TCU aponta desvio de finalidade no uso de fundos destinados às telecomunicações

Paulo Sérgio Vasco | 08/05/2017, 19h20

A maior parte dos recursos dos fundos destinados às telecomunicações não é utilizada para o desenvolvimento do setor, mas desviada pelo governo para outras finalidades, como o pagamento do déficit primário ou da dívida pública, por meio do mecanismo de Desvinculação das Receitas da União (DRU) ou da edição de medidas provisórias.

A observação foi feita nesta segunda-feira (8) pelo representante do Tribunal de Contas da União (TCU), Ivan Rogedo, em debate no Conselho de Comunicação Social (CCS) sobre arrecadação e utilização dos fundos e contribuições para a radiodifusão pública e audiovisual.

O Fust, criado para garantir a universalização da telefonia fixa, arrecadou aproximadamente R$ 20 bilhões nos últimos anos, mas apenas 0,44% desse montante foram aplicados em atividades do setor. Do Funtel, que prevê estímulos à inovação tecnológica e arrecadou R$ 7 bilhões de 2001 a 2016, mais da metade dos recursos foi desvinculada de suas atividades originais. O Condecine foi o único que registrou a maior parcela de aplicação dos recursos em sua atividade-fim. Dos R$ 4,5 bilhões arrecadados pelo fundo em quatro anos, 50% foram usados em projetos audiovisuais.

Embora auditoria do TCU tenha apontado inconsistências na utilização dos fundos, Rogedo explicou que o uso dos recursos em atividades diversas não pode ser considerado irregular, visto que a forma de desvinculação foi legal, embora ainda haja controvérsias quanto ao emprego de MPs com essa finalidade.

— Ainda há divergência de que MP em tese não poderia mudar destinação de recursos do fundo. Isso ainda está em avaliação dentro do TCU. Mas há uma série de falhas na transparência na aplicação dos recursos. Hoje se tem pouco ideia de onde os recursos têm sido efetivamente aplicados — afirmou.

Para o conselheiro Walter Ceneviva, representante das empresas de rádio, o uso dos recursos do fundo pelo governo federal em atividades diversas prejudica a população.

— O Estado toma dinheiro dos pobres para produção de radiodifusão e tunga esse dinheiro. Quem financia esses bilhões não são as pessoas ricas, são as pessoas pobres. O dinheiro é proveniente dos usuários da telefonia móvel, que assistem seu dinheiro ser desviado para as atividades mais impertinentes e as mais descabidas. O governo federal, de qualquer cor ou partido, deveria rever essa arrecadação. Se ele não tem plano nenhum para a universalização, os pobres estão pagando essa fraude. É uma vergonha isso — afirmou.

Audiovisual

Na mesmo debate, o diretor-presidente da Agência Nacional de Cinema (Ancine), Manoel Rangel, avaliou que as bases do audiovisual estão bem assentadas no Brasil, com uma regulação “equilibrada e na dose necessária”. Rangel disse ainda que investir na produção de audiovisual representa investir na produção de autonomia e na inserção do país no mundo.

— No Brasil é mantida desoneração de 30% no custo de construção de uma sala de cinema. Cabe ao Estado regular e estimular o desenvolvimento, e à iniciativa privada empreender. O Estado não atua na economia, não distribui filmes. O Estado regula. Esse é o modelo vigente. Temos 3.168 salas de cinema. As salas fecham ao redor do mundo, e crescem no Brasil porque há política pública, que vale não apenas pelo recurso que investe e pela desoneração que oferece, mas pelo enfrentamento do debate com exibidores brasileiros, que passaram a acreditar na capacidade da classe C — afirmou.

Liberdade de imprensa

A audiência pública também teve a participação do coordenador de Comunicação da Unesco, Adauto Soares, que destacou a passagem do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, comemorado anualmente no dia 3 de maio. Ele lembrou que 37 jornalistas, em sua maioria radialistas, foram mortos nos últimos 11 anos no Brasil, e que a impunidade é a característica principal desses crimes. O país ocupa o sexto lugar entre os lugares mais perigosos para os profissionais da imprensa.

— Mentes críticas para tempos críticos. O jornalismo encontra no horizonte velhos desafios, que se somam a novas ameaças, a mídia tradicional abalada pelas novas mídias. O limite do jornalismo é redesenhado, há novas formas de censura privada. A mídia livre nunca foi tão importante para empoderar cada mulher e homem, criar sociedades inclusivas em todos os níveis — Adauto Soares.

O CCS também aprovou relatório pela derrubada de vetos presidenciais ao projeto de lei de conversão que dispõe sobre a nova estrutura da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), por entender que a emissora deve preservar seu caráter de TV pública.

Foi adiada a votação de relatórios pendentes, entre eles o que apresenta recomendações ao Congresso Nacional acerca da eleição dos membros do CCS, que volta a se reunir em 5 de junho.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)