Para juízes, jurisprudência pode garantir proteção ambiental na falta de normas

Da Redação | 22/05/2017, 18h54

As constituições têm um papel essencial na proteção ao meio ambiente, mas a jurisprudência também tem se destacado para garantir e aprimorar essa proteção em diversos países, especialmente aqueles em que as normas constitucionais não trazem de forma clara essa proteção. Foi o que mostrou a mesa redonda "Diálogo comparativo sobre interpretação e aplicação de dispositivos constitucionais ambientais", que reuniu juízes de vários países na tarde desta segunda-feira (22).

O debate fez parte do Colóquio Judicial para a América Latina e o Caribe sobre Constituições, Ambiente e Direitos Humanos, promovido pela Comissão de Meio Ambiente do Senado (CMA) e a Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas do Congresso Nacional (CMMC) em parceria com instituições nacionais e estrangeiras.

Para a facilitadora do debate, professora Erin Daly, da faculdade de Direito da Widener University Delaware, nos Estados Unidos, as constituições buscam proteger dos valores considerados importantes para um país, mas também vulneráveis, que podem ser atacados. De acordo com a professora, as cartas magnas têm papel essencial na proteção ao meio ambiente, porque reúnem, em um único documento, direitos humanos e ambientais, interdependentes entre si.

Precisão

Para a juíza húngara Fruzsina Bögös, secretária-geral do Fórum de Juízes para o Meio Ambiente da União Europeia, os dispositivos constitucionais nunca são precisos o suficiente para serem usados isoladamente pelos juízes. Ainda assim, afirmou, é preciso zelar pelas constituições. Como bom exemplo da Hungria, ela citou um dispositivo que proíbe retrocessos na área ambiental.

- Isso significa que não é possível tomar medidas de retrocesso. Uma vez outorgado, você não pode retirar o direito ambiental – explicou.

Na Tanzânia, não há cortes especializadas em meio ambiente e a degradação ambiental atinge níveis alarmantes. Foi o que relatou o ministro Paul Kihwelo, da Corte Superior e Instituto de Administração Judicial do país africano. A boa notícia, para ele é que apesar de a Constituição de seu país não garantir direitos ambientais, os tribunais estão trabalhando para garantir esses direitos. Em geral, é usado o artigo que garante o direito à vida.

- Os tribunais têm usado esse dispositivo, de que não pode haver vida sem meio ambiente, então os direitos ambientais são interpretados como parte do direito à vida, e, assim, estariam incluídos na Constituição - relatou

No Chile de acordo com o ministro José Ignacio Vásquez Márquez, da Corte Constitucional, a Constituição protege o meio ambiente, mas a jurisprudência, apesar de escassa, também tem tido papel importante na preservação. Ele destacou a interpretação de que a propriedade cumpre função social e que, dentro dessa função está a preservação da natureza.

No Malawi, no sudeste da África, a Constituição também reconhece o direito a um meio ambiente limpo de saudável. De acordo com o ministro Chifundo Kachale da Corte Superior, a carta impõe obrigações também ao governo, como de formular políticas e lei que ajudem a assegurar esse direito. O maior conflito, explicou, é entre o direito ao meio ambiente saudável e o direito ao desenvolvimento, também protegido pela Constituição e considerado um direito comunitário, não individual.

Aplicação

A Juíza sul-coreana Doyo Kim disse que a Constituição do seu país garante às pessoas o direito ao meio ambiente saudável. Esses direitos, no entanto, foram interpretados como abstratos, ou seja: só podem ser implementados após a publicação de leis sobre o tema. Algumas leis já estão em vigor, como as que protegem o ar e o solo, por exemplo.

Já no Brasil, esse direito tem eficácia imediata e não depende de nenhuma outra lei. Foi o que disse o desembargador Antônio Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que acompanhava o debate como convidado.  De acordo com o desembargador, a constituição do Brasil deu um "passo gigante " com relação a todas as outras do planeta no que diz respeito ao direito ao meio ambiente equilibrado.

- Nós, juízes, não precisamos de legislação ordinária para tutelar um meio ambiente equilibrado. Basta que nós tenhamos coragem, que é um elemento metajurídico e que falta muito, para que nós possamos aplicar diretamente a lei fundamental.

Para a ministra Ragnhild Noer, da Suprema Corte da Noruega, os direitos humanos e ambientais são interdependentes. A juíza disse acreditar que é preciso pensar no longo prazo quando se trata das leis ambientais.

- Quando nós, como juízes interpretarmos as leis ambientais, precisaremos reconhecer a importância dos efeitos de longo prazo e colocar tanto peso quanto colocamos nos efeitos de curto prazo. A mente humana tem a tendência de olhar sempre para o curto prazo, mas, nessa área, os efeitos de longo prazo é que são cruciais – alertou.

Colóquio

O evento se estendeu durante toda a tarde desta segunda-feira, com mais duas mesas redondas. Os debates "Novos princípios de direito ambiental: nas Constituições e para além delas" e "Juízes, meio ambiente e acesso à justiça na América Latina e Caribe" reuniram professores e juristas.

O evento continua nesta terça-feira (23), com mais quatro debates ao longo de todo o dia. Os temas incluem medidas judiciais e seu cumprimento; próximos passos, conclusões e recomendações; o bioma amazônico; e desenvolvimento ecologicamente sustentável.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)