Transparência deve ser a chave para regulamentar o lobby, aponta debate

Da Redação | 09/11/2016, 17h17

No momento em que o Congresso Nacional discute a regulamentação do lobby, um seminário realizado na Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (9), mostrou como o assunto é tratado no país que tem o Legislativo mais antigo do mundo – o Reino Unido. Com a participação de três parlamentares britânicos, o evento apontou a transparência como a principal base para disciplinar as relações entre congressistas e aqueles encarregados de fazer a defesa de interesses privados.

— Não há nada errado em fazer lobby, mas precisamos garantir que não haja corrupção nem sejam adotados na defesa de interesses métodos injustos em relação a outros grupos sociais — disse Dave Watts, político que representou o Partido Trabalhista na Câmara dos Comuns durante 18 anos e hoje é membro da Câmara dos Lordes.

A legislação britânica, aplicável às quatro nações que formam o Reino Unido da Grã-Bretanha (Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte), estabelece regras claras e bastante restritivas em relação a assuntos como recebimento de presentes, pagamento de despesas pessoais, doações eleitorais e procedimentos a serem seguidos nos encontros entre lobistas e parlamentares. No último caso, a agenda dos encontros deve ter divulgação pública e as conversas são gravadas.

O tema foi debatido durante o 3º Seminário Internacional de Boas Práticas Legislativas Brasil/Reino Unido, organizado pela Embaixada Britânica com apoio do Centro de Formação da Câmara dos Deputados (Cefor) e das Consultorias Legislativas da Câmara e do Senado.

Questão polêmica

Contrastando com a experiência do Reino Unido e de outros países com tradição democrática mais longa, o Brasil não tem o lobby regulamentado, embora o assunto seja objeto de várias proposições apresentadas na Câmara e no Senado nos últimos anos. A mais recente delas é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 47/2016, de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR), que sugere mudanças substanciais para tratar legalmente a questão.

Lorde Dave Watts observou que a discussão sobre o lobby é sempre polêmica. Ele apontou como uma demonstração disso a opinião de que, a despeito dos avanços ocorridos, mesmo a legislação em vigor na Grã-Bretanha merece aprimoramento. Esse é um ponto de vista que ele compartilha com os outros dois parlamentares presentes no seminário — Laurence Robertson e Graham Brady, ambos representantes do Partido Conservador na Câmara dos Comuns.

— Um dos problemas é que os servidores públicos e as organizações não governamentais, e temos lá muitas ONGs poderosas, não estão sujeitos à legislação — afirmou Laurence Robertson.

Participação dos cidadãos

Em outro painel do seminário, debatedores brasileiros analisaram maneiras de promover a participação dos cidadãos no processo legislativo, assim como de aumentar a eficácia das normas legais aprovadas pelo Parlamento do país.

Para o consultor legislativo do Senado Arlindo Fernandes de Oliveira, mecanismos de intervenção popular podem dar legitimidade ao sistema democrático numa conjuntura em que, tanto no Brasil quanto no mundo, há “uma desconfiança em relação à política, que é uma desconfiança em relação à democracia representativa”.

Tais mecanismos incluem o plebiscito, o referendo e as leis de iniciativa popular, todos previstos na Constituição, e ferramentas regimentais bastante usadas pela Câmara e pelo Senado. Entre elas, as audiências públicas para debate de propostas legislativas, às quais qualquer cidadão pode ter acesso e que estão abertas aos interessados para apresentação de perguntas (por telefone ou pela internet).

Na opinião de Arlindo Oliveira, são sinais de preconceito contra a democracia e a globalização a vitória de Donald Trump, a decisão do eleitorado britânico de deixar a União Europeia e a recente derrota da proposta de paz na Colômbia.

O diretor de Relações Governamentais da Mattos Engelberg Advogados, Caio Leonardo, citou duas medidas legislativas que resultaram de uma interação saudável entre a sociedade e o Congresso Nacional: o marco civil da internet e o novo Código de Processo Civil. Tais iniciativas remetem ao que ele chama de “democracia colaborativa”.

Qualidade das leis

A consultora do Senado Clarita Costa Maia destacou a necessidade de estabelecer parâmetros objetivos para garantir maior qualidade e eficácia nas leis aprovadas pelo Congresso. A questão tem sido estudada sob a ótica da análise econômica do Direito, "que é algo recente no Brasil, onde a tradição jurídica é mais da Filosofia do Direito", explicou ela.

Clarita Maia mostrou confiança na adoção de critérios técnicos para balizar essa avaliação. Segundo ela, o assunto se encontra ainda na fase de anteprojeto, mas deve “impactar profundamente a nossa cultura legislativa”.

— Com esse projeto que está sendo construído, será necessário, por exemplo, fazer a análise do impacto econômico de todas as propostas legislativas, o que vai nos permitir enfrentar a insegurança legislativa, que hoje aparece em várias pesquisas como o maior obstáculo para a atração de investimentos estrangeiros no país — disse a consultora.

Já o consultor legislativo da Câmara Ricardo Martins questionou a visão de que a reforma do ensino médio, promovida pela Medida Provisória (MP) 746/2016, representaria uma iniciativa legal tomada pelo Poder Executivo de forma autoritária, sem qualquer discussão prévia com a sociedade.

Ele fez um retrospecto sobre os debates a respeito do assunto, que ocorrem na Câmara dos Deputados há quatro anos, e concluiu que essa ideia é falsa. De acordo com Ricardo Martins, a MP hoje contestada por estudantes e por boa parte dos professores mantém no essencial os termos de um projeto de lei acordado com os secretários estaduais de Educação após passar pelo crivo de duas comissões especiais formadas pela Câmara.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)