Para jurista, Dilma é vítima de mudança na interpretação da lei

Da Redação | 27/08/2016, 23h39

O jurista Ricardo Lodi Ribeiro afirmou neste sábado (27) aos senadores, em sessão de julgamento de Dilma Rousseff, que as acusações à presidente afastada se apoiam em nova interpretação das leis, feita depois de os fatos terem ocorrido.

— É a tentativa de imputação de um crime quando, no momento que os fatos ocorreram, aquela conduta era considerada lícita por todos, pelo TCU [Tribunal de Contas da União], pelos técnicos do governo, pela doutrina. O que se está fazendo nesse processo de impeachment é, após a conduta, ir criando aos poucos, burilando a tipificação dessa conduta, para fortalecer a tese da acusação no meio do processo — opinou o jurista, que por ter atuado como perito no processo e como advogado de Dilma junto ao TCU depôs apenas como informante, e não como testemunha de defesa.

Ao analisar as ilegalidades apontadas pela acusação referentes ao crédito de suplementação orçamentária, Lodi afirmou que a exigência de compatibilidade entre a abertura de crédito suplementar e a previsão da meta, e não a obtenção financeira da meta, seria uma novidade criada após a edição dos decretos.

— Nunca se fez essa interpretação no Direito Financeiro brasileiro até o acórdão do TCU do dia 7 de outubro de 2015. Os decretos são de julho e agosto de 2015, quer dizer, o que temos aqui é uma criação de Direito novo, não por alteração da letra da lei, mas por alteração da interpretação que essa lei recebeu dos seus vários aplicadores — disse, em resposta a Paulo Paim (PT-RS), primeiro senador a questioná-lo.

A modificação das teses da acusação ao longo do processo de impeachment foi também apontada pelo advogado da defesa, José Eduardo Cardozo. Para o defensor de Dilma Rousseff, a questão da meta orçamentária, com cumprimento bimestral, teria surgido somente depois de iniciado o processo e não seria compatível com a lei.

Para Ricardo Lodi, não há, no Direito Financeiro, a figura da meta orçamentária. Segundo o professor, desde 2014, a Lei de Diretrizes Orçamentárias repete que os decretos de crédito suplementar levam automaticamente ao aumento do contingenciamento na mesma proporção. Com isso, argumentou, não houve elevação de despesa pública.

— Parece não ser juridicamente possível considerar que houve abertura de crédito suplementar sem prévia autorização legislativa. A autorização legislativa foi prévia, mas submetida a uma condição, que foi cumprida com o contingenciamento automático daqueles recursos que foram previstos pelos decretos de suplementação — disse Lodi.

Plano safra

Na opinião de Ricardo Lodi, a interpretação de que os atrasos de pagamento das obrigações do Plano Safra seriam operações de crédito, constante da denúncia contra Dilma Rousseff, também seria uma regra alterada depois dos fatos.

— Essa é uma construção jurídica que inexistia no Direito financeiro brasileiro e foi criada depois dos fatos serem assentados. Nunca a doutrina brasileira, inclusive a jurisprudência administrativa do Tribunal de Contas, tinha feito tal analogia. Os elementos centrais de uma operação de crédito — a existência de vontade das duas partes, o instrumento contratual, a transferência de recurso de credor para devedor – inexistem no adimplemento de obrigações ex lege [advindas da lei] — continuou.

Sobre o Plano Safra, Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) perguntou ao professor se o tempo que o governo demorou para pagar a equalização dos juros do crédito agrícola ao Banco do Brasil e o valor envolvido seriam capazes de tornar crime o que ocorreu.

Segundo Ricardo Lodi, até o acórdão do TCU de 2015, não havia analogia entre atraso no pagamento desse tipo de obrigação e operação de crédito. Para ele, o tempo até o pagamento e o valor em questão não são capazes de mudar a natureza do ocorrido e transformar uma prática até então aceita em crime de responsabilidade.

O jurista reafirmou essa convicção ao responder a pergunta feita pela advogada da acusação, Janaína Paschoal.

— Se prevalecer a interpretação que se está querendo impor, vamos chegar à conclusão que a União não pode contratar com os bancos que ela controla, pois em qualquer relação contratual pode surgir o inadimplemento, gerando um direito de crédito. Está se tentando confundir direito de credito com operação de crédito — afirmou Lodi.

Ausência de culpa

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) perguntou ao professor Ricardo Lodi sobre a autoria das chamadas pedaladas fiscais e sobre o fato de o Ministério Público ter inocentado Dilma na esfera comum. Lodi foi enfático ao dizer que, quanto às pedaladas, era preciso deixar claro que o regramento normativo atual não prevê competência da presidente da República nesses casos.

— Não há que se falar de omissão ou delegação. Essa competência é conferida pelo legislador ao ministro da Fazenda — afirmou, reforçando ainda que parecer do Ministério Público Federal não aponta operação de crédito os atrasos pelo Tesouro Nacional nos repasses aos bancos oficiais para quitar pagamentos de prestação de serviços ou subvenção de juros para programas do governo.

Na avaliação da senadora Fátima Bezerra (PT-RN), "os defensores do impeachment tentam instituir o parlamentarismo à força" no Brasil, sem consulta ao povo. Ela pediu que Ricardo Lodi explicasse as confusões teóricas que seriam exploradas pelos defensores do impedimento da presidente.

O jurista respondeu que não se pode aproveitar o espaço que a Constituição dá, dentro de um sistema de pesos e contrapesos, para suprimir um mandato presidencial sem que se configure a existência de crime de responsabilidade, materialidade e dolo.  Ele afirmou que há golpe se o impeachment for aprovado sem crime de responsabilidade. E não há golpe se o impeachment for decretado havendo crime de responsabilidade. O que não pode, frisou, é decretar-se o impedimento apenas com base em juízo político.

Críticos

Senadores favoráveis ao impeachment, como Ricardo Ferraço (PSDB-ES), Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) e Magno Malta (PR-ES), questionaram o fato de Lodi representar Dilma Rousseff no processo que ela enfrenta no Tribunal de Contas da União. Nessa condição, frisaram os parlamentares, não haveria pertinência no depoimento do jurista.

Na presidência do processo, o ministro Ricardo Lewandowski observou que Lodi era ouvido ali na condição de informante, explicando que, nessa condição, “o juiz pode ouvir até a mãe do réu”. Lembrando manifestações de Lodi nas redes sociais contra o processo de impeachment e militância em favor da presidente, os senadores decidiram não arguir o informante.

Já o senador Ronaldo Caiado 9DEM-GO) citou o parecer do procurador da República Ivan Claudio Marx, que determinou o arquivamento da investigação criminal sobre as pedaladas fiscais da presidente afastada, questionando Lodi quanto à possibilidade de um ato não se configurar em crime comum, mas ser, sim, um crime de responsabilidade.

Lodi admitiu essa situação, em tese, mas negou que esse seja o caso das denúncias contra Dilma. Ele disse que o procurador rejeitou a existência de crime comum por não considerar como operações de crédito os atrasos pelo Tesouro Nacional nos repasses aos bancos oficiais para quitar pagamentos de prestação de serviços ou subvenção de juros para programas do governo.

— O que não é possível é que na esfera penal não haja operação de credito, mas na espera política haja. Não haverá consequências penais no que tange essa conduta como operação de crédito porque assim não foi tipificada — ressaltou o jurista.

Para Caiado, o professor reconheceu ser possível um crime de responsabilidade não se configurar em crime comum e lembrou que o ex-presidente e atual senador Fernando Collor (PTC-AL) foi condenado pelo Senado por crime de responsabilidade, mas acabou absolvido no Supremo Tribunal Federal pelo crime comum.

Processo legal

O senador Cristovam Buarque (PPS-DF) indagou ao professor sobre o cerceamento de defesa e o devido processo legal. Lodi reconheceu não ter havido cerceamento da defesa no curso do processo, mas reafirmou que não há crime de responsabilidade. Cristovam rebateu dizendo que, como há duas interpretações possíveis, ambas bem embasadas, ele, com a convicção de que houve responsabilidade direta de Dilma Rousseff nos fatos investigados, vê no amplo exercício do direito de defesa um motivo a mais para decidir pelo impeachment.

Já o senador Reguffe (sem partido-DF) criticou a fala de Lodi sobre a meta fiscal e considerou inadmissível que, frente a uma meta fiscal vigente, o governo tenha editado decretos de crédito suplementar descumprindo essa meta e sem autorização do Congresso.

Advogados

Ao responder ao advogado de defesa, José Eduardo Cardoso, Lodi criticou o relatório de Antonio Anastasia (PSDB-MG) por apontar um "prazo" para a pagar os juros referentes às obrigações "ex lege", advindas da lei, e enxergar aí uma operação de crédito, o que é vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal. E admitiu à advogada de acusação, Janaína Paschoal, discordar do parecer do procurar Ivan Marx quanto à existência de improbidade nas referidas operações entre os bancos públicos e sua controladora, a União.

O depoimento de Ricardo Lodi encerrou a fase de arguição de testemunhas e informantes indicados pelas no processo de impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff. O julgamento será retomado na segunda-feira (29), com o depoimento da presidente afastada.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)