Debatedores pedem regulamentação de cultivo da maconha para fins medicinais

Da Redação | 20/06/2018, 16h10

Famílias que lutam pela regulamentação da Cannabis sativa (maconha) para fins medicinais, pesquisadores e psiquiatras defenderam nesta quarta-feira (20), em audiência pública na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), a aprovação do PLS 514/2017, projeto que altera a Lei de Tóxicos (Lei 11.343, de 2006) para descriminalizar o cultivo da planta. Além de autorizar o cultivo caseiro, os debatedores pediram que a proposta também permita que associações e grupos mantenham plantações para extrair substâncias que tenham fins terapêuticos.

A advogada Margarete Brito, que em 2016 se tornou a primeira brasileira a ter autorização judicial para plantar maconha em casa, disse que a regulamentação vai beneficiar milhões de famílias que hoje não têm acesso ao óleo, seja pelos preços elevados para importação ou pelo medo de serem enquadradas como traficantes. Ela é coordenadora-geral da Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal (Apepi).

Margarete contou que as convulsões da filha Sofia diminuíram depois que começou a importar ilegalmente o produto.  Hoje, ela e outras mães e pais de crianças com doenças severas contam com o apoio da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) para aprender a extrair da melhor forma o óleo da maconha.

— A vantagem de ter a regulamentação do cultivo é permitir às famílias acharem a planta certa, a cepa certa, a partir da experiência que temos com nossos filhos — disse.

Segundo ela, o projeto precisa garantir a livre importação de sementes e assegurar o compartilhamento de plantas:

— Se eu der uma planta ou semente para uma pessoa, eu estaria cometendo crime de tráfico. É preciso pensar no cultivo associativo. Isso já existe, é um fato social. O que a gente considera solidariedade, a lei considera tráfico.

Maria Aparecida Carvalho também tem salvo-conduto para cultivar maconha em casa. Ela encontrou uma alternativa no canabidiol, substância presente na planta, para as crises de sua filha Clárian. A menina foi diagnosticada com a síndrome de Dravet, doença que leva a criança a registrar múltiplas convulsões por dia. Desde 2013, quando Clárian começou a fazer uso da substância, as crises diminuíram em 80%. As paradas respiratórias, antes frequentes, pararam. Segundo Maria Aparecida, a rede de apoio proporcionada pelo cultivo associativo foi fundamental para chegar à melhor combinação de substâncias para a filha.

— Dependemos de uma rede de apoio para obter o clone com uma genética específica e também testar outras espécies para obter melhores respostas. Hoje, mais de 90% dos pacientes estão excluídos pelo alto custo e pelo fato de o produto importado não trazer a melhor resposta. O cultivo associativo pode oferecer uma forma mais democrática e de baixíssimo custo. Queremos o acesso democrático — disse.

Pesquisa

O neurocientista Renato Filev, do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, observou que a maconha já é utilizada para fins medicinais há mais de cinco mil anos. Segundo ele, apesar da limitação de pesquisa, são muitos os relatos que comprovam os benefícios de substâncias da planta.

— Existem muitos relatos de casos demostrando a progressiva melhorar de pacientes com patologia crônica — apontou.

O psiquiatra e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Luís Fernando Tófoli observou que o uso da maconha pode trazer riscos como qualquer substância, mas é impossível negligenciar os benefícios no tratamento de diversas doenças.

Para os dois pesquisadores, o projeto não pode deixar nas mãos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a regulamentação da maconha com fins medicinais. Desde 2006, a Lei de Tóxicos prevê a possibilidade de autorização para cultivo de Cannabis para pesquisas, mas a regulamentação não saiu do papel.

— A Anvisa foi moldada para dialogar com a indústria farmacêutica. Nada contra essa indústria, mas é fundamental possibilitar o autocultivo, o cultivo compartilhado e o acesso. A lei tem 10 anos e não foi regulamentada. Só agora há um movimento da Anvisa para regulamentar — afirmou Tófoli.

A representante da Anvisa Renata Souza reconheceu os limites legais da agência para regular o cultivo caseiro da planta. Na avaliação dela, o caminho para o projeto avançar é estabelecer uma política específica para a Cannabis por meio de uma lei que permita a fabricação de produtos derivados sem os requisitos de uma indústria farmacêutica.

— Esse tipo de cultivo não se assemelha à elaboração de medicamento em âmbito industrial — observou.

Tabu

A audiência pública foi requerida pela presidente da CAS e relatora do projeto, senadora Marta Suplicy (MDB-SP). Ela disse estar convencida da necessidade de regulamentar a maconha para fins medicinais e acredita que a discussão da proposta de forma separada do uso recreativo facilitará seu avanço.

— É a possibilidade que eu vejo de esse projeto tramitar. Esse tema ainda é tabu nesta Casa — disse.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)