Procuradoria discute memória da mulher no cinema

Da Redação | 24/08/2017, 20h06

“Mulheres, Memórias e Cinema” foi o tema, nesta quinta-feira (24), do projeto Pauta Feminina, Iniciativa das Procuradorias da Mulher da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em conjunto com a Bancada Feminina do Congresso. Para a coordenadora do debate, a deputada Prof. Marcivania (PCdoB-AP), a trajetórias das mulheres na sociedade ainda é contada pelo olhar masculino, mas adverte a parlamentar,  "o olhar da mulher é diferente”.

A cineasta e pesquisadora Tania Fontenele exibiu trechos do filme Poeira & Batom e ressaltou a importância do registro da memória das mulheres que participaram da construção dacapital federal. Realizado por ocasião dos 50 anos de Brasília, em 2010, o filme de 58 minutos condensa 60 horas de gravação e foca a trajetória de 50 pioneiras.

— Se a gente não tivesse retido essa memória, teria perdido essa oralidade importantíssima para nossa memória — disse Tânia, informando que cinco das mulheres focadas no filme já eram falecidas quando o realizou e 15 das 45 que depõem no documentário morreram desde então.

A narrativa de Poeira & Batom prioriza as pessoas mais simples, focando a trajetória de lavadeiras, professoras, agrimensoras, comerciantes, enfermeiras, marmiteiras, telefonistas, caminhoneiras, etc., que dão raro depoimento sobre as condições de vida então.

Uma delas, Joseny, da Vila Planalto, lembra que a primeira palavra que a filha aprendeu a falar foi “rato”, de tanto ouvir “ato, ato, ato”, quando a mãe advertia sobre os ratos que subiam sobre a casa para fugir das águas que começavam a formar o Lago Paranoá.

Segundo Tania, essas mulheres jamais entraram para a narrativa masculina da construção de Brasília e se encontravam, inclusive, com uma autoestima muito baixa, quando ela as procurou ouvir.

— 'Minha amiga, eu já estava com o pé na cova, ninguém queria saber de minha história', disse uma delas — contou Tânia Fontenele.

Interseccionalidade

Editora do Blog da Igualdade, do jornal Correio Braziliense, a pesquisadora, historiadora e produtora audiovisual Sandra Machado destacou questões relativas às “mulheres interseccionais”, termo que compreende todas as sujeitas femininas que possuem uma ou mais características cumulativas que se somam à discriminação de gênero que sofrem, como acontece com as mulheres negras, LGBTI, indígenas ou com alguma deficiência.

Sandra destacou os meios de comunicação de massa como principais operadores da memória na contemporaneidade. Com base na exibição de imagens veiculadas pela publicidade, ela assinalou existência de vetores de estereótipos — objetificação, sexismo, racismo, animalização, infantilização — que marcam a produção midiática de um tipo de mulher contemporânea — a “mulher-espetáculo” — servida para consumo masculino.

Ela lembrou que as próprias pesquisas de mercado, recorrentemente, constroem mitos como o de que filmes com mulheres protagonistas ou por elas dirigidos “não dão bilheteria”, indiferentes a fatos como o sucesso de Mulher Maravilha (2017), dirigido por Patty Jenkins, e outros campeões de bilheteria.

Sandra destacou a importância de obras do cinema LGBTI brasileiro, entre elas Amor Maldito (1984), da pioneira diretora negra Adélia Sampaio, e Como Esquecer (2010), de Malu De Martino, com Ana Paula Arósio. Para além da dificuldade de produzir, lembrou, são imensas as dificuldades de distribuir e exibir.

Em seus estudos, Sandra desenvolve o conceito de “subalteridade” para pensar relações de subalternidade construídas com base na ideia de um “sub-outro”. Ela lembrou que mesmo “os homens latinos são discriminados no resto do mundo eurocêntrico”.

Espaços diferenciados

Neide Rafael, pedagoga e especialista nas relações de educação e arte educadora, ativista nas questões étnico-raciais de gênero, raça e políticas públicas e membro da Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal e Entorno, reforçou a reflexão de Sandra Machado sobre as mulheres interseccionais, a partir de sua experiência de professora negra.

Uma das cinco professoras protagonistas de Elas Falam, documentário dirigido por Renata Parreira, Neide lembrou que a experiência difícil de lutar contra diretores e coordenadores por  uma escola que ajude as/os alunas/os a se compreenderem dentro de um mundo que hierarquiza as pessoas por gênero e raça, ainda é mais dura para as professoras negras.

“O espaço da mulher negra é totalmente diferenciado do espaço de uma mulher branca, até quando esta é de periferia”, declarou.

Com grande emoção, Neide recuperou a trajetória de sua família para reforçar a importância da educação. A avó era trabalhadora rural; a mãe, no ambiente urbano, ganhava a vida lavando roupas no Rio Maracanã, quando não era dia da tintura poluente das fábricas de tecido; ela própria, tornou-se professora e, a filha, nutricionista.

A mesa formada na Pauta Feminina foi ocasião para Neide se encontrar com Maria José Rocha Lima, conhecida como Zezé, sua colega no primeiro curso que a Universidade de Brasília promoveu para qualificar professores de acordo com a lei 10.639/2003, que modificou a lei de Diretrizes e Vases da Educação Brasileira para introduzir a História da África.

Curta Maria

Fundadora da Casa de Educação Anísio Teixeira e idealizadora do Projeto Curta Maria e mestre e doutoranda em educação pela UFBA, Zezé destacou a importância política da educação na formação de sujeitos políticos.

“Sem escola, não haverá democracia”, disse Zezé.

Ela destacou a importância do “diálogo do jovem com o jovem”, uma característica do projeto Curta Maria, que promove a qualificação de alunos para produzir filmes de celular sobre a violência doméstica, tema ao qual a Lei Maria da Penha deu uma dignidade de assunto de Estado.

“A violência no interior dos lares é um grande tema para os alunos e alunas”, disse Zezé. “A casa é um lugar que deveria ser de proteção, conforto e paz, não de desespero, medo”, enfatizou.

Estiveram presentes, entre outras, D. Maria do Chapéu, protagonista de Poeira & Batom e da luta pela fixação da Vila Planalto; Silvia Camargo, do Conselho Federal de Engenharia; Rosana Maria, da TV Justiça; Ana Cristina S. Campos, do Conselho de Segurança da Ceilândia; Felisdália de Almeida, da Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados; Maria Elena Rodrigues da Silva, Amanda Guimarães e Ivan Lima Montelo, da Casa de Educação Anísio Teixeira; Alice Naya Nanda Ross, da New York University; Rogério de Oliveira Carneiro e Soraya de Jesus Olinda, da Marcha Contra a Pedofilia, evento do calendário feminino de lutas que será realizado dia 26 de agosto, em Ceilândia.

Com informações da Assessoria de Imprensa da Procuradoria da Mulher do Senado Federal

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)