Ilan Goldfajn: crescimento dos gastos públicos está na raiz da crise

Da Redação | 04/10/2016, 18h32

O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, atribuiu ao elevado crescimento dos gastos públicos nas últimas décadas a responsabilidade maior pela crise que o país enfrenta, marcada pela associação entre recessão, inflação alta e desconfiança dos agentes econômicos. Em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), nesta terça-feira (4), ele observou que as despesas do governo federal, desde 1980, subiram anualmente 6% acima da inflação.

— Uma economia que tem gastos crescendo acima da inflação por décadas é uma economia que precisa lidar com o crescimento dos gastos. Se a gente não entender isso nem depois da crise, nós temos um problema — afirmou Goldfajn.

A afirmação foi em resposta à presidente da CAE, senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), que havia criticado o diagnóstico e o tratamento do atual governo para a crise fiscal. Para Gleisi, o que levou ao descontrole fiscal recente não foi o aumento de gastos, mas sim a forte queda da arrecadação em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), por conta das desonerações fiscais e, principalmente, em decorrência da própria retração econômica.

— Portanto, querer creditar todo o efeito sobre os gastos é uma visão parcial, no nosso entender, que é voltada a um desmonte dos mecanismos distributivos de renda, da redução dos gastos sociais. Não é uma tentativa de melhorar o cenário fiscal — disse Gleisi.

Sinais positivos

Goldfajn respondeu que neste momento a economia começa a dar sinais positivos, mas salientou que apenas com o efetivo controle dos gastos será possível resolver a crise e criar confiança para a recuperação dos investimentos. Ao tratar do problema fiscal, ele ainda lembrou que, durante a década de 80 e início dos anos 90, os gastos foram financiados com hiperinflação. Ainda nos anos 90, a saída foi aumentar a carga tributária, a seu ver responsável por paralisar a economia. Por fim, nos anos recentes, o governo passou a aumentar a dívida pública, motivando desconfiança sobre a dinâmica do endividamento.

— Como qualquer dono ou dona de casa, sabemos que há um orçamento e ele precisa ser respeitado. Se ele continuar subindo além do possível, em algum momento problema dará problema — afirmou o presidente do BC.

A oposição insistiu nos argumentos de que nem os gastos públicos nem o aumento do consumo das famílias explicam o aumento recente da inflação, agora com estimativa de acumular 11% em 2016. Por isso, afirmaram que o aumento dos juros não levará ao controle inflacionário, sendo mais provável que ajude a enfraquecer a economia e, em consequência agravar o cenário fiscal, como disse Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).

— Se, por um lado, é fato que os juros elevados trabalham no sentido de fazer com que caia a inflação, por outro lado eles trabalham com muito mais força para que haja o declínio do desenvolvimento da economia, para que haja o declínio nos investimentos — afirmou Vanessa.

Tripé econômico

A audiência foi marcada por fortes debates entre representante da nova oposição e apoiadores do governo. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) disse que os argumentos econômicos dos oposicionistas se baseiam em teses econômicas que serviram para desorganizar o país, motivando a situação catastrófica agora enfrentada. Ataídes Oliveira (PSDB-TO) afirmou que, em 2003, a “empresa Brasil” foi entregue em ótima situação ao primeiro dos governos petistas. No entanto, como disse, o governo do presidente Michel Temer, desde a fase interina, em maio desse ano, “pegou uma empresa quebrada, em plena insolvência”.

Flexa Ribeiro (PSDB-PA) manifestou concordância com as linhas de política defendida pelo presidente do BC, baseada no tripé que preconiza o equilíbrio fiscal, o controle da inflação e o câmbio flutuante. Ele lembrou que essa foi a receita que levou o país ao “caminho da credibilidade e do desenvolvimento” à época do governo de Fernando Henrique Cardoso e posteriormente no governo Lula. Ele criticou a ex-presidente Dilma Rousseff, a quem atribuiu a responsabilidade de reduzir artificialmente os juros e as tarifas de energia.

