Obras paralisadas impediram criação de 1,2 milhão de vagas em creches

Da Redação | 11/04/2019, 16h43

Das mais de 8.800 creches e escolas que deveriam ter sido construídas desde 2007, com o Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos da Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância), menos da metade foi finalizada e pouco mais de 1.400 foram entregues à população.

Isso significa que, no mínimo, 1,2 milhão de bebês e crianças não puderam ser matriculadas na rede pública nas vagas que, sem a conclusão das obras, não puderam ser abertas. O diagnóstico foi feito por especialistas em audiência pública da Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC), nesta quinta-feira (11).

As creches e pré-escolas foram financiadas com recursos da União, por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), mas contratadas pelos municípios, que recebiam os recursos por meio de convênios até 2012. Segundo os dados apresentados pelos órgãos de controle na reunião, os erros vão desde o método de construção escolhido até a falta de fiscalização na execução das obras levaram ao desperdício de recursos, levando ao elevado número de construções paralisadas ou nem sequer iniciadas. Foram R$ 6,4 bilhões repassados, de um total de R$ 13,7 bilhões previstos no Proinfância.

De acordo com José Paulo Barbiere, da Controladoria Geral da União (CGU), até março de 2017, das 8.824 creches pactuadas, 3.482 foram concluídas, sendo que, destas, somente 2.708 tinham todos os serviços plenamente executados e 1.478 estavam em funcionamento. 710 do total estão abandonadas, ou seja, o contrato com a construtora foi encerrado sem a finalização da obra. Outras 304 estão paralisadas, mas com contratos em vigor. A construção de 1.860 creches já havia sido cancelada sem nenhuma execução apesar de terem sido liberados recursos, levando ao desperdício de cerca de R$ 2 bilhões. Das 1.645 ainda em execução, 85% estão atrasadas ou paralisadas.

Se todas as creches e pré-escolas pactuadas tivessem sido concluídas, alertou Barbieri, mais de 1,8 milhão de vagas teriam sido abertas, número próximo aos 2,3 milhões de vagas necessárias para o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE), de matricular 50% das crianças de 0 a 3 anos em creches e 100% de crianças de 4 e 5 anos em escolas infantis. Com as 1.478 unidades em funcionamento, só foram ofertadas 600 mil novas vagas, um terço do que havia sido projetado inicialmente.

— O programa objetivava o aumento do número de vagas em escolas e creches, mas os números mostram claramente, devido a várias deficiências, que não se cumpriu, não demonstrou a que veio. Só ofertou um terço das vagas, além de outros números, problemas e deficiências que ainda precisam ser sanadas nas próximas gestões — lamentou Barbiere.

Método "inovador"

Para tentar incrementar o número de creches, no fim de 2012, o FNDE mudou o processo de contratação até então em vigor, que deixava a licitação e o gerenciamento da obra a cargo dos municípios, para um método diferenciado, a partir de projetos e processos padronizados de construções com materiais (como pré-moldados, por exemplo) distintos dos tradicionais cimento e tijolo. Com as especificações adotadas, apenas quatro empresas foram habilitadas no país, e as contratações das obras foram assumidas pelo FNDE, explicou Bruno Lima, do Tribunal de Contas da União.

À época, disse, o TCU se preocupou em levantar os riscos e recomendar ao FNDE que acompanhasse o desenvolvimento do programa e a qualidade das obras, já que a metodologia, então inovadora, ainda não havia sido testada. Apesar dos alertas do TCU, do Ministério Público Federal e dos Ministérios Públicos de Contas dos estados sobre os riscos da experiência, o processo não foi interrompido e, mais tarde, comprovou-se equivocado.

O resultado foi desastroso: das 3.500 obras pactuadas por esse método, apenas 121 foram entregues, ou 3% do total, segundo dados da CGU. Posteriormente, o FNDE cancelou essas obras e hoje só faz a contratação pelo “método tradicional”. Mas nenhuma empresa sofreu punições ou devolveu recursos porque nem municípios nem FNDE assumem a responsabilidade pela fiscalização.

— O FNDE fez a contratação, liberou os recursos, não puniu as empresas e, quando [os dirigentes] são questionado por isso, dizem que não é obrigação deles, é dos municípios que contrataram. Como assim? Você faz a ata, libera o dinheiro e não vai punir a empresa que abandonou a obra? — questionou o procurador do Ministério Público Federal, Filipe Siveiro.

Há algumas ações na Justiça que buscam reaver esses recursos, mas empresas já estão se blindando, transferindo bens, entrando em processo de recuperação judicial e não deverá mais ser possível recuperar o investimento, lamentou.

Controle social

Todos os participantes da audiência frisaram a importância do controle social sobre as obras públicas. Pediram que os dados sobre as construções sejam acessíveis e transparentes à população, até mesmo por meio de aplicativos para celulares, e que os sistemas de controles dos Tribunais de Contas sejam aperfeiçoados.

Isso facilitaria a implantação do chamado “controle externo contemporâneo”, com ações integradas entre o Judiciário e os órgãos de controle do país, como frisou Fabio Nogueira, presidente da Associação de Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon),

Claudia Pereira, Procuradora-Geral do Ministério Público de Contas do Distrito Federal, citou exemplo de ação conjunta com o Ministério Público que impediu a execução de obras no setor da saúde, no Distrito Federal, com a mesma metodologia das creches, que deveria ser inovadora, mas se revelou prejudicial.

— Quando a política pública não está bem planejada, ela dá sinais e é preciso impedir que ela ocorra — avaliou.

Na opinião do presidente da CTFC, senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL), a audiência demonstrou os sucessivos erros na condução do programa de creches, com milhões de reais investidos sem o devido retorno à população. Para ele, a união de forças e a cobrança da população e dos órgãos de fiscalização poderão fazer diferença para que o erro não se repita.

— O que vai resolver o problema do país não são os políticos. Só vamos passar a evoluir e transformar esse pais quando a população entender seu papel, todos entenderem o poder do controle social. Já se visualiza uma evolução enorme, com o passar do tempo — analisou.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)