Portadores de distúrbios mentais podem se reintegrar à vida social e ser produtivos, diz Paulo Delgado

Da Redação | 11/08/2011, 20h37

A lei que redirecionou o modelo assistencial em saúde mental pode ser um instrumento importante para o governo brasileiro na implantação de uma política de economia solidária, dando condições aos dos portadores de distúrbios mentais de se reintegrar à vida social e ao mundo da produtividade.

A tese foi defendida nesta quinta-feira (11) em audiência pública que comemorou os dez anos da Lei 10.216/01 pelo ex-deputado Paulo Delgado, autor do projeto da reforma psiquiátrica. O debate aconteceu na Subcomissão Permanente de Promoção, Acompanhamento e Defesa da Saúde, da Comissão de Assuntos Sociais (CAS).

Segundo Paulo Delgado, um dos principais problemas enfrentados na questão dos distúrbios mentais diz respeito à improdutividade. De maneira geral, segundo ele, a sociedade não aceita a idéia de que as pessoas estão submetidas a ritmos diferentes, ainda mais a ritmos que dependem de situação que muitas vezes nem todos conhecem e têm condição de compreender.

Paulo Delgado contou que a idéia da lei começou a crescer no Congresso Nacional com a presença de pacientes e familiares, que ali começaram a mostrar que havia um serviço de desadaptação social chamado de manicômios, que trabalhavam com dois conceitos fortes: o da periculosidade e da incapacidade civil permanente.

- Ou seja, a doença estava associada a condutas de fracasso. Fomos conseguindo conquistar a sociedade para essa questão - afirmou.

Hoje pode-se dizer, com o surgimento de leis regionais e estaduais, que "o limite de uma pessoa é o seu vocabulário", disse Paulo Delgado.

- Ninguém imagina que, em seu surto, um doente mental é um ser integral e deve ser acolhido. Os serviços têm que ser abertos - afirmou Paulo Delgado, explicando que os princípios da reforma psiquiátrica surgiram dos mesmos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), com serviços abertos e mais próximos das pessoas interessadas.

Paulo Delgado contou que chegou recentemente de Milão, na Itália, onde participou de uma conferencia sobre o sofrimento urbano, e disse que os italianos reconhecem que a mobilização da sociedade brasileira é inédita na reforma psiquiátrica no mundo inteiro. Se a sociedade se desmobilizar, disse, o Brasil poderá retornar à tradição anterior de tutela e de encarceramento que faz parte da lei sanitária e da visão médica brasileira.

- A idéia de internar, de pôr no hospital, tem que ser desmontada. Ela atinge mais doentes mentais e, na verdade, todas as pessoas que procuram um hospital. O grande desafio hoje, o melhor remédio é a liberdade - afirmou.

Cotidiano

Já o atual coordenador de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde, Roberto Tikanori, disse que nos últimos dez anos os profissionais aprenderam muito no cotidiano dos serviços, quando não se diz mais ao paciente o que fazer, mas se procura reproduzir projetos e compartilhá-los com a família.

- Aqui no Congresso se viabilizou a lei, que não é um retrato fiel do projeto original, mas é um retrato fiel do momento histórico - afirmou.

O coordenador, no entanto, diz que é necessário se atualizar, contextualizar e ser capaz de avançar em um cenário turbulento. Segundo ele, a mesma força que produziu a lei e viabilizou a expansão de uma rede de serviços substitutivos aos manicômios, deve ser capaz de enfrentar a questão da liberdade, "que vai ficando turbulenta"

- A questão da droga não é simples. Como manter um tratamento em liberdade? Um sujeito preso à droga, em estado de fissura, podemos considerar que ele está livre? - indagou.

Para ele, o parâmetro a ser adotado em condições republicanas para tratamento de viciados deve ser de longo prazo.

- No mínimo tem que se esforçar para que esses garotos de 13, 14 anos atinjam os 21 anos, antes de mais nada vivos, com o máximo de sua potência expressa, que os ajudará a conceber a sua liberdade, que não é o livre arbítrio, mas a possibilidade de exercer ao máximo as suas potências. E para isso e preciso garantir direitos - afirmou.

"Pânico"

Para o senador Humberto Costa (PT-PE), que regulamentou a Lei 10.216/01 durante sua passagem pelo Ministério da Saúde no governo Lula, o principal mérito da lei foi trazer o debate e a política de atenção às pessoas dependentes de álcool e drogas para o âmbito da saúde.

- Antes era restrito ao Ministério da Justiça e às políticas de repressão. A partir daí, a área da saúde passou a desenvolver uma política de redução de danos - afirmou.

Humberto Costa disse ainda que é preciso evitar uma "postura de pânico". Segundo ele, a carência de respostas à sociedade colabora para o retorno de "posições conservadoras" no tratamento das pessoas portadoras de distúrbios mentais. Ele acha que devem ser ampliados os meios usados para oferecer conforto a quem sofre com dependência, e que qualquer política nesse setor tem que ter um componente de saúde.

- Não podemos permitir que o tema de combate a álcool e outras drogas possa vir a ser algo que se faça sem a presença marcante da área da saúde. Não se pode levar pânico e terrorismo. A grande vitória da reforma foi respeitar a diversidade e as diferenças. Não podemos permitir agora queira se encontrar uma panacéia para enfrentar problemas - afirmou.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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