Vale diz em CPI que exerce direito constitucional ao questionar tributos previdenciários

Da Redação | 29/06/2017, 18h38

Empresas do setor industrial e de mineração que integram a lista dos grandes devedoras da Previdência Social participaram, nesta quinta-feira (29), de nova audiência pública da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Previdência, que investiga a contabilidade do sistema buscando esclarecer a real situação, inclusive casos de sonegação e desvios. A Vale S/A, uma das maiores mineradoras do mundo, que aparece no topo da lista, com dívida previdenciária de R$ 13,12 bilhões, esclareceu que os valores estão relacionados a contencioso fiscal que vem sendo discutido por via administrativa ou judicial.

O diretor tributário da companhia, Octavio Bulcão, justificou que a Vale vem exercendo seu direito constitucional ao contraditório para questionar a correção da cobrança de algumas contribuições sociais. Observou que não há qualquer pendência de repasse de valores referente à parte dos empregados, que são descontadas em folha. Assinalou que, assim como fazem outras empresas, a Vale recorre de cobranças por divergir das “teses” do Fisco. Bulcão salientou que foram oferecidas garantias e, assim, o Fisco não terá prejuízos se o resultado lhe for favorável.

— Nesses casos em que as empresas oferecem garantias e tem divergência de tese, a Procuradoria da Fazenda Nacional expede certidões de regularidade. A Vale tem as certidões e pode a qualquer tempo disponibilizar aos senhores — afirmou aos parlamentares.

O diretor da Vale disse ainda que a empresa recolheu no ano passado cerca de R$ 5 bilhões em contribuições relativas ao sistema de Previdência e Seguridade Social. Quanto às causas dos contenciosos, ele esclareceu que 92% das teses se referem a questões de natureza indenizatória ou remuneratória das verbas trabalhistas, que segundo ele são comuns a empresas de grande porte.

Crise

Na lista da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional também está a Dedini Indústrias de Base, que tem dívidas com a Seguridade Social no valor de R$ 1,02 bilhão, valor integralmente classificado na modalidade “não parcelado”. Fábrica de equipamentos e unidades industriais completas para o setor sucroenergético, a empresa foi representada por Sérgio Leme dos Santos, que atribuiu as dificuldades da empresa e de todo o setor de máquinas ao retrocesso da economia brasileira nos últimos anos, conjugada com o prolongamento da crise internacional.

No caso da Dedini, o faturamento, de quase R$ 3 bilhões em 2007, caiu para R$ 200 milhões em 2016. No período, o quadro de empregados foi drasticamente reduzido, de 6.400 para 1.126 pessoas. Sem alternativas, como afirmou, a empresa teve que recorrer em agosto 2015 a pedido de recuperação judicial, imediatamente deferido. Segundo ele, na crise a prioridade foi “sobreviver”. Agora, o plano de recuperação está em marcha e já estão sendo pagas as dívidas trabalhistas. Agora, o objetivo é aderir ao novo plano de renegociação tributária do governo federal.

— No Brasil, a recuperação judicial não trata de impostos, apenas de outros créditos. Isso dificulta muito a gente equacionar o problema tributário. Creio que a legislação precisa evoluir para possibilitar a inclusão dos tributos, discutir isso de forma completa, para a recuperação da empresa como um todo — sugeriu.

A Marchesan Implementos e Máquinas Agrícolas Tatu S/A, responde por dívida previdenciária de R$ 757 milhões, dos quais R$ 55,12 milhões não parcelada. O representante da empresa, Benedicto Celso Benício Júnior, disse que a empresa mantém, em média, 2 mil empregados, o que acarreta pesada carga tributária. Do outro lado, afirmou, as receitas são contingenciadas pela elevada concorrência no segmento, o que obriga a empresa a trabalhar com margens reduzidas. Nesse contexto, afirma, atrasar tributos é consequência, e não escolha.

— Dívidas geram restrições, pois sem a certidão negativa não se consegue acesso a crédito. Isso nos alija do mercado de capitais — destacou, adiantando o interesse na regularização.

Sistema de proteção

Também participou do debate o presidente da Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho, Hugo Cavalcanti Melo Filho, que criticou duramente as propostas de reforma previdenciária e trabalhista. A seu ver, essas reformas buscam desconstruir o sistema de proteção social existente no país. No caso da Previdência, afirmou, antes de tudo é preciso conhecer “os gargalos por onde escorrem os recursos”.

O juiz citou estudos da Fundação Anfip que elevam a quase R$ 1 trilhão o conjunto dos débitos das empresas com a Previdência, muito além dos R$ 450 milhões já inscritos na dívida ativa. Ele também lembrou que o governo pretende economizar nos próximos dez anos R$ 600 bilhões com gastos previdenciários, quando somente o montante contabilizado na dívida ativa seria suficiente para cobrir grande parte do pretendido corte de despesas, que implicará na redução do acesso das pessoas aos benefícios.

— Só esse dado demonstra o absurdo que é promover todos esses ajustes no sistema previdenciário, enrijecendo o alcance aos direitos previdenciários — destacou.

O relator da CPI, senador Hélio José (PMDB-DF), também colocou em dúvida as afirmações de que a Previdência é deficitária. Segundo ele, o presidente Michel Temer não tem sido bem assessorado nesse tema e que, a bem da população, deveria recuar da proposta de reforma que nesse momento está sendo debatida na Câmara dos Deputados.

— Não é outro o intuito que não o de privatizar a Previdência pública, em favor de apenas um setor, os bancos. E o resto da sociedade, como fica? — questionou.

Dário Berger (PMDB-SC) afirmou que os números apresentados de fato motivam dúvidas, cabendo à CPI desmitificar o debate, respondendo se a Previdência é ou não deficitária. Em relação às contas, citou ainda como mais grave é o comprometimento das receitas orçamentárias com pagamentos de juros da dívida pública federal, movida às mais elevadas taxas do mundo.

O senador Paulo Paim (PT-RS), que preside a CPI, se revezou com o relator no comando da audiência. Não compareceram representes de outras duas empresas que também integram a lista de grandes devedores: Teka Tecelagem Kuehnrich S/A (dívida de R$ 1,05 bilhão) e Indústrias de Papel R Ramenzoni S/A (R$ 1,45 bilhão).

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)