto, ainda relativamente estabilizado mesmo que essa alteração fosse retirada da PEC”, aponta o texto.

Formas de contribuição

A proposta em análise na Câmara prevê dois tipos de contribuição. Os assalariados rurais, contribuintes individuais e avulsos contribuirão com uma porcentagem dos rendimentos, assim como os trabalhadores urbanos contribuem para o INSS. A outra forma de contribuição é para os segurados especiais, válida para o produtor rural, extrativista ou pescador artesanal, cônjuge, companheiro e filhos de mais de 16 anos que exerçam atividade em regime de economia familiar, sem empregados permanentes.

Para esses segurados, a proposta determina uma contribuição sobre o resultado da venda da produção rural, respeitado o valor mínimo a ser definido posteriormente em lei. Não alcançada a contribuição mínima, a diferença deve ser recolhida para que seja mantida a condição de segurado. Enquanto a lei complementar não é editada, a proposta estabelece contribuição anual mínima de R$ 600 por grupo familiar.

Em nota sobre a reforma, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) lembrou que os agricultores familiares já contribuem para a Previdência Social. A contribuição é indireta, com uma alíquota incidente sobre a venda da produção rural. A responsabilidade de descontar o tributo e efetuar o recolhimento é da empresa para a qual o agricultor vende a sua produção.

Em entrevista à Agência Senado, o diretor de programa da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Leonardo Rangel, explicou que essa contribuição muitas vezes deixa de ser recolhida, quando, por exemplo, a produção é vendida para pessoas físicas ou consumida pelo próprio grupo familiar. O principal benefício da cobrança de uma contribuição mínima, explicou o secretário, não é resolver o déficit.

— O que está sendo proposto (R$ 600 ao ano por grupo familiar) de forma nenhuma pretende resolver o deficit. A Previdência rural vai continuar sendo subsidiada pela clientela urbana. O que a gente busca com essa contribuição módica, válida para o grupo familiar, é separar quem tem capacidade contributiva de quem é alvo da política assistencial, deixar bem delineado o que é Previdência Social e o que é assistência social — afirmou.

Rangel disse ainda que o produtor terá até junho do ano seguinte para complementar a contribuição. A ideia do dispositivo é dar ao agricultor mais tempo para de compensar possíveis quedas da safra ou outras eventualidades que causem diminuição da renda.


Fraudes

A necessidade de limites mais claros entre assistência e previdência foi uma das conclusões de estudo publicado em 2018 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). No texto, os pesquisadores Rebecca Maranhão e José Eustáquio Filho apontam discrepâncias entre a população rural e o número de beneficiários da Previdência rural. De acordo com o texto, em 2015, a população residente rural acima de 55 anos era de 6,2 milhões, número inferior ao de benefícios rurais, que era de 9,3 milhões.

Segundo os pesquisadores, os dados sugerem a fragilidade e o alto grau de subjetividade das provas que o trabalhador apresenta para comprovar as atividades no campo. “Essa subjetividade serve como brecha legal para fraudes perpetra­das por indivíduos que nunca contribuíram e não estão enquadrados como segurados especiais”, afirma o texto, que aponta como “interessante” a  instituição de uma contribuição dos segurados especiais.

Para a senadora Kátia Abreu (PDT-TO), muitos agricultores não têm como arcar com essa contribuição e o governo, para coibir as fraudes, poderia usar outros meios que não afetassem a parcela mais pobre da população.

— Um dos argumentos do governo é a suspeita de fraudes na Previdência rural. Ora, se há fraude, a polícia é quem precisa investigar, identificar e punir. Na realidade, fraude é a miséria e a pobreza em que vivem os produtores rurais deste país — criticou.

O combate a essas fraudes é um dos motivos alegados pelo governo para editar a Medida Provisória 871/2019, em análise no Congresso. A medida substituiu a declaração de atividade rural, fornecida pelos sindicatos rurais, pela autodeclaração de exercício de atividade rural para que o trabalhador possa dar entrada no pedido de aposentadoria rural. O exame e a ratificação da autodeclaração entregue pelo trabalhador rural será feito pelo próprio INSS.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)