Retenção de cérebros é um grande desafio para o Brasil, conclui audiência da CRE

Sergio Vieira | 02/06/2016, 16h11

A Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado realizou nesta quinta-feira (2) uma audiência sobre a atração de capital humano para o país, migração e aspectos relacionados à assistência a brasileiros no exterior.

Um dos temas mais tratados foi o impacto da atual crise econômica e condições estruturais na sociedade que têm intensificado a fuga de cérebros, tanto de cientistas quanto de corpo técnico e executivo altamente qualificado, em busca de melhores oportunidades em outros países.

O fenômeno, conhecido pela expressão inglesa brain drain (fuga de cérebros), está no caso brasileiro ligado ao recente aprofundamento da crise econômica, além de problemas estruturais como investimento insuficiente em inovação e ciência, ausência de programas de longo prazo e burocracia em excesso, segundo Eduardo Matsushita, presidente da CEO Infinitas. A empresa realiza a intermediação na seleção de executivos para empresas.

Ele destacou que a queda presenciada hoje na economia brasileira vai além de ciclos normais de expansão e retração, configurando um decréscimo acentuado num intervalo muito curto de tempo. Como exemplo citou dados de pesquisas de mercado referentes à microeconomia, indicando que oito em cada dez empresas estão reduzindo investimentos e demitindo seus empregados.

Também explodiram nos últimos meses os pedidos de recuperação judicial por parte das companhias, sendo que 1/3 dos casos referem-se a grandes conglomerados, com milhares de funcionários.

- No caso dessas empresas tem havido uma redução drástica em cargos de direção e gerência, superior a 50%. São pessoas altamente qualificadas ficando desempregadas - lamentou o especialista.

Também cresceu muito nos últimos meses a capacidade ociosa na indústria de transformação, com índices em alguns casos atingindo 60%, "configurando na prática uma situação pré-falimentar nessas empresas", frisou Matsushita. O quadro tem feito com que um contingente de mão-de-obra qualificada - tanto de brasileiros quanto de estrangeiros que vieram recentemente para o Brasil - esteja emigrando.

- O Brasil vive hoje um brain drain, uma fuga de executivos, doutores, mestres, pesquisadores e talentos de alto nível, por falta de perspectivas - disse.

Exemplo americano

Ele citou ainda que pesquisas feitas pela CEO Infinitas mostram que seis a cada dez executivos sairiam do país em caso de oportunidade, índice que atinge 90% entre os que se encontram sem emprego. Matsushita disse conhecer diversos casos de pessoas que foram para os Estados Unidos, conseguindo abrir negócios ou atingir colocações no mercado de trabalho.

- Temos que nos espelhar em casos como esses, de países que tem políticas voltadas para a atração e retenção de cérebros - defendeu.

O caso é ainda mais grave na saída do Brasil de executivos estrangeiros a serviço de multinacionais, pois são funcionários mais caros que devido à crise têm se dedicado apenas à reestruturação das companhias ou à demissão de trabalhadores.

Senadores como Cristovam Buarque (PPS-DF) e Lasier Martins (PDT-RS) também apontaram como aspectos estruturais do Brasil que dificultam a formação, atração e retenção de talentos os baixos investimentos educacionais e em ciência e tecnologia. Lasier criticou o Ministério da Ciência e Tecnologia por ter investido apenas 13% de recursos oriundos de taxas cobradas das empresas, destinadas originalmente a um fundo com o objetivo de investir em pesquisa e inovação.

- Coletaram R$ 21 bilhões, mas 87% foi pra fazer superávit primário e para outras destinações. Desse jeito estamos condenados a sermos sempre apenas exportadores de matérias-primas - criticou Lasier.

Também participaram da audiência os embaixadores da Austrália, John Richardson e do Canadá, Riccardo Savone. Eles falaram sobre as respectivas políticas e estratégias de seus países voltadas para a atração e retenção de cérebros. Savone disse que o Canadá sofreu bastante até a década de 1980 do século passado por causa disso, mas que conseguiu equilibrar essa equação desde então.

- Somos muito próximos geográfica e economicamente dos Estados Unidos, então isso é sempre um desafio para nós. Procuramos compensar atuando agressivamente e facilitando ao máximo a vinda de mão-de-obra qualificada estrangeira, somos hoje um país aberto nesse sentido - informou Savone, lembrando que hoje 21% da população do Canadá veio de fora, número que em cidades como Toronto se aproximam de 50%.

O embaixador disse que fez parte da estratégia de seu país uma política de isenção fiscal para investimentos privados, o que contribuiu para o estágio de dinamismo econômico presenciado hoje no Canadá. Já Richardson confirmou que faz parte de suas atribuições a intensificação de parcerias nos campos econômico e acadêmico entre Austrália e Brasil, o que inclui o intercâmbio de pessoas.

Também participou da audiência o subsecretário-geral das Comunidades Brasileiras no Exterior, embaixador Carlos Alberto Simas. Ele tratou sobre o impacto da crise e as restrições orçamentárias pelas quais o setor vem passando na busca por cumprir suas missões. Ele disse que o Itamaraty "tem feito milagres" no atendimento aos brasileiros emigrados, buscando intensificar ações nos campos da educação, saúde e cidadania.

- Muita gente de classe média baixa também emigra, em muitos casos sem saber falar a língua local e passando por dificuldades de inserção e no exercício de direitos - exemplificou.

A comissão também agendou para a próxima quinta-feira (9) a sabatina do diplomata Sérgio Danese, indicado pelo governo para a Embaixada do Brasil na Argentina. Ainda na região desta quinta-feira oi aprovado o requerimento de Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), presidente do colegiado, convidando o novo ministro da Defesa, Raul Jungmann, para uma audiência pública, em data ainda a ser marcada.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)