Representantes da indústria e do agronegócio criticam preço mínimo do frete

Da Redação | 26/06/2018, 20h09

A Medida Provisória 832/2018 — que institui uma política de preços mínimos para o frete rodoviário por quilometro rodado — cria componentes inflacionários, reforça a insegurança jurídica e não atende às especificidades de todos os tipos de carga e contratos existentes no mercado.

A avaliação foi feita por representantes do setor industrial e do agronegócio nesta terça-feira (26), em audiência pública interativa na comissão mista encarregada de emitir parecer sobre a MP. A medida foi editada pelo governo federal como parte do acordo para pôr fim à greve dos caminhoneiros, no mês passado. O relator da proposta é o deputado Osmar Terra (MDB-RS).

Com a MP, estão vigentes desde 30 de maio tabelas com preços mínimos para o transporte de cargas geral, a granel, frigorífica, perigosa e neogranel (carga geral, sem embalagem, transportada em lotes, como automóveis, por exemplo). O tabelamento tem sido criticado pelos setores produtivos, que impetraram mais de 50 ações contra a medida no Supremo Tribunal Federal (STF). Por sua vez, os caminhoneiros reclamam que, na prática, o tabelamento vem sendo desrespeitado.

Contrários

O representante da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (Anut), Luis Henrique Baldez, afirmou que é impossível aplicar a tabela definida pela MP 832/2018. Ele afirmou ainda que os caminhoneiros são parte indissociável do processo produtivo, e que 60% das rodovias do país, por onde circulam 88% das cargas, apresentam estado ruim ou péssimo, o que dobra o valor do custo operacional do caminhão em relação à rodovia em ótimo estado.

Também o representante da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), André Nassar, defendeu a reformulação da MP. Em sua avaliação, a medida impediu qualquer negociação entre as partes envolvidas na questão.

— Não há solução equilibrada agora, sou obrigado a cumprir a MP. Estamos em um negócio de escala. Isso vale para trading, para o transportador e para o autônomo. Se não tiver escala vai ficando fora do processo. As margens são muito pequenas e os preços são dados lá fora. No momento em que mexe com o frete, tem que rebalancear o valor da cadeia inteira. Não faz sentido alterar o frete agora, quando a safra começa a ser colhida. As compras estão suspensas, ninguém sabe como vai ficar o frete. Se o piso mínimo oscila, tudo oscila. Precisa rever a MP.

Infraestrutura

Pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Luiz Antonio Fayet cobrou solução para os problemas estruturais do país na área de transporte, além da definição de um teto tributário para os combustíveis e a retomada das concessões federais inadimplentes, como forma de criar um sistema justo de pedágio que garanta um custo adequado para quem opera e para quem paga.

Há 50 anos o Brasil era importador de comida, e hoje é o segundo maior exportador mundial de alimentos, destacou Fayet. Dos 10 principais produtos exportados pelo Brasil, oito são do agronegócio. E cerca de 88% da soja comercializada no mundo saem de três países, um deles o Brasil, o único que apresenta condições de crescimento de áreas produtivas. No mercado do milho, a participação do país é de 77%.

— Se tirarmos o agronegócio do Brasil, a economia não dura 24 horas. Do total de propriedades agrícolas, 98% têm menos de 200 hectares. O agronegócio é de estrutura familiar. São famílias que estão no campo produzindo essa revolução fantástica. Não são grandes grupos que fazem o agronegócio, são realmente estruturas familiares.

Fayet ressaltou que as novas áreas produtivas do arco Norte do país são desprovidas de infraestrutura adequada para competir de maneira justa no mercado. Ele destacou que o agricultor vive espremido entre os preços internacionais e as estruturas do custo Brasil, e ainda pelo aumento do preço dos combustíveis, que subiram duas vezes e meia nos últimos seis meses.

O representante da CNA destacou ainda que investimentos que deveriam ser feitos para baratear o custo operacional da infraestrutura não foram concluídos, a exemplo de rodovias e portos para escoamento da produção agrícola, o que representa perda financeira brutal, não compensada, para o produtor e o transportador.

Favoráveis

Já o representante do Movimento dos Transportadores de Grãos de Mato Grosso, Gilson Pelicioni, defendeu a MP 832/2018 e cobrou urgência na votação do texto.

— O trabalho mais degradante hoje é o dos caminhoneiros, que chega a 90 horas semanais, em estradas com pedágio, não duplicadas e sem acostamento. Queremos aprovação da medida, que já está em vigor e precisa ser votada. Esperamos que o STF reconheça a constitucionalidade da MP. Não fixamos o preço do frete, mas construímos o muro que separa o prejuízo do lucro.

Representante da NTC & Logística, José Hélio Fernandes afirmou que o setor de transporte “sempre andou pelas próprias pernas”, mesmo após o apagão ocorrido no início dos anos 2000.

— Transporte e produção sempre estiveram intimamente ligados na realização das nossas atividades. A equação não fecha. Quem paga acha que é caro e quem recebe acha que é pouco. Essa é a situação que está posta em relação à tabela da MP, que deve ser cumprida. Essa é a orientação que nós demos. O que ficou do episódio é que o setor não pode parar nunca. As consequências são absolutamente danosas para a economia e a sociedade.

O caminhoneiro autônomo radicado em Santa Catarina, Joel Almir Rocha disse que a categoria vive “quase mendigando” em relação ao pagamento do frete.

— Nosso dia a dia é muito sofrido. Tenho que fazer seis viagens por semana para garantir o sustento da minha família. Tenho caixa de comida em meu caminhão. Com o frete que eu recebo não posso pagar comida de restaurante, não temos condições de fazer a manutenção dos caminhões, não sobra. A gente compra pneu importado, é contra a lei, mas a gente tem que se sujeitar a isso. Um piso mínimo, não o tabelamento, traz dignidade à categoria.

Desastre

Flávio Benatti, que falou pela Federação das Empresas de Transporte de Cargas de São Paulo (Fetcesp), avaliou que a política de financiamento de caminhões a profissionais liberais, criada pelo governo em 2013, foi um verdadeiro desastre, associada ao desaquecimento no setor, que fez sobrar 300 mil caminhões no mercado. Os fretes vêm caindo para o autônomo, e essa situação agrava-se com a política de realinhamento de preços da Petrobras, com o aumento do barril do petróleo e a questão cambial, afirmou.

Diálogo

Relator da MP, Osmar Terra disse ser necessário estabelecer regra básica em torno do custo mínimo do frete, seguida do diálogo entre todas as partes envolvidas.

— O caminhoneiro está trabalhando abaixo do custo mínimo, dando ganho a quem contrata seus serviços. Quem contrata gastaria muito mais se não existisse caminhoneiro autônomo. Esse equilíbrio é que temos que resolver. Seria insuportável chegar a um impasse e entrarmos de novo em período de instabilidade.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)