Projeto que modifica normas de identificação de transgênicos viola direito constitucional, afirma procurador

Da Redação | 12/08/2015, 17h25

Em audiência pública sobre projeto que altera as normas de identificação de produtos transgênicos destinados ao consumo, nesta quarta-feira (12), os convidados enfatizaram de modo unânime que o PLC 34/2015, em comparação com as regras atuais, reduz o grau de informação sobre a existência dessa característica no alimento. Por conta disso, o procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes afirmou que o projeto viola o direito à informação, uma das garantias fundamentais da Constituição brasileira em favor dos cidadãos.

— O consumidor precisa de informação para orientar o seu consumo, um ato fundamental de cidadania; para que possa ter livre arbítrio de agir de acordo com uma lógica de responsabilidade socioambiental, por meio de um ato de consumo consciente — ressaltou Anselmo Henrique Cordeiro Lopes.

Atualmente, produtos com qualquer percentual de substância transgênica devem trazer a informação sobre a existência de transgênicos em sua composição. Pelo projeto, que altera a Lei de Biossegurança, o alerta será obrigatório apenas quando a substância superar 1% da composição do produto final. Além disso, o símbolo de identificação — a letra T em um triângulo amarelo — poderá ser substituído pela frase “Contém transgênico”.

Na primeira audiência pública, no dia anterior, as controvérsias foram acentuadas, evidenciado a falta de consenso sobre a proposta. As audiências públicas foram promovidas em conjunto pelas Comissões de Ciência e Tecnologia (CCT) e de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA).

Contramão

Para Ana Paula Bortoletto Martins, pesquisadora em alimentos do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), o projeto representa um retrocesso para a garantia dos direitos estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor (CDC) e está na contramão das tendências regulatórias mundiais na área de alimentos, com ampla proteção ao direito à informação sobre a composição dos produtos.

— Nenhuma medida deve ser criada para restringir esse direito, à luz do Código — afirmou.

Ao restringir a informação, o projeto restringe a liberdade de escolha do consumidor e também a concorrência entre os fornecedores – alertou, enfatizando também a proteção a quem optar por produzir alimentos livre de transgênicos.

João Tavares Neto, que representou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), admitiu que o projeto dificultará a identificação de transgênicos nos alimentos processados. Isso porque as análises deixam de considerar a rastreabilidade de organismos modificados (OGMs) nas matérias-primas, de verificação mais fácil, para se limitar em exames “analíticos” de ingredientes processados e no produto final - com rotulagem apenas quando o limite de 1% for ultrapassado.

— Desconhecemos os dados técnicos para fundamentar essa alteração, entretanto, ressaltamos que os alimentos podem ser constituídos por vários ingredientes e a avaliação apenas do produto final poderia mascarar a presença de ingrediente OGM — observou.

No dia anterior, críticos do projeto já havia registrado que o processo industrial produz a quebra das moléculas do alimento, tornando inúteis as análises laboratoriais para identificar possível presença de transgênicos.

Custos

O representante da Anvisa, que responde no órgão pela Diretoria de Autorização e Registros Sanitários, também confirmou que a proposta deve elevar os custos da cadeia produtiva. Como explicou João Tavares Neto, com a mudança de regras será necessário analisar amostra de todos os lotes de alimentos destinado ao consumo humano e animal. Para um lote com 10 mil unidades, um plano de amostragem de rigor normal exige a análise de 75 unidades, que já não poderão ser mais aproveitadas para fins de alimentação.

O advogado André Dallagnol, da Organização Terra de Direitos, que apoia os produtores da agricultura familiar, chegou a dizer que a proposta, ao dificultar a detecção de transgênicos nos produtos, pode produzir um resultado anormal: permitir que alimentos produzidos com matéria-prima transgênica possam ser rotulados e vendidos no mercado como “livres de transgênicos”.

Quanto à polêmica em torno do símbolo atual de identificação, a letra “T” inscrita no triângulo amarelo, Dallagnol rebateu a posição dos defensores do projeto de que se trata de mecanismo destinado a “criminalizar” o produto transgênico, que passam por testes de segurança e são liberados ao consumo por agência oficial do governo. Disse que o símbolo é de fácil entendimento e já foi assimilado por 6% da população.

— E didático até para crianças e até mesmo para uma pessoa não alfabetizada — afirmou.

Segurança

O professor Paulo Kageyama, da Universidade de São Paulo, contestou com veemência o argumento de que os transgênicos são seguros para o consumo, inclusive citando pesquisas com ratos que associam o consumo de alimentos desse tipo à ocorrência de cânceres.

Kageyama também disse que a questão dos OGMs está diretamente associada aos agrotóxicos, pois variedades transgênicas são mais resistentes aos defensivos. Se as plantas resistem e ficam livres de pragas, conforme assinalou, acabam absorvendo os defensivos e transferindo resíduos tóxicos para os consumidores.

— Por isso, afirmo que a população tem o direito de saber o que está comendo — opinou o professor.

Para Cassio Troglato, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), discutir a rotulagem é importante, mas o debate deve ir além, para permitir uma visão mais ampla da produção agrícola associada ao desenvolvimento local e regional, com garantia de produção de alimentos saudáveis. Segundo ele, esse papel cabe à agricultura familiar, que já responderia por mais 70% da produção de alimentos do país.

Enquete

Ao fim da audiência, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que dirigiu a reunião e foi um dos propositores do debate, informou que enquete feita durante a audiência sobre o projeto mostrou que a maioria das pessoas defenderam a manutenção do atual símbolo que indica produto transgênico.

O senador Hélio José (PSD-DF) anunciou que ele também é contra a retirada do selo, com base no direito do consumidor à informação.  Lasier Martins (PDT-RS) sustentou que a informação deve de fato ser garantida, mas manifestou dúvida se o ideal é o rótulo atualmente usado.

Aprovado em março pela Câmara dos Deputados, o projeto em análise é de autoria do deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS). Depois de passar pelas duas comissões promotoras da audiência, e ainda pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS), a matéria irá a Plenário, para decisão final.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)