Atingidos por mineração são contra proposta de novo código e denunciam impactos

mmcoelho | 04/12/2013, 14h55

A situação vivida por comunidades atingidas pela extração mineral no país foi tema de audiência pública nesta quarta-feira (4) pela Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR). Requerida pelo senador João Capiberibe (PSB-AP), a audiência contou com a presença de representantes dessas comunidades, contrários ao substitutivo do projeto do novo Código da Mineração. As propostas que tratam do tema tramitam na Câmara dos Deputados (projetos de lei 5807/13, 37/11 e outros).

Os convidados da audiência pública comemoraram a notícia de que a proposta não será mais examinada este ano pela Câmara. Assim, eles ganham tempo para tentar mudar o texto do projeto que, segundo as comunidades envolvidas e o próprio senador Capiberibe, não trata dos impactos socioambientais da atividade mineradora.

- Queremos uma legislação que contemple a todos. É claro que não vamos impedir a atividade econômica. Mas o que é inaceitável é que, em nome do desenvolvimento, se desrespeite direitos legítimos dessas comunidades – afirmou Capiberibe.

No início da reunião, foi transmitido o documentário “Enquanto o trem não passa”, produzido pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Atingidos pela Mineração e pela Mídia Ninja. Para fazer o filme, os produtores Rafael Vilela e Kátia Vizentainer visitaram as comunidades diretamente atingidas pela mineração e mostraram a situação de miséria e abandono que vivem essas pessoas.

- Esse filme é muito menos um produto e é muito mais um instrumento para pautar essa temática – disse Vilela.

Ao final da audiência, a comissão aprovou o encaminhamento de dois documentos sobre a posição das comunidades em relação ao novo Código da Mineração a autoridades do Poder Executivo, como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Casa Civil e o Ministério do Meio Ambiente.

- É importante que o governo tome conhecimento do posicionamento das organizações dos atingidos, seja por barragem, seja por implantação de exploração mineral – disse o senador.

Impactos da Mineração

Segundo o pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Carlos Bittencourt, na última década a produção mineral do Brasil cresceu 550% e a participação da indústria extrativa no Produto Interno Bruto (PIB) nacional, 156%. Por outro lado, houve uma queda na participação da indústria de transformação, o que está se configurando como uma reprimarização da economia, segundo o pesquisador.

- Os bens primários básicos voltam a ultrapassar percentualmente na pauta exportadora brasileira os bens manufaturados – explicou.

Bittencourt ressaltou que a mineração causa vários impactos ambientais e sociais, além de exigir um alto consumo de água e energia elétrica. Segundo o pesquisador, a mineradora Albrás, em Barcarena (PA), tem 1,5% do consumo de eletricidade do Brasil para a extração de bauxita.  Ele disse que a necessidade de construir mais hidroelétricas para a população é um mito.

- Só a indústria de mineração consumiu 38 milhões de toneladas equivalentes de petróleo em energia. Se juntar todas as residências, elas consumiram 23,7 milhões. Isso significa que a mineração é muito mais consumidora de energia do que as famílias brasileiras – comparou.

Em relação à água, Bittencourt informou que a mineração consumiu mais de 520 bilhões de litros em 2012. Em regiões semiáridas do país, o uso da água para a atividade econômica concorre com o uso para consumo humano.

O coordenador do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Atingidos pela Mineração, Adair Almeida, afirmou que a mineração deveria ser proibida em todo o semiárido brasileiro. Ele citou a situação da região de Salinas (MG), que passa por um processo de desertificação.

- O Antônio Ermínio de Morais, que é gente rica, bilionária, chegou dizendo – está escrito aí nessa denúncia – que o nosso minério é de baixo teor e, por isso, para favorecer a extração do minério, tem que usar mais água. Numa região semiárida, onde as comunidades estão sendo atendidas por caminhões-pipa – afirmou.

Grilagem de terras

Adair Almeida também acusou o ex-governador de Minas Gerais, Newton Cardoso, de ter sido conivente com a grilagem de terras no estado. O geraizeiro, como é chamado quem mora às margens do rio São Francisco no Norte de Minas, disse que as famílias são ameaçadas. Ele relatou que perdeu o pai e a mãe, mortos pelo câncer, provocado pelo agrotóxico usado na cultura de eucalipto.

- O Newton Cardoso se apropriou das nossas terras, fez uma enorme grilagem de terra, fazendo documentos esquentados em cartório e violando o direito do povo geraizeiro. Terras que foram arrendadas pelo estado de Minas, na década de 1970, pelas empresas, por 25 anos. Venceu [o prazo] e elas não devolveram as terras – relatou.

Etevaldo da Cruz Arantes, do Movimento dos Trabalhadores da Mineração (MTM), relatou que uma empresa canadense invadiu todos os terrenos em Serra Pelada (PA) com escolta armada e com o apoio da polícia.

- Temos uma senhora de 73 anos que já foi presa por três vezes por resistir e não querer sair do local da sua moradia. E a polícia vai lá, pega, prende e espanca. Já espancou essa senhora por três vezes – contou.

Novo Código de Mineração

Segundo os convidados da audiência, o projeto original do Novo Código de Mineração, enviado pelo governo federal, já era ruim e ficou pior no substitutivo do deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG). Conforme o documentário apresentado na audiência, o deputado teve sua campanha eleitoral financiada pelas empresas mineradoras e, por isso, estaria beneficiando essas companhias no projeto.

- O deputado fez o favor de retirar o controle público sobre a atividade mineral – disse Bittencourt.

Segundo o pesquisador, a proposta do governo previa licitação para as empresas concorrerem ao processo de lavra e pesquisa. No entanto, como observou, o substitutivo do deputado deixa a situação atual inalterada, ou seja, mantém o regime de autorização e prioridade em que qualquer pessoa que chega primeiro e requer uma área para lavrar tem o direito se cumprir alguns procedimentos burocráticos.

A permissão para que os títulos minerários sejam onerados em penhora e transformados em ativos financeiros para a bolsa de valores é outro ponto criticado da proposta em análise na Câmara dos Deputados.

- Eu suponho que tenho 50 milhões de toneladas de ferro, vendo esse título supondo isso, consigo um financiamento para abrir aquela mina. Depois, descubro que aquela mina tem cinco toneladas de ferro, que não vale a pena explorar e aí os impactos já estão feitos, a grana já está rolando e o minério não vai sair dali – explicou.

As comunidades afetadas pela atividade mineradora também são contra um artigo da proposta que submete à anuência prévia da Agência Nacional de Mineração a demarcação de unidade de conservação ambiental e de territórios indígenas e de remanescentes de quilombos.

- Isso é absolutamente inconstitucional. O que a Agência Nacional de Mineração tem que dizer sobre terras indígenas, demarcação de quilombos ou unidades de conservação? – criticou Bittencourt.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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