Às vésperas da Rio 2016, legado da Olimpíada ainda é incógnita

Sergio Vieira e Pedro Pincer | 10/11/2015, 10h53

Aprovado na Comissão de Educação, Cultura e Esporte, projeto de Romário pretende garantir recursos para programas de incentivo ao esporte educacional e de alto rendimento

Ganhador de uma medalha de prata nas Olimpíadas de Seul, na Coreia do Sul, em 1988, e da Copa do Mundo nos Estados Unidos, em 1994, Romário (PSB- RJ) apresentou como primeiro projeto no Senado o que cria o Fundo Nacional do Legado Olímpico e Paralímpico. O PLS 26/2015 tem como objetivo financiar programas de desenvolvimento do esporte educacional e de alto rendimento.

— A Olimpíada vai transformar o Rio de Janeiro. Disso eu tenho absoluta certeza. O que precisamos garantir é que sejam transformações de que as pessoas realmente precisem e que tragam desenvolvimento, emprego e boas condições para as novas gerações de atletas — disse o senador em fevereiro, ao apresentar o projeto em Plenário.

Os recursos do fundo devem ser geridos e fiscalizados pelo Ministério do Esporte, que vai determinar as condições de aplicação. Outro objetivo diz respeito à manutenção da infraestrutura do Parque Olímpico e do Complexo de Deodoro. A intenção é evitar problemas como o que aconteceu com a estrutura do Estádio Nilton Santos, que ficou fechado de maio de 2013 até o início deste ano.

O texto deixa claro que os recursos do fundo devem ser destinados prioritariamente ao esporte nas escolas ou às modalidades de alto rendimento olímpicas e paraolímpicas. Essa filosofia se coaduna, no entender de Romário, com o objetivo de manutenção da infraestrutura e dos equipamentos criados para o Parque Olímpico e o Complexo de Deodoro, principais sedes das competições do Comitê Olímpico Internacional (COI) no ano que vem.

— Nosso dever é impedir que sobrem espaços ociosos. Meu foco é no esporte educacional e nos atletas de alto rendimento, que muitas vezes não têm estruturas adequadas para se prepararem — diz Romário.

A ideia é que o fundo seja abastecido por dez anos com recursos provenientes, por exemplo, de repasses federais, dotações orçamentárias destinadas pela Lei Orçamentária Anual e doações. Outra forma seria pelo repasse de 1% da arrecadação dos fundos de investimentos regionais e também de 1% da arrecadação bruta dos concursos de loterias federais, deduzindo-se esse valor do montante destinado aos prêmios

Somente com loterias, o programa pode arrecadar até R$ 53,8 milhões anualmente, se for levada em conta a arrecadação das loterias federais em 2013 (já descontado o valor destinado aos prêmios).

Legado

O projeto foi aprovado em junho pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte. E agora é analisado em caráter terminativo na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), onde Davi Alcolumbre (DEMAP) foi indicado para a relatoria

— O legado de um mega-evento como esse fica, e isso independe até de haver um arcabouço legal regulando isso ou não. Acredito que o Senado, o poder público em geral, deve fazer de tudo para que o que foi feito continue a ser utilizado pela população — disse o senador, relator da proposta na CAE. Ele acredita que esses objetivos não foram atingidos no Pan de 2007 e na Copa no ano passado.

— O velódromo no Rio de Janeiro, entre outras estruturas, foi desativado. E todos sabem que diversos estádios feitos para a Copa praticamente não são utilizados — afirma.

Comissão sugere política de reajuste para Bolsa-Atleta

A Comissão de Educação também analisou neste ano as políticas públicas dos Programas Bolsa-Atleta e Atleta Pódio, do governo federal. O relatório foi feito pelo presidente da comissão, Romário, após o colegiado ouvir em audiências uma série de atletas, jornalistas, acadêmicos e especialistas nas políticas.