Preços administrados

Ilan Goldfajn apontou a redução das tarifas de energia, em 2013, como medida contraproducente do ponto de vista do equilíbrio fiscal e inflacionário. Ressaltou que, já em 2015, por conta das correções exigidas, a inflação da energia foi de 50% a 60%.

Com isso, a inflação sobre os preços administrados chegou a 18%, ajudando a elevar a estimativa de inflação pelo IPCA, que chegou a ser projetada em 2016 em 11%, mas cedendo para taxas em torno de 7,30%, segundo projeções mais recentes (diante de uma meta estabelecida de 4,5%).

— Então, há, sim, impacto de algo que foi feito no passado, que teve consequências no passado recente, e impacto sobre a política monetária — concluiu Goldfajn.

Regulação

Houve seguidas críticas, por parte da oposição, à manutenção dos juros básicos da economia ainda acima de 14% ao ano pelo Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central. Como a inflação está em queda, disse Lindbergh Farias (PT-RJ), na prática o Copom está aumentado os juros reais, quando ao redor do mundo os juros chegam a ser negativos.

— Estamos numa recessão do tamanho do mundo, e a saída de vocês [governo] é a aumentar os juros e cortar gastos — reclamou.

O presidente do BC afirmou que os juros poderão cair à medida que sejam solucionadas várias questões estruturais na economia, por meio de reformas que estão sendo cogitadas, inclusive por meio de um teto, vinculado à da inflação, para o crescimento dos gastos públicos.

Goldfajn foi também questionado sobre a necessidade de mais regulação no sistema bancário, diante das distâncias entre os juros básicos e as taxas bancárias para o crédito consignado, cheque especial e cartão de crédito, que nesse caso chegariam a mais de 400% ao ano em alguns bancos.

— Na verdade, o sistema financeiro é bem regulamentado. Eu diria que o incômodo no mundo é que [o acordo de] Basileia III está entrando, e a regulação está ficando cada vez mais forte — disse, citando acordos regulatórios negociados entre bancos centrais de todo mundo.

Câmbio

O senador Armando Monteiro (PTB-PE) lembrou que já existe consenso de que a economia dá sinais de estabilização, havendo dados nesse sentido da produção industrial, com divergências apenas sobre a intensidade. Reconheceu ainda que o ritmo da flexibilização dos juros vai depender da evolução do quadro fiscal. Observou, porém, que o câmbio é outro ponto importante, e há preocupação em alguns setores, diante da valorização do real em 20% esse ano.

— Com essa forte valorização que se observa em 2016, a rentabilidade do setor exportador começa a ser comprometida. E esse canal externo — que é tão importante para a recuperação da economia brasileira e que vem dando, mesmo nesse quadro difícil, uma contribuição positiva, é evidente que essa questão muito importante para que o canal externo continue a dar uma contribuição positiva ao processo de recuperação — afirmou.

Para o presidente do BC, com as questões estruturais da economia resolvidas, o país poderá ter juros menores, o que ajudará também a resolver a questão do câmbio de modo permanente.

Comércio

Em seguida, respondeu Goldfajn também a Monteiro a respeito do que o senador chamou de uma “jabuticaba” brasileira: o longo prazo para liquidação de faturas de cartões de crédito ao comércio varejista.

No Brasil, disse Monteiro, o comércio leva até um mês para receber os créditos das vendas, defasagem que comprometeria seriamente o capital de giro das empresas. Na Argentina, o prazo seria de cinco dias e no Chile apenas três. Goldfajn admitiu que essa questão é uma das que devem ser enfrentadas no médio e longo prazo, assim como o problema dos spreads bancários (diferença entre juros cobrados e taxas de aplicação), ponto que foi abordado pela senadora Kátia Abreu (PMDB-TO).

— Acho que são questões válidas para o Banco Central trabalhar junto com o sistema [financeiro] porque são ações que têm que estar na agenda. Considero que faz parte do nosso trabalho tratar essas questões — antecipou.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)