Legislação desportiva é muito voltada ao futebol, dizem representantes de outros esportes

Da Redação | 21/10/2016, 16h53

Na audiência nesta sexta-feira (21) sobre o Sistema Nacional do Esporte e o financiamento público do setor, representantes de confederações e associações de vários esportes, como esportes na neve, MMA, golfe, judô e basquete, deram sugestões à comissão de juristas que vai elaborar o anteprojeto da Lei Geral do Desporto. Todos os expositores ressaltaram que a legislação está muito voltada ao futebol e não considera peculiaridades de outras modalidades.

Para o presidente da Confederação Brasileira de Desportos na Neve, Stefano Arnhold, o esporte de alto rendimento deve ser visto como principal motivador e indutor da prática desportiva como um todo. Ele trouxe exemplos de países que têm a estrutura desportiva semelhante à do Brasil, como a Grã-Bretanha, para mostrar como os Jogos Olímpicos alavancaram a prática de esportes como um todo no país.

— Depois de Londres em 2012,  o aumento da prática esportiva por jovens acima de 16 anos foi um pouco superior a 10%. Cerca de 1,6 milhões de jovens passaram a fazer esporte, saindo de 13,9 milhões, para 15,6 milhões, basicamente pela realização dos jogos olímpicos e pelo investimento no alto rendimento.

Arnhold mencionou também o exemplo da Alemanha, que integrou o esporte de alto rendimento com as iniciativas escolares, por meio de um livro contendo todas as modalidades olímpicas e paralímpicas com os nomes dos treinadores, os telefones e endereços para as crianças que querem se iniciar nas práticas desportivas.

Em relação ao financiamento público, o presidente da CBDN afirmou que é uma falácia acreditar que no Brasil existe dinheiro suficiente para o esporte e que ele é apenas mal distribuído. Segundo Arnhold, comparado a outros países, o Brasil aplica de 30% a 50% do valor que eles aplicam no setor.

— Agora, quando nós vamos disputar uma prova , uma medalha, em qualquer modalidade esportiva olímpica ou paralímpica, nós estamos disputando com eles, que têm um nível de organização e investimento muito grande — afirmou.

Arnhold também mostrou dados sobre o quanto os países economizam em outras áreas, como saúde e segurança pública, ao investirem no esporte. Segundo ele, no Canadá, as perdas são estimadas em US$ 513 por ano por trabalhador com faltas e problemas de produtividade por motivo de doenças crônicas ou cardíacas. Nos Estados Unidos, em 2000, o custo do sedentarismo foi estimado em US$ 75 bilhões.

— Há um dado sobre o Brasil, num relatório das Nações Unidas, na Organização Mundial da Saúde, dizendo que, em 2005, as perdas com essas doenças no Brasil foram de US$ 3 bilhões. Então, se agente olhar US$ 3 bilhões e ver quanto é o investimento do orçamento do Ministério do Esporte, já são números completamente diferentes. As economias que se possam conseguir na saúde provavelmente são muito maiores do que todo o orçamento – afirmou.

Modalidades recentes

De acordo com o CEO da Comissão Atlética Brasileira de MMA, Rafael Favetti, o esporte, assim como outras modalidades esportivas mais recentes, não se enquadra na Lei Pelé (Lei 9.615/1998), a atual lei geral do desporto, que parece estar voltada apenas para o futebol e para questões trabalhistas. Ele explicou que o MMA não busca formar seleções ou campeonatos e se organiza de modo totalmente diferente que a maioria dos esportes.

— Porque este esporte, que é extremamente novo, trouxe uma nova forma de se organizar as competições. As competições de MMA, as classificações de tabelas, o ranking são feitos por empresas privadas. Cada empresa tem o seu. E o espectador escolhe o campeonato que ele quer seguir. O mais famoso do mundo, chamado UFC, nós regulamos no Brasil.

Ele sugeriu à comissão que o MMA, assim como outras modalidades recentes como o Crossfit e o Ironman, possa ter liberdade de organização, mas que também tenha uma regulação para exigir componentes essenciais, como o cuidado com a saúde do atleta e a questão do antidoping.

Basquete

O superintendente da Liga Nacional de Basquete, Sérgio Domenici, falou sobre a importância da Liga para o basquete brasileiro, que de 2007 para 2014, saiu de uma posição de não ganhar nada para ganhar todos os campeonatos em nível de clubes.

— Nós fomos tricampeões sulamericanos, tricampeões das Américas, que seria a Libertadores do basquete, e o Flamengo, quando ganhou do Maccabi Tel Aviv no Rio de Janeiro, tornou-se campeão mundial — afirmou.

O problema colocado por Domenici foi a questão do registro dos contratos de trabalho, que, segundo a Lei Pelé, para os jogadores de outros esportes sem ser o futebol, é facultativo, ao mesmo tempo em que a Lei exige que os jogadores que participem de competições tenham contrato de trabalho.

Golfe

De acordo com José Kobori, da Confederação Brasileira de Golfe, o esporte é erradamente considerado de elite no Brasil, devido à falta de investimento. Como não há campos de golfe públicos, devido à baixa procura pelo esporte, e os equipamentos são importados e sofrem a cobrança de tributos, a prática do esporte fica cara.

— O Estado brasileiro, além de tributar e impedir que esses equipamentos cheguem mais baratos aqui no Brasil, sob talvez o pretexto de estar protegendo uma indústria nacional. Não existe indústria nacional de equipamento de golfe, porque não há praticante — afirmou.

Segundo Kobori, existem apenas 300 profissionais de golfe no Brasil, que sobrevivem dando aulas nos clubes. Além disso, o golfe estimula o turismo no país, pois estrangeiros vêm ao país para jogar nos campos de golfe de resorts brasileiros.

Judô

O representante da Confederação Brasileira de Judô, Luciano Hostins, apontou o artigo 90-C da Lei Pelé como um obstáculo para que a competição esportiva seja tratada no âmbito da lei da arbitragem e mediação. Segundo Hostins, a Justiça Desportiva Antidoping é um exemplo da dificuldade criada por esse artigo.

— Foi feita uma lei de afogadilho, uma regulamentação aos trancos e barrancos para contemplar uma exigência da Agência Mundial Antidoping. Mas a Agência Mundial exige de seus países signatários que lá tenha a possibilidade de se aplicar primeiramente a arbitragem e a mediação das regras antidoping. Porém, no Brasil, a lei proíbe — afirmou.

Uma peculiaridade do judô citada por Hostins foi a questão da organização em ligas, mas que são diferentes das ligas previstas na lei, porque não congregam clubes. Ele citou um caso no Rio de Janeiro em que uma liga daquele estado queria ser reconhecida como entidade oficial dentro dos requisitos da lei e o juiz, que não tinha conhecimento adequado, concedeu.

— Outra sugestão é que a regulação da liga parece simples e clara, mas talvez tenha que ficar um pouco mais clara, para que, quando enfrentada a matéria por um leigo, e mesmo falo um magistrado, que hoje pouco entende de direito desportivo, que fique o mais claro possível — afirmou.

A comissão de juristas se reúne também à tarde para debater o tema Tributação e Loterias, em que ouvirá representantes da Receita Federal, Caixa Econômica Federal e Federação de Indústrias do Estado de São Paulo.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)