Segundo Romário, no geral as iniciativas são vistas como bem-sucedidas pelos públicos-alvo. A Bolsa-Atleta já atendeu, com base em números de 2015, 6.093 competidores, e outros 255 têm direito à Bolsa-Atleta Pódio, esta restrita a brasileiros que figurem entre os 20 melhores do mundo em suas modalidades.

Com o relatório aprovado pela comissão, foram encaminhadas recomendações ao Ministério do Esporte. Entre elas, a definição de uma política de reajustes para a bolsa-atleta; a redução do tempo entre a inscrição do atleta e o recebimento do benefício; e a definição de regras claras quanto à acumulação da Bolsa-Atleta com outros benefícios ou formas de patrocínio.

Lei permite deduzir do IR doação a projetos

A Lei de Incentivo ao Esporte (Lei 11.438) está em vigor desde 2006, após ser aprovada pelo Congresso e sancionada pelo então presidente Lula. O objetivo é destinar recursos para projetos na área esportiva por meio da renúncia fiscal, de forma semelhante ao que a Lei Rouanet faz na área da cultura. Prevista para durar por dez anos, foi prorrogada até 2022.

Pela lei, podem ser deduzidos do Imposto de Renda (IR) devido — apurado na Declaração de Ajuste Anual pelas pessoas físicas ou em cada período de apuração, trimestral ou anual, pela pessoa jurídica tributada com base no lucro real — os valores despendidos em patrocínio ou doação, no apoio direto a projetos esportivos e paraesportivos previamente aprovados pelo Ministério do Esporte.

A lei determina que os recursos captados por meio do benefício fiscal devem atender a pelo menos uma das seguintes manifestações: esporte educacional, esporte de participação ou esporte de rendimento.

Com relação à quantia renunciada pela União em favor dos projetos, a lei permite que a pessoa jurídica deduza até 1% do IR devido, em cada período de apuração. A pessoa física pode deduzir até 6% do IR devido.

Outra iniciativa do governo federal, a Política Nacional do Esporte e Lazer, foi apresentada em 2004, na 1ª Conferência Nacional do Esporte, em Brasília. A mobilização envolveu 83 mil pessoas de 2,5 mil municípios. A aprovação do Conselho Nacional do Esporte permitiu à atividade esportiva ser tratada como questão de Estado e direito do cidadão. Onze anos e três olimpíadas depois (Atenas, Pequim e Londres), os resultados não estão nem perto dos esperados.

Remoções de moradores são motivo de preocupação

O dia 2 de outubro de 2009 entrou para a história do esporte brasileiro. Isso porque nesse dia, em Copenhague, na Dinamarca, o Rio de Janeiro era escolhido para sediar os Jogos Olímpicos de 2016. Desde então, a cidade e o país passaram a correr contra o tempo, acumulando a realização do megaevento do COI com a Copa do Mundo, no ano passado. Romário acredita que, ao final, os Jogos de 2016 também trarão ganhos para a população da capital fluminense.

— É claro que vai continuar faltando muita coisa, mas de qualquer forma a realização dos Jogos acelerou algumas obras que vão ficar para a população — disse Romário em entrevista à Agência Senado.

A duplicação do Elevado do Joá, o viário da Barra, a ligação do BRT Transoeste à linha 4 do metrô e a construção da Transolímpica são algumas das obras que prometem melhorar o complicado trânsito da cidade.

Na quarta-feira da semana passada, o senador esteve com o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, com quem tratou das famílias removidas por conta das obras.

Segundo dados do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas, mais de 7 mil famílias, perfazendo um total de cerca de 32 mil pessoas, terão sido removidas até o ano que vem.

— Isso me preocupa, as ONGs reclamam muito e acho que elas cumprem seu papel. Esse é um ponto negativo que aconteceu por causa da Copa e se repete de novo. Mas o prefeito me garante que as famílias têm sido removidas para lugares dignos — diz o senador, que afirma conversar sobre o assunto com as organizações do terceiro setor.

Para Lindbergh Farias (PTRJ), os jogos e as obras de infraestrutura centralizaram-se muito na região da Barra da Tijuca.

