Ampliação do poder dos estados de criar leis gera polêmica em audiência

djalba-lima | 22/10/2015, 17h09

Eventuais riscos na criação de leis estaduais em direitos processual e agrário causaram polêmica em audiência pública realizada nesta quarta-feira (22) pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Na reunião, foi discutida a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 47/2012, que amplia a competência legislativa dos estados e deverá entrar na pauta da CCJ na próxima quarta-feira (28). Os riscos foram apontados pelo conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil Renato da Costa Figueira; pelo secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Gabriel Sampaio; e pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e José Pimentel (PT-CE).

Figueira manifestou temor de que a permissão para as assembleias legislarem sobre direito processual, que consta da PEC, leve alguns estados a ampliarem as hipóteses de decretação de prisão preventiva previstas no Código de Processo Penal. Segundo ele, as cadeias, que estão superlotadas, não resolvem e não ressocializam os presos.  O conselheiro da OAB advertiu que essa permissão para os estados viola o dispositivo constitucional que protege as cláusulas pétreas.

Também o representante do Ministério da Justiça manifestou preocupação com o impacto dessas normas processuais de nível estadual sobre o direito material. Sampaio citou como exemplo a possibilidade de uma alteração de prazo por norma processual nos estados afetar o direito de defesa. Ele viu dificuldade também em delimitar a fronteira entre uma norma de interesse regional, em que os estados poderiam exercer sua competência legislativa de forma plena, e a garantia de direitos fundamentais.

— É, certamente, muito importante que esse tema seja debatido à exaustão. Não tenho dúvida de que, à luz da nossa Constituição e desse debate exaustivo, seremos capazes de avançar sempre mais no tratamento democrático dessa matéria — acrescentou.

Preservação

Após lembrar que 92% do ecossistema do Amapá são preservados, o senador Randolfe Rodrigues expressou sua preocupação de que a competência para os estados legislarem sobre direito agrário, de forma concorrente com a União, leve à destruição dessa natureza protegida. Ele advertiu que o poder econômico do latifúndio poderá funcionar na edição de normas de direito agrário de nível estadual.

Manifestou apreensão também quanto à resolução dos conflitos agrários por norma estadual e quanto à possibilidade de flexibilização das regras de licitação pública em estados com pouco rigor no combate à corrupção. É que, conforme a PEC, além de legislar sobre direito agrário, os estados passariam a ter competência para criar leis sobre licitação e contrato de forma concorrente com a União.

Autor do requerimento para a realização da audiência pública, o senador José Pimentel (PT-CE) afirmou que o problema maior não é falta de legislação. Ele lembrou que o número de presos no Brasil, em dez anos, subiu de 250 mil para 607 mil. Também há 200 mil pessoas condenadas com mandados de prisão expedidos e não cumpridos por não haver onde colocar esses presos.

— O problema é de outra natureza e não de legislação. Multiplicamos por três [o número de presos], nos últimos dez anos, e não demos conta da violência no Brasil. Muito pelo contrário, a violência está se expandindo — disse o senador.

No "mundo do processo civil", acrescentou, há 105 milhões de ações tramitando nos vários fóruns, para uma população de pouco mais de 200 milhões de habitantes. Para o senador, isso tem um mérito, pois "a sociedade acredita nas suas instituições e ajuíza seus processos, mas tem um demérito muito forte".

— Estamos construindo uma população intolerante, que não consegue fazer a mediação e vai direto ao Poder Judiciário. E isso tudo implica o fato de que, hoje, levamos em média 12 anos para uma prestação jurisdicional. Então, não é falta de legislação; é falta de estrutura no nosso Estado, no Poder Judiciário, para dar conta dessa avalanche de processos e, ao mesmo tempo, um ambiente em que a sociedade não conseguiu evoluir para se compor nos seus conflitos — afirmou.

Procedimentos

Já o presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Fernando Capez (PSDB), afirmou que a PEC poderá ajudar os estados na redução das demandas judiciais. Ele citou o exemplo de seu estado, onde há 24 milhões de processos em tramitação na Justiça. Desses, 14 milhões são referentes a execução fiscal em que, na sua avaliação, se poderia evitar a judicialização.

— Nós poderíamos estabelecer um procedimento prévio de conciliação em que o estado, o município e até a União façam convocação dos devedores, parcelamento dos débitos e protesto, para só então ingressar com a execução fiscal.

Capez disse que a intenção das Assembleias Legislativas, quando apresentaram a PEC no Senado, nunca foi no sentido de que os estados legislem sobre questão que restrinjam direitos e garantias individuais. Contestando o representante da OAB, ele afirma que "isso está fora de questão".

Revisão

O senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) discordou dos palestrantes que apontaram violação a cláusulas pétreas e garantiu que a PEC apenas dá início à revisão do pacto federativo. O senador Sérgio Petecão (PSD-AC) disse que as assembleias legislativas têm custo alto e produzem pouco. Para ele, a PEC retira os parlamentos estaduais da ineficiência e reconhece a importância dessas instituições.

O senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) afirmou que a paralisação do Estado brasileiro prejudica o país e que as assembleias não dispõem de competência legislativa para fazer o Brasil avançar, "por conta desse engessamento criado na Constituição".

O relator da PEC, senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), que presidiu a maior parte da audiência pública, salientou que a proposta não viola cláusula pétrea da Constituição. Segundo ele, de maneira contrária, fortalece a Federação, ao ampliar a competência legislativa dos estados. Ele reconheceu que dois temas destacaram-se na audiência, a competência em matéria processual e em direito agrário.

— Não vejo dificuldades para que a redação possa compor esses dois pontos, que foram os mais acesos durante os debates nesta audiência — afirmou.

Parte da reunião foi presidida pelo senador José Maranhão (PMDB-PB).

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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