Mandato de Demóstenes: da defesa da moralidade à punição pela Lei da Ficha Limpa

Anderson Vieira | 11/07/2012, 15h04

Segundo senador na história do país a ter o mandado cassado, Demóstenes Lázaro Xavier Torres nasceu em 23 de janeiro de 1961, em Anicuns, região Central de Goiás, a 74 quilômetros de Goiânia.

Desde o início de seu mandato, em 2003, Demóstenes Torres procurou voltar sua atuação parlamentar para áreas de segurança pública, direito penal e processual penal. Como relator da Subcomissão de Segurança Pública, apresentou 18 sugestões para tornar mais rígido o regime diferenciado para presos oriundos do crime organizado.

Defesa da Ética

O agora ex-senador também procurou se notabilizar como defensor da ética na política, a ponto de ser considerado um “mosqueteiro da ética” no Congresso Nacional pela revista Veja, em reportagem publicada em julho de 2007.

Fez duros discursos em episódios de denúncias contra representantes do governo petista. Um dos alvos foi o então ministro da Saúde, Humberto Costa, acusado por Demóstenes de manter relação próxima com Luiz Cláudio Gomes da Silva, que era apontado como participante de esquema de desvio de recursos destinados à compra de medicamentos.

- Ele e o ministro são próximos. E são robustas as evidências de que Luiz Cláudio é um malandro conhecido no seu estado - afirmou Demóstenes, em discurso em junho de 2004.

Humberto Costa, que acabaria inocentado pelo Tribunal Regional Federal da 10ª Região, seria, por ironia, escolhido por sorteio o relator do processo disciplinar que culminou na perda do mandato do senador goiano.

Tampouco poupou seus companheiros no Senado. Fez duras críticas ao então presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), que respondia a processo no Conselho de Ética.

- A imagem do Senado, hoje, é a de um pau de galinheiro. Realmente os políticos estão perdendo a vergonha na cara – disse em 2007.

Personalidades Influentes

Em dezembro de 2009, Demóstenes Torres foi parar na lista das 100 personalidades mais influentes do país da revista Época. Pouco mais de dois anos depois, em março deste ano, a mesma publicação seria a primeira a denunciar o recebimento por parte de Demóstenes de um aparelho Nextel habilitado por Carlinhos Cachoeira nos Estados Unidos a fim de evitar grampos da Polícia Federal. O teor das conversas gravadas pela PF explicitaram as relações entre Demóstenes e o contraventor e motivaram o pedido de abertura de processo pelo PSOL.

Foi com espanto que vários de seus colegas reagiram quando surgiram as primeiras denúncias contra Demóstenes. A incoerência entre o discurso e prática chegou a ser evidenciada pelos parlamentares ao longo dos três meses do processo de cassação:

– Tínhamos grande admiração por Demóstenes, mas ele se revelou uma pessoa com capacidade de mentir, enganar e manipular como raramente se vê. Uma pessoa com duas personalidades. Que pessoa é essa? – questionou a vice-presidente do Senado, Marta Suplicy (PT-SP), durante reunião da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) que analisava o processo de cassação do parlamentar.

O senador Pedro Simon (PMDB-RS) avaliou, na mesma linha de Marta, ao considerar um caso de dupla personalidade o comportamento de Demóstenes:

– Deve ser um caso típico de bipersonalidade porque conviviam ali dois cidadãos: o que eu conheci, a quem dou nota dez na competência, na capacidade e na dignidade, e o que está aparecendo agora, que é exatamente o contrário do que a gente poderia imaginar.  Não sei como os dois conviviam, como um podia conversar com o outro – disse em um de seus muitos discursos sobre o caso na tribuna do Plenário.

Companheiro de oposição ao governo petista e também duro orador diante do que considera desvios de conduta, o senador Mário Couto (PSDB-PA), por mais de uma vez, se disse decepcionado com a conduta de Demóstenes:

– Eu tinha admiração por vossa excelência e lhe aplaudi de pé quando foi ao plenário pela primeira vez se justificar. Quando vi pela primeira vez uma gravação na TV, pensei que, se fosse verdadeira, seria uma das maiores decepções de minha vida – disse Mário Couto a Demóstenes numa reunião do Conselho de Ética do Senado em maio deste ano.

Votação expressiva

Formado em Direito, Demóstenes Torres deixou a carreira de delegado de polícia para seguir no Ministério Público estadual até chegar ao posto de chefe da instituição, como procurador-geral de Justiça de Goiás.

No governo Marconi Perillo, foi secretário de Segurança Pública de 1999 a 2002, ano em que foi eleito senador pela primeira vez. Em 2010, reelegeu-se para um segundo mandato, com expressiva votação de 2,1 milhões de votos, ou 44% dos votos válidos daquele estado para o Senado.

Referência na oposição ao governo Lula, teve atuação destacada no Parlamento. Presidiu a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e relatou proposições importantes, como o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03) e o projeto que resultou na Lei da Ficha Limpa (LC 135/11), que impede a candidatura de políticos condenados e também daqueles que renunciam a mandatos para impedir a cassação.

Em 2011, assumiu a liderança da bancada do Democratas no Senado, posto ao qual renunciou em 27 de março deste ano, logo depois que surgiram as primeiras denuncias de seu envolvimento com Carlinhos Cachoeira. Uma semana depois, ele se desfiliou do partido a fim de evitar a expulsão da legenda.

Tempo sem mandato

Agora que foi cassado por seus pares, Demóstenes verá funcionar a legislação por cuja aprovação tanto trabalhou. De acordo com a Lei da Ficha Limpa, Demóstenes ficará inelegível por oito anos contados a partir do fim do mandato para o qual havia sido eleito. Ou seja, só poderá concorrer a um cargo político em 2028, visto que seu mandato se encerraria em fevereiro de 2019 e, pelo calendário atual, não haverá nenhuma eleição em outubro de 2027.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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