— Tudo hoje é feito para a Barra, a região mais rica onde existe um interesse enorme de especulação imobiliária. A maior parte da população, que está na região metropolitana, vai se beneficiar pouco — afirma o senador, fazendo coro a urbanistas e movimentos sociais que defendiam uma Olimpíada descentralizada.

Lindbergh liga essa concepção de organização com a política de remoções de populações menos favorecidas socioeconomicamente

— É quase um “higienismo” o que acontece em alguns lugares. No meu entender, tem faltado principalmente um diálogo respeitoso com essas populações.

China e Estados Unidos podem servir de inspiração

Se você já passou noite em claro em frente à TV vibrando com as cestas de lendas do basquete como Michael Jordan e LeBron James, agradeça à tradicional política esportiva universitária que é praticada nos Estados Unidos.

Naquele país, a National Collegiate Athletic Association (NCAA) representa a organiza- ção máxima dos esportes universitários. Em uma realidade muito diferente da brasileira, a entidade abrange mais de 20 modalidades em quase mil instituições de todo o país.

O destaque que se dá para a formação gradual do esportista consolida as modalidades dentro das instituições de ensino. É praticamente impossível que um atleta deixe de passar pela etapa universitária — essencial para aqueles que querem se tornar profissionais.

No Brasil, ao atingir a maioridade, grande parte dos atletas precisa optar entre os estudos e o esporte. Para não abandonar a carreira e, ao mesmo tempo, ingressar na faculdade, a oportunidade de intercâmbio com bolsas de estudos para atletas no exterior atrai um número cada vez maior de estudantes brasileiros.

Pela precariedade de estrutura e investimento, as universidades brasileiras exportam atletas e não fidelizam os esportistas em solo nacional. Embora não se tenham dados divulgados sobre o número de atletas brasileiros nas universidades americanas, é possível ter uma noção geral da captação de atletas estrangeiros pelas faculdades norte-americanas.

Segundo dados recentes da NCAA, do total de quase 455 mil estudantes atletas, mais de 8 mil são intercambistas de todo o mundo. A estratégia de sucesso consiste em oferecer estrutura de treinamento e oportunidade de crescimento para possíveis talentos nas ligas nacionais.

O Brasil está longe de ter tal visão empreendedora. A formação integral do cidadão fica comprometida pelo sistema falho das categorias de base de muitas modalidades

Projeto 119

Ao terminar os Jogos de Pequim, em 2008, com 51 medalhas de ouro, 21 de prata e 28 de bronze, no total exato de 100, a China foi o primeiro país asiático a fechar a competição na liderança, desbancando a hegemonia americana desde os Jogos de Atlanta, em 1996.

O planejamento chinês para se tornar uma nova potência olímpica foi iniciado em 2000, logo após o país saber que as Olimpíadas de 2008 seriam em sua capital. O Projeto 119, criado pela Administração Geral de Esportes da China visando à formação de campeões em modalidades nas quais a China nunca teve tradição, como boxe, remo e vela, alcançou sucesso maior que o esperado em curto espaço de tempo.

Já em Sydney, na Austrália, em 2000, o país bateu o recorde de medalhas de ouro em Olimpíadas, que era de 16, chegando a 28 vitórias. Em Atenas, na Grécia, em 2004, a China ganhou 32 ouros, ficando a 4 dos Estados Unidos. Ao conquistar ouro em esportes como natação, atletismo, canoagem e tênis, os chineses mostraram que o grande investimento na formação de atletas na base é o caminho a ser seguido pelos países que sonham um dia em se tornar uma potência olímpica.

É simbólica a vitória da tenista Na Li sobre a bicampeã olímpica Venus Williams, por duplo 7/5. Assim como a da nadadora Zige Liu, nos 200 metros borboleta, com direito ao recorde mundial. Ou o triunfo do esgrimista Zhong Man, responsável pela primeira medalha de ouro chinesa na modalidade.

Em 2012, em Londres, os chineses ficaram com a vice-liderança no quadro de medalhas, com 38 ouros conquistados, 8 atrás dos Estados Unidos.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)