Juristas afirmam em audiência na CCJ que reforma trabalhista é inconstitucional

Sergio Vieira | 27/06/2017, 17h01

Juristas e senadores contrários à reforma trabalhista (PLC 38/2017) participaram nesta terça-feira (27) da primeira audiência que discute a constitucionalidade e mérito da proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Para um dos participantes, o procurador do trabalho Ronaldo Fleury, o texto da reforma torna o trabalhador uma espécie de "ser humano de segunda classe", devido à retirada de uma série de direitos hoje previstos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Um dos pontos mais criticados por Fleury e outros participantes é o artigo que condiciona as indenizações fruto de ações na Justiça ao salário percebido pelo trabalhador. Para Fleury, dispositivos com esta filosofia inclusive já tem posicionamento pela inconstitucionalidade por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), quando vedou mecanismos de "tarifação da vida" ao julgar a Lei de Imprensa.

Estudioso do Direito Comparado, o procurador disse não existir hoje no planeta nada semelhante a este mecanismo em termos de legislação, sendo este um dos pontos de "grande retrocesso" existente na proposta.

- Só encontrei algo semelhante no Código de Hamurabi, que remete a quase 2.000 anos antes de Cristo, que estabelecia penas de acordo com a classe social da vítima - informou, acrescentando ainda que pelo texto o valor das indenizações difere se a vítima de um empreendimento for um "transeunte em uma rua" ou um trabalhador da própria empresa, neste caso em prejuízo do trabalhador.

A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) também pediu que os senadores reflitam bastante antes de referendar um texto como este, chamando a atenção para o que ele pode resultar em termos de aumento de casos de assédio sexual e moral em ambientes de trabalho por todo o país.

Trabalho intermitente

Outro ponto muito criticado durante a audiência é a legalização do chamado "trabalho intermitente", em que o trabalhador presta seus serviços ao contratante mediante um chamado por antecedência de ao menos três dias, acertando vencimentos, dias e horários de trabalho.

Segundo Fleury, o projeto, como está, poderá resultar em nenhum pagamento ao trabalhador, ao condicioná-lo à necessidade do serviço efetivar-se ou não nos termos previamente contratados. Ele informou que a primeira empresa a contratar trabalhadores no Brasil com base na jornada intermitente foi o McDonalds, o que depois caiu judicialmente, e agora essa companhia busca por meio da reforma trabalhista legalizar esta forma de contratação.

O procurador informou ainda que diversos países que adotaram o trabalho intermitente estão hoje revogando o dispositivo, e que o Brasil estaria ao aprová-lo indo "na contramão do planeta".

- Em todos os países nórdicos da Europa, na Itália e na Nova Zelândia a jornada intermitente já foi vedada. Na Austrália a vedação também já está próxima de ser aprovada, além de na Inglaterra no recente processo eleitoral todos os partidos terem defendido a sua suspensão - disse Fleury, informando que também em Nova York (EUA) o prefeito Bill de Blasio analisa proibi-la.

O senador Lasier Martins (PSD-RS) informou que pretende apresentar um voto em separado na CCJ, questionando especialmente a jornada intermitente. Para ele, tal mecanismo não traz nenhuma vantagem ao trabalhador e o joga numa constante incerteza, tornando impossível prever quanto receberá ao final do mês.

Legalização do bico

Outros pontos da reforma, que altera 117 artigos da CLT, também foram criticados por outros participantes da audiência.

Para o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, a reforma não criará novos postos de trabalho, mas precarizará a vida de dezenas de milhões de funcionários hoje cobertos pela atual legislação. Participando da audiência também em nome de todas as outras centrais, Freitas garante que elas estão dispostas a negociar uma nova reforma em uma ampla mesa de negociações, incluindo os empresários, governo e parlamento. Mas reafirmou a oposição ao atual projeto, frisando que seu texto não foi negociado.

Para estas entidades, a reforma resultará em ainda mais insegurança jurídica e prejudicará a economia, ao dificultar o acesso à renda por parte da classe trabalhadora.

O ponto visto como o mais prejudicial é o que estabelece que os acordos individuais ou coletivos prevalecerão sobre a lei, pois no entender dos sindicatos, no Brasil não existe uma livre negociação de fato entre patrões e empregados. Prevalecerá sempre a vontade do empregador, ainda mais num cenário de desemprego e crise como o atual.

Também foram citadas por Freitas e Fleury pesquisas realizadas no âmbito da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e da Confederação Nacional da Indústria (CNI), em que a maioria dos empresários consultados acreditam que a reforma não deverá criar empregos de forma significativa, estando este fenômeno mais ligado à retomada do crescimento econômico.

Outras inconstitucionalidades

Para a ministra Delaide Alves, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a Constituição só prevê a prevalência do negociado sobre o legislado em caso de aumento de direitos, e não de subtração como em sua opinião caminha a reforma proposta. Ela lembrou que o país passou, entre 2005 e 2014, por um período de enorme geração de empregos sem modificar a CLT.

Outros pontos do projeto também foram avaliados como "flagrantemente inconstitucionais" por Alves e os demais convidados da audiência pública, como a possibilidade de grávidas trabalharem em condições insalubres; a criação da figura do "autônomo exclusivo", que prestará serviços a apenas um empregador; a possibilidade do recorrente arcar com custos da perícia; a terceirização geral no serviço público, abrindo espaço segundo os debatedores para nepotismo e favoritismo em detrimento do concurso público; a retirada de abonos e outros benefícios da condição de salário; restrições ao acesso à Justiça trabalhista e a pejotização indiscriminada, que no entender deles levará na prática ao fim de direitos como o 13º salário, férias, FGTS e outros.

As senadoras Vanessa Graziottin (PCdoB-AM) e Regina Sousa (PT-PI), alertam ainda para o fato de que a reforma provocará uma forte queda de receitas e quebrará a Previdência Social, ao generalizar a precarização do trabalho, diminuindo os repasses ao sistema.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)