Debatedores divergem sobre aborto voluntário

gorette-brandao | 24/09/2015, 22h37

Visões opostas sobre a regulamentação do aborto voluntário até a 12ª semana de gestação pelo Sistema Único de Saúde (SUS) foram confrontadas ontem em audiência na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). Para alguns debatedores, o feto e mesmo o embrião já são seres humanos e devem ter a vida protegida. Já os apoiadores da regulamentação defendem a liberdade das mulheres de decidir sobre ter ou não um filho, argumentando que a legalização deve acabar com os abortos clandestinos, causadores de sequelas e mortes femininas.

A audiência, a quarta sobre o tema desde o ano passado, teve por finalidade colher subsídios para análise de sugestão popular (SUG 15/2014) que propõe a regulamentação do aborto, pelo SUS, até a 12ª semana. A matéria chegou à comissão com assinaturas de mais de 20 mil apoiadores. Para começar a tramitar regularmente como projeto de lei, precisa da aprovação da CDH.

A série de debates foi requerida por Paulo Paim (PT-RS), que preside a CDH, e por Magno Malta (PR-ES), relator da sugestão. Segundo Paim, a intenção é promover discussões com a profundidade que o tema exige antes de a comissão dar o parecer. Na opinião de Malta, é positivo ouvir pontos de vista distintos. Ele não participou da audiência, justificando a impossibilidade de comparecer.

Integrante do movimento Católicas pelo Direito de Decidir, Maria José Rosado Nunes afirmou que apoiar uma legislação sobre o aborto não significa banalizar a vida, que não pode ser vista como uma “abstração retórica”. De acordo com ela, grande parte das mulheres que optam pela interrupção da gravidez já são mães que querem garantir melhores condições de existência para os filhos já nascidos. Outras não incluem a maternidade no projeto de vida. Por isso, assinalou, a maternidade deve ser sempre uma opção entre tantas outras possibilidades de realização da mulher.

— Deve resultar do desejo e da reflexão e não ser a única opção, não apenas uma capacidade biológica que nos igualaria a animais ­reprodutores — defendeu.

Maria José criticou os “discursos contra o aborto que se apresentam como vindos do campo científico ou jurídico, que servem apenas para esconder a verdade de seu caráter religioso”. Socióloga de formação, ela afirmou que o caráter laico do Estado é condição indispensável para a cidadania e a proteção às liberdade e autodeterminação dos indivíduos.

Concepção

O padre Pedro Stepien, diretor da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, defendeu a tese de que a vida começa no momento da concepção, quando o óvulo fecundado se implanta no útero. Na sua visão, aborto representa tirar a vida de “inocentes” que não podem se defender.

— Instituições internacionais, como a própria Organização das Nações Unidas, estão estimulando políticas pró-aborto — afirmou.

O padre atribuiu ao governo brasileiro a iniciativa de políticas antivida e contra a família.  Como exemplo, citou a atuação de centros de aconselhamento às mulheres, onde estariam sendo indicados métodos abortivos considerados seguros. Segundo ele, a ministra-chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, é defensora desse programa.

— Como legalizar a morte se eles mesmos dizem que só querem defender a vida? — acusou.

María Teresa Blandón, ativista feminista da Nicarágua, disse que, em seu país, “uma onda conservadora”, em 2006, colocou na ilegalidade toda forma de aborto, acabando com os critérios de legalização que eram parecidos com os de hoje no Brasil — terapêutico, para salvar a vida da mãe; quando há danos irreversíveis ao feto; ou quando a gravidez resulta de estupro. Segundo Maria Teresa, após a medida, houve sensível aumento das mortes obstétricas, num país em que 28% das gestações são de crianças e adolescentes.

— A penalização absoluta do aborto nos diz que estamos frente a um Estado que não reconhece o direito à vida das mulheres, especialmente das que vivem em condições de pobreza e convertem a gravidez em fator de medo — comentou.

Portugal

Outra convidada foi a professora universitária Stela Barbas, de Portugal, onde o aborto até a décima semana de gestação foi legalizado em 2007. ­Segundo ela, a medida ­banalizou o ato, com crescimento das ocorrências. Da área jurídica, ela apresentou argumentos da filosofia do direito sobre o momento em o indivíduo adquire ­personalidade jurídica.

De acordo com Stela, há diferentes teses, como o da conformação do sistema nervoso central ou da viabilidade fetal, ou do nascimento com vida e ainda o critério de utilidade para a sociedade. No extremo, afirmou, nem o nascimento seria uma garantia do início de aquisição de direitos, já que é possível encontrar apoio para justificar a interrupção da gestação em qualquer momento, e até mesmo para que se apoie a prática da eugenia, a seleção dos melhores indivíduos para continuar a raça.

— Dignidade é o valor que subjaz a todos os direitos fundamentais e a toda ordem jurídica. Não sendo assim, hoje são dez semanas para a interrupção da gestação, depois provavelmente haveremos de chegar a maior tempo e, no futuro, será permitida a interrupção dias antes do nascimento ou após, mediante o infanticídio — criticou.

Saúde

Opositores da legalização do aborto apresentaram dados sobre danos à saúde física e mental em mulheres que recorreram ao aborto. Diante das informações, Olímpio Barbosa Moraes Filho, vice-presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, disse que as estatísticas, embora reais, referem-se a procedimentos clandestinos, feitos de modo inseguro, e que o aborto pelo SUS serviria justamente para reduzir esses danos.

Para o médico, o Brasil deve de fato seguir o exemplo dos países que tratam o aborto como questão de saúde pública, com assistência integral à mulher no campo reprodutivo, inclusive com métodos de prevenção. Em última instância, observou, a mulher deve decidir sobre manter ou não a gestação, contando com todas as informações necessárias.

— O que não se admite são as mortes devido a abortos inseguros, normalmente de mulheres pobres. Se fossem as nossas filhas, as filhas de senadores e de deputados que estivessem morrendo ao passar por um aborto, isso já teria mudado — afirmou.

Para Nazareno Feitosa, do Movimento em Favor da Vida, os problemas causados pelo aborto são comprovados. Segundo ele, se as mulheres fossem bem informadas sobre as consequências, elas “pensariam duas vezes” antes de optar pelo procedimento.

Para Adelice Leite de Godoy, do Movimento Pró-Vida de Campinas (SP), os defensores  do aborto querem mudar a moralidade sobre o tema, de modo a que a prática passe a ser aceita mesmo entre os que hoje têm restrições.

Segundo ela, o número de abortos “explodiu” nos Estados Unidos a partir da liberação, com multiplicação de clínicas.

Eustáquio Diniz Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas, condenou o uso de estatísticas de redução no crescimento populacional como argumento contra o aborto. Com projeções amplas, ele afirmou que o país não caminha para uma crise de mão de obra. Ainda assim, salientou que esse tipo de crise poderia ser solucionada por meio de atração de força de trabalho estrangeira, com vantagens em relação à reativação do crescimento populacional.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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