Cardozo diz que relatório de Anastasia é 'autoritário' por criminalizar quem pensa diferente

Sergio Vieira | 03/08/2016, 18h51

O advogado de defesa da presidente afastada, Dilma Rousseff, José Eduardo Cardozo, disse que o relatório do senador Antônio Anastasia (PSDB-MG) na Comissão Especial do Impeachment é  "autoritário" por criminalizar quem pensa diferente em relação à gestão orçamentária. Anastasia recomendou à Comissão de Impeachment o afastamento definitivo de Dilma Rousseff da Presidência da República pela prática de crimes de responsabilidade.

- E com um agravante devido a seu viés retroativo, quando há provas em profusão nesse processo de que casos análogos ocorridos em outros governos jamais haviam sido apontados como irregulares antes da mudança recente de interpretação - defendeu.

Cardozo ainda acredita que Anastasia não conseguiu livrar-se da "paixão partidária" na elaboração de seu relatório, sendo "brilhante" como peça de tese política, mas que entre outros aspectos que vê como negativos, tenta encaixar uma perfeição do "mundo ideal" na realidade da gestão do governo federal.

Essa crítica foi relativa à tese de Anastasia de que Dilma cometeu crime de responsabilidade na edição de três decretos de créditos suplementares no ano passado.

- O que importa para o cumprimento da meta fiscal é o quanto se gasta. Vossa excelência trabalha num "império do mundo das ideias" onde a forma prevalece sobre a substância, onde a meta fiscal pode levar à cassação do mandato de uma presidente mesmo sem ter um centavo a mais gasto por decretos - afirmou ainda Cardozo, aludindo a uma tabela apresentada pela perícia de especialistas do Senado que, no seu entender, corrobora a tese da defesa.

Desvio de poder

Cardozo também lamentou o fato de o relatório de Anastasia não mencionar o "desvio de poder" que entende existir em todo o processo de impeachment, "uma vontade deliberada de se afastar a presidente".

- Vossa excelência não comenta o áudio de senadores afirmando que era preciso "estancar a sangria" (em relação às investigações da Lava-Jato), nem as declarações da senadora Rose de Freitas [quando presidente da Comissão de Orçamento, afirmou que Dilma "não cometeu pedaladas"), nem as falas de senadores dizendo que "não era preciso produzir as provas" - criticou o advogado, questionando se o Congresso teria "medo" de tratar desses temas.

Cardozo ainda citou um trecho do livro Instituições de Direito Penal, do jurista Miguel Reale Júnior (um dos autores do pedido de impeachment), defendendo a tese de que a imputação de crimes de omissão não se estende genericamente, mas possuiria um "destinatário próprio", aquele a quem cabe juridicamente impedir o evento. O comentário foi feito em relação ao Pano Safra (a "pedalada"), não gerido diretamente por Dilma.

- Ele próprio afirma que para que eu possa ter uma situação omissiva jurídica, eu tenho que efetivamente ter uma regra de dever especifico. Não basta a atribuição geral como faz vossa excelência, porque senão qualquer delitozinho que ocorra em relação a leis de Direito Financeiro, efetivamente haverá a configuração de um crime de responsabilidade - lamentou.

Cardozo também fez reparos ao fato de Anastasia, no seu entender, ter estabelecido "por conta própria" um prazo retroativo de 40 dias para justificar o suposto "atraso" na operação referente ao Plano Safra.

No que se refere aos créditos suplementares, o advogado ainda acredita que o relator cometeu "um ato incrivelmente falho" ao por em seu relatório que "a máquina burocrática buscou a interpretação mais conveniente" na justificativa dos decretos.

- Então como pode a presidente da República ser responsabilizada por isso? Se foi a burocracia que fez e você entende que foi um erro, onde ela entra? Por não ter evitado se já havia um entendimento consolidado em torno da temática? Como pode configurar dolo, e ainda mais retroativamente, neste caso? - indagou

O advogado ainda chamou de "malabarismo retórico" a interpretação de Anastasia de que Dilma agiu com "má-fé" quando enviou o PLN 5/2015 ao Congresso (alterando a meta fiscal). Disse que o senador omite a própria perícia do Senado, que detectou que Dilma não foi alertada quanto à suposta "ofensa" da meta que estaria presente nestes decretos. E voltou a reiterar que o PLN 5/2015 deveu-se à queda da arrecadação.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)