Atuação brasileira em casos de repatriação de crianças precisa ser aperfeiçoada, mostra debate

Augusto Castro | 06/06/2018, 20h25

A atuação do poder público em processos de repatriação de crianças precisa ser aperfeiçoada para que brasileiros não sofram com erros e omissões. Essa foi uma das conclusões do debate promovido nesta quarta-feira (6) pela Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher (CMCVM), em parceria com a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados.

O debate girou em torno da aplicação da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças (CH80), de 1980, uma das convenções da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, uma organização internacional. Segundo a representante da Advocacia-Geral da União (AGU) Fernanda Menezes Pereira, a convenção tem como principal objetivo assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado signatário ou nele retidas indevidamente. O documento também trata dos chamados direitos de guarda e de visita.

O chefe da Divisão de Cooperação Jurídica Internacional do Itamaraty, André Veras Guimarães, afirmou que a Conferência da Haia é um organismo internacional que busca soluções para conflitos que surgem da globalização, como o sequestro de crianças, adoção, acesso à justiça, cobrança de pensão alimentícia e outros.

— A Conferência da Haia procura resolver conflitos entre as várias legislações existentes — pontuou.

Divugação da CH80

A advogada e especialista em direitos humanos Cláudia Grabois cobrou das autoridades brasileiras mais divulgação junto à população sobre a CH80, sobre como agir e a quem procurar em casos desse tipo. Para ela, a população não tem conhecimento suficiente sobre o assunto e cabe ao governo fazer a divulgação em linguagem simples. A advogada afirmou que falta mais assistência do poder público principalmente para mães brasileiras que têm filhos sequestrados por pais estrangeiros.

Ela também disse que a Autoridade Central Administrativa Federal (Acaf) precisa acompanhar de maneira mais “profunda e efetiva” todos esses processos e necessita de pessoal mais qualificado para tanto. A Acaf é o órgão do Ministério da Justiça responsável por receber e enviar pedidos de cooperação jurídica internacional para retorno de crianças vítimas de subtração internacional ao seu país de residência habitual, bem como a implementação do direito de visitas transnacional nos termos da CH80.

Relato

A paranaense Valéria Ghisi fez um relato emocionado sobre seu caso. Ela disse que sofria violência doméstica por parte do parceiro quando morava na França. Ela acabou sendo apontada como sequestradora quando fugiu daquele país com a filha e veio ao Brasil para escapar da violência do parceiro francês. A justiça brasileira acabou determinado o retorno da criança ao pai e Valéria ainda luta para que a filha seja repatriada ao Brasil.

Valéria fez duras críticas ao Acaf e à AGU por, em sua interpretação, terem cometido erros, omissões e ações de má fé em relação ao seu caso. Ela afirmou que há dezenas de mães brasileiras em situações semelhantes e que também se sentem abandonadas ou sabotadas pelo poder público brasileiro.

Interesses da criança

A coordenadora-geral de Adoção e Subtração Internacional de Crianças e Adolescentes da Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), Natália Camba Martins, explicou que a CH80 tem como princípio que “os interesses da criança são de primordial importância em todas as questões relativas à sua guarda”.

Segundo Natália Martins, no entanto, o objetivo de retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas tem de levar em consideração também se há indícios de violência doméstica, por exemplo, para que sejam protegidas as crianças e as mães ameaçadas por ex-parceiros ou para evitar que crianças sejam enviadas para localidades onde podem ficar expostas a grave risco, como países em guerra.

Natália informou que atualmente são 98 países que ratificaram a CH80 e afirmou que o melhor para relações internacionais desse tipo é que cada vez mais nações concordem com os termos da convenção. Segundo dados também apresentados no debate, entre 2002 e 2012 foram concluídos no Brasil 318 casos relativos à CH80, com mais de 100 desses casos culminando no retorno da criança a outro país, por decisão judicial ou por acordo entre as partes.

O debate foi iniciado pela presidente da CMCVM, a deputada federal Elcione Barbalho (MDB-PA), que depois passou a condução dos trabalhos para a deputada Luana Costa (PSC-MA), vice-procuradora da Mulher da Câmara. Ela leu várias participações de internautas registradas pela página da reunião no portal do programa e-Cidadania. Outras deputadas e senadoras também participaram, como a deputada Flávia Morais (PDT-GO).

A vice-presidente da comissão é a senadora Rose de Freitas (Pode-ES) e a relatora é a deputada Luizianne Lins (PT-CE).

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)