'Pílula do câncer' é testada em seres humanos

Paulo Sérgio Vasco e Sílvio Burle | 23/08/2016, 09h20

Simples Placebo ou droga realmente eficaz no combate ao câncer? Vinte anos depois de ser sintetizada e começar a ser distribuída pelo químico Gilberto Chierice no interior de São Paulo, a fosfoetanolamina, composto de nome complicado que se tornou sinônimo de polêmica, finalmente é posta à prova em humanos de acordo com padrões reconhecidos pelo governo e instituições de pesquisa (veja quadro).

Dois estudos clínicos conduzidos por entidades respeitadas no setor de oncologia estão dando os primeiros passos. Um deles, do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), é financiado pelo governo daquele estado. O outro, com financiamento dos Ministérios da Saúde e da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, é feito em parceria pelo Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da Universidade Federal do Ceará (NPDM-UFC) e pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca), com sede no Rio de Janeiro.

— A questão mais crítica em relação à fosfoetanolamina é que ela não foi produzida, encapsulada e distribuída aos pacientes seguindo as boas práticas laboratoriais, farmacêuticas e clínicas — avalia a coordenadora de Pesquisa e Educação do Inca, Marisa Dreyer.

Segundo ela, se desde o começo da produção do composto esses procedimentos tivessem sido seguidos, “já teríamos encontrado com segurança respostas a todas as perguntas”.

Os dois estudos obedecem a um protocolo aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável por liberar a utilização e comercialização de medicamentos no país.

A primeira fase, chamada pré-clínica, tem testes in vitro (com células humanas ou de animais em laboratório) e experimentos in vivo (com animais como camundongos). Um dos principais objetivos nessa etapa é verificar a segurança (não toxicidade) da droga.

Esse estágio foi dispensado na pesquisa do Icesp pelo fato de a fosfoetanolamina vir sendo ministrada há anos a pacientes com câncer. Mesmo assim, o estudo iniciado no final de julho começou pela fase clínica 1, que visa testar a segurança da droga na ingestão das pílulas por seres humanos. Os primeiros resultados da fase atual devem sair em dois meses , mas todas as etapas da pesquisa previstas para antes da comercialização podem levar cerca de dois anos.

No caso do estudo financiado pelos ministérios, a fase pré-clínica, na Universidade Federal do Ceará, ocorreu no fim do ano passado e a avaliação com humanos pode começar este mês.

No dia 16, o Ministério da Ciência e Tecnologia divulgou os resultados de pesquisa sobre os efeitos da fosfoetanolamina em camundongos com melanoma. O estudo indicou que a substância foi capaz de reduzir o tumor, mas com efeito menor que a ciclofosfamida, já usada na quimioterapia contra o câncer.

Origem

A fosfoetanolamina foi sintetizada no Instituto de Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), há cerca de 20 anos, pelo professor Gilberto Chierice. A substância tem sido usada sem autorização da Anvisa e vinha sendo distribuída de forma gratuita no campus da universidade em São Carlos.

Em 2014, a entrega foi suspensa depois que uma portaria do governo determinou que substâncias experimentais deveriam obter todos os registros antes de serem liberadas à população.

O assunto ganhou repercussão. Em setembro de 2015, o Senado entrou nas discussões, com pronunciamentos de senadores e audiências públicas.

Nos debates, que contaram com Chierice e diversos especialistas, as posições divergiram. Alguns pesquisadores relataram casos de regressão do câncer pela substância. Outros apontaram a necessidade dos estudos controlados em humanos.

No Congresso, Ivo Cassol (PP-RO) é um dos maiores defensores da fosfoetanolamina. Em pronunciamento em 14 de abril, o senador saudou a sanção da Lei 13.269/2016, que autorizou o uso da substância por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna antes do registro pela Anvisa.

No entanto, a aplicação da lei foi suspensa em maio pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ao deferir ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação Médica Brasileira (AMB). A entidade sustentou que, diante da ausência de testes em seres humanos, a liberação do medicamento é incompatível com direitos constitucionais à saúde, à segurança e à vida.

Para Humberto Costa (PTPE), ex-ministro da Saúde, a realização dos testes é justa, já que há depoimentos apontando a redução de sintomas com o uso da substância. O senador ressalta, porém, que não pode haver comercialização sem as pesquisas clínicas.

— No caso da fosfoetanolamina, os primeiros testes mostraram que ela não é tóxica para os seres humanos, mas mostraram também que ela não tem eficácia maior que outros medicamentos que já existem e são usados no tratamento do câncer.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)