Especialistas apontam riscos socioambientais em projeto de transposição do Rio Tocantins

Da Redação | 24/04/2018, 18h30

Ainda não há estudos suficientes para medir os possíveis impactos da transposição do Rio Tocantins, mas as informações preliminares indicam vários riscos, especialmente ambientais. Essa é a opinião da maioria dos especialistas que participaram, nesta  terça-feira (24), de audiência pública na Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI). A intenção era obter subsídios para instruir a votação do Projeto de Lei da Câmara 138/2017, em análise na comissão.

O projeto trata da transposição das águas do Rio Tocantins para o Rio São Francisco. Pelo texto, será feita a interligação entre o Rio Preto, na Bahia, e o Rio Tocantins, para assegurar a navegação desde o Rio São Francisco até o Rio Amazonas. O Rio Preto está vinculado à bacia do Rio São Francisco. O Rio Tocantins percorre os estados de Goiás, Tocantins, Maranhão e Pará, até a sua foz no golfo amazônico, próximo a Belém. O projeto também tem objetivo de garantir a "regularização hídrica" do Rio São Francisco, que tem sofrido com a redução de seu volume de água.

A preocupação da relatora, senadora Kátia Abreu (PDT-TO) era com o possível prejuízo ao equilíbrio do meio ambiente, à população e até mesmo à economia local. Antes de ouvir os especialistas, Kátia Abreu lembrou que, nos últimos cinco anos, o Rio Tocantins tem enfrentado condições adversas, com a queda no índice de chuvas. Ela mostrou fotos da situação dos rios Tocantins e Araguaia que, em alguns pontos podem ter grande parte da largura percorrida a pé em razão da falta de água.

— As notícias já não são boas e de repente vem um projeto de transposição. As pessoas ficaram apavoradas. Como é que nós vamos doar o que não temos? Não significa que não queremos, mas nós estamos com medo de não poder dar essa água — explicou a senadora, que pediu informações técnicas aos especialistas.

Escassez de informações

O Coordenador de Outorga da Agência Nacional de Águas  (ANA), Luciano Meneses Cardoso, explicou que o projeto inclui na lei que trata do Plano Nacional de Viação a interligação entre as bacias, mas não traz nenhuma informação técnica. A ANA, disse o coordenador, teria de se manifestar tanto sobre a navegação quanto sobre a regularização hídrica, mas ainda não foi acionada.

— Não existe nenhum pedido de outorga, nenhum projeto chegou oficialmente à ANA. Não há como emitir nenhum juízo de valor a partir sem conhecer o projeto da obra, porque nada chegou oficialmente à ANA.

Apesar de não haver estudos aprofundados, ele apresentou um exercício de balanço hídrico preliminar com base nas poucas informações fornecidas pelo projeto de lei (regiões atingidas). O exercício, de acordo com o coordenador, apontou uma disponibilidade hídrica de apenas 6 metros cúbicos por segundo, o que não traria benefícios para nenhuma das partes.

Riscos

O Coordenador Substituto de Licenciamento Ambiental de Empreendimentos Fluviais e Pontuais Terrestres (Ibama), Régis Fontana Pinto, explicou que a obra, por passar por mais de um estado, teria de ser licenciada pelo instituto, que também não foi demandado a se manifestar sobre nenhum estudo de viabilidade da transposição. Apesar de não poder apresentar uma posição oficial, ele  se disse preocupado, como técnico, dada a situação de escassez de água enfrentada pelo próprio Rio Tocantins.

— Investir recursos na recuperação, na revitalização do São Francisco, nas suas matas ciliares e na recuperação das suas margens talvez traga uma resposta mais rápida ou pelo menos com um custo bem menor e com vantagens ambientais grandes — sugeriu.

O supervisor do Núcleo de Pesquisa em Sistemas Agrícolas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Balbino Antônio Evangelista lembrou, ainda, que o Cerrado é uma região de nascentes e que, por isso, pode impactar todo o território nacional. Para ele, inicialmente, os dados apontam para a inviabilidade técnica, econômica, social e ambiental do projeto

A representante do Departamento de Planejamento Energético do Ministério de Minas e Energia na audiência,  Gilma dos Passos Rocha, concordou que há poucas informações e que o projeto não dá detalhes como os pontos de retirada de água. Ela que há, no Rio Tocantins, sete hidrelétricas, e alertou para o risco que, com a retirada de água, o desempenho dessas usinas seja afetado.

Estudo

O coordenador-geral de Engenharia e Estudos do Departamento de Projetos Estratégicos do Ministério da Integração Nacional, Rafael Ribeiro Silveira, concordou que ainda não há informações suficientes sobre a viabilidade do projeto. Ele informou que o ministério já concluiu um termo de referência para a contratação de um estudo. A estimativa é de que, após iniciado, o processo se estenda por 18 meses e aponte o traçado mais viável no ponto de vista técnico, econômico e ambiental.

— Há a necessidade de elementos mais concretos para que a gente possa comprovar ou descartar a viabilidade técnica, econômica, social e ambiental do projeto. Em nenhum dos estudos anteriores, a gente possui elementos muito concretos em termos topográficos, geológicos e de planos ambientais que comprovem a viabilidade — disse.

Após a manifestação dos participantes, Kátia Abreu disse que dispensaria a outra audiência prevista para instruir o PLC, porque o texto não contém informações suficientes para que as partes envolvidas possam se manifestar. Ela disse que seria perda de tempo discutir em cima de um "improviso e de um conteúdo fraco". A senadora informou que chegou a uma conclusão e que, quando surgir uma proposta mais consistente e factível, estará pronta a debater o conteúdo.